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Como desenhar uma ave

Desenhar aves pode ser um desafio para qualquer ilustrador. São muito rápidas e é raro estarem quietas tempo suficiente para conseguirmos um desenho realista. O desenhador naturalista Marco Nunes Correia ajuda-o, passo a passo, a desenhar uma ave.

 

É sempre bom tentar desenhar aves na natureza, mas é muito natural não conseguirmos. Ainda assim há uns quantos truques.

Antes de mais convém sabermos um pouco sobre a anatomia das aves, nomeadamente perceber os diferentes grupos de penas e os seus nomes, o posicionamento da cabeça e das patas em relação ao corpo e a variação de forma das diferentes partes do corpo em função da sua posição relativa.

Cabeça, asas e patas são as partes mais complicadas de desenhar, mesmo quando o nosso modelo de referência se encontra parado, seja no campo, numa fotografia ou no caso de ser uma ave taxidermizada. Para nos começarmos a familiarizar com o tema vejamos as seguintes figuras.

Toponímia de um passeriforme

 

Toponímia da cabeça de um passeriforme
Toponímia da asa de um passeriforme

 

 

Estrutura das patas em geral: A) 4 dedos todos diferentes; B) possibilidade de articulação da unha. C-G) diferentes tipos de tarsos, em função do número de escamas (escutelos) ou retículas: C) sem escutelos D) escutelado à frente; E) escutelado; F) escutelado-reticulado; e G) reticulado

 

Para um melhor entendimento das aves convém estudar previamente o tema, antes de ir para o campo, mesmo que não se consiga reter logo toda a informação. Até porque se trata de um processo moroso que requer alguns anos de prática para que consigamos caracterizar os diferentes grupos taxonómicos. Mas temos de começar por algum lado!

Não basta ir para o campo e começar a desenhar aves, se não tivermos um mínimo de conhecimento sobre as mesmas. Mas estudá-las apenas a partir dos livros, filmes e fotografias também não é suficiente. São precisas muitas horas de observação no campo, tomando especial atenção aos seus comportamentos, procurando associá-los a factos que os possam ter motivado. Outro aspeto fundamental a considerar é o conceito de jizz, que se traduz pelas atitudes, poses e movimentos característicos de cada espécie. E este é o aspeto mais difícil de captar, quer no registo de campo, quer na ilustração realizada no conforto da nossa casa.

Passemos então a alguns truques para iniciar o nosso registo de campo.

Comece por desenhar aves que estão paradas, a descansar ou a vocalizar a partir de um poleiro. Normalmente temos tendência para desenhar mesmo aquilo que não conseguimos ver com clareza, apenas porque sabemos que é assim. O melhor é não o fazer, ou seja, desenhe apenas aquilo que vê. Quando queremos ver melhor utilizamos os binóculos ou um telescópio adequado à observação de aves. É possível que, mesmo assim, não consigamos ver todas as escamas das patas, ou sequer todos os dedos. Então não os desenhemos ou façamos apenas um pequeno esboço!

 

Peneireiros (Falco tinnunculus) juvenis, à entrada do ninho. Serra de Candeeiros, 2011

 

Ao fim de algum tempo experimente desenhar aves a descansarem, como por exemplo as limícolas em zonas húmidas como os sapais. Outra boa opção são as gaivotas, garças, cegonhas, ou os corvos marinhos enquanto secam as asas depois de se alimentarem. Nestas situações é comum imobilizarem-se e mexerem apenas a cabeça. Comece por desenhar o corpo e depois, várias posições da cabeça a partir do mesmo desenho.

 

 

Galhetas ou Corvos-marinhos-de-crista (Phalacrocorax aristotelis). Berlenga, 2007

 

Outra técnica é desenhar esboços da mesma ave espalhados pela página dupla do seu caderno e que pode ir completando simultaneamente, de acordo com os movimentos do animal, conforme vai adotando posições semelhantes. Pode estar a trabalhar em três ou cinco desenhos ao mesmo tempo. Requer maior concentração e um tipo de desenho mais gestual.

 

Peneireiro (Falco tinnunculus) imaturo, diferentes poses. Serra de Candeeiros, 2011

 

E quando estiver mais habituado a observar e desenhar aves, pode treinar a memória de curta duração. Experimente observar atentamente o voo de uma ave durante algum tempo e depois pousar os olhos no caderno e tentar desenhar o que viu.

No início é um pouco frustrante, porque a imagem que memorizámos se apaga da nossa memória assim que começamos a desenhar. Deixámo-nos enganar pelo nosso cérebro! É uma questão de prática e com o tempo vamos assimilando conhecimento sobre as várias espécies, conseguindo reter essa memória durante mais tempo.

Chapins-rabilongos (Aegithalos caudatus), diferentes poses e desenhos de detalhe feitos de memória, auxiliado por um guia de campo. Pulo-do-Lobo (Mértola), 2009

 

Qualquer que seja a técnica utilizada, independentemente dos resultados obtidos, verá que lhe darão mais informações do que um registo fotográfico. Criará uma maior ligação aos seus modelos e aos lugares, permitindo recordar-se de outros detalhes que nem sequer chegou a registar.

Mas antes de sair de casa, experimente desenhar esta ave. Vai ver que se vai divertir!

 

[divider type=”thin”]Série Atelier de Desenho:

Ao longo das últimas semanas temos publicado uma pequena série de artigos sobre desenho de natureza. O ilustrador Marco Nunes Correia ensina-lhe truques, dicas e formas de estar para que ninguém fique com o caderno de campo em branco.

O próximo e último artigo será os dez passos para desenhar um pisco-de-peito-ruivo. Os anteriores foram “O que podemos desenhar na Primavera” e “O que levar para desenhar a natureza”.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.