borboleta pousada num ramo
Foto: Joana Bougard/Wilder

Há um concelho português que já tem um guia sobre as suas borboletas

Com quase 100 espécies de borboletas diurnas, Vila Real é um concelho “oásis” para estes insectos, desde a borboleta-azul-das-turfeiras, à borboleta-do-medronheiro e à castanhinha-das-bétulas. Agora há um novo guia de bolso que nos ajuda a identificá-las numa visita a este destino imperdível.

 

Vila Real sabe quantas e quais são as borboletas diurnas do seu concelho. A lista tem 98 espécies, das 135 conhecidas para Portugal. Isto é, 75% da fauna conhecida no nosso país.

“A Câmara Municipal tem vindo a desenvolver um notável trabalho na inventariação da biodiversidade do concelho”, disse à Wilder Ernestino Maravalhas, um dos autores do guia, membro fundador do TAGIS – Centro de Conservação das Borboletas de Portugal e que estuda a biodiversidade há mais de 40 anos.

Entre a lista de borboletas que ocorrem no concelho, a mais emblemática será a borboleta-azul-das-turfeiras (Maculinea alcon). É uma espécie rara e uma das borboletas mais ameaçadas de Portugal. Mas é a sua surpreendente estratégia de sobrevivência que a torna especial.

Nesta época do ano, meados de Julho, a borboleta-azul-das-turfeiras começa a surgir nos lameiros. Para trás ficou um ciclo impressionante. Durante o Verão, estas borboletas põem entre 40 a 50 ovos nas flores de uma única espécie de planta, também ela rara, a Genciana-das-turfeiras (Gentiana pneumonanthe). Depois de passarem várias semanas na flor da genciana, as lagartas abrem um orifício e atiram-se para o solo onde são recolhidas por uma única espécie de formigas, do género Myrmica, que as levam para o seu formigueiro. Estas confundem a lagarta por crias de formigas perdidas, por causa de uma substância hormonal, que imita os odores tão seus conhecidos. No formigueiro, a lagarta leva uma vida predatória, alimentando-se das larvas das formigas até estar pronta para voar.

Mas esta é apenas uma das dezenas de espécies que podemos encontrar no concelho de Vila Real. Para nos ajudar a identificá-las e aprender mais sobre elas, o município lançou recentemente o “Caderno de campo: as borboletas de Vila Real”.

 

Um guia para “todos os que gostam da Natureza”

O objectivo deste guia é dar às pessoas “uma ferramenta atrativa, intuitiva, com um conteúdo científico, mas assimilável por não especialistas, inclusive pelas crianças, que permita identificar todas as borboletas diurnas conhecidas do concelho de Vila Real”, explica Ernestino Maravalhas.

“O público alvo são todos os que gostam da Natureza, ainda que o guia possa servir a biólogos e aos técnicos de conservação da Natureza, pois contém informação científica útil e atual.”

No Caderno de Campo podemos encontrar informação básica sobre as borboletas, como o ciclo de vida, a sua anatomia, os habitats que ocupam e o que se pode fazer para as conservar.

 

 

Depois, cada espécie tem uma ficha com fotografias e dados como a morfologia (que ajudam à identificação), a dimensão, qual a diferença entre machos e fêmeas, o tipo de voo, a fenologia (época de voo), o número de gerações, o índice de abundância, a distribuição (mundial, nacional e no concelho de Vila Real), o tipo de habitat, a alimentação das lagartas e informações sobre o estado de conservação da espécie.

“O Caderno de Campo tem algumas páginas dedicadas ao registo das observações de borboletas no concelho, que cada leitor pode fazer e, se o desejar, enviar para o TAGIS ou para o município, pois a equipa técnica colige informação biológica”, salientou o especialista.

A ideia de criar este guia surgiu já “há algum tempo”. “Queríamos publicar uma série de cadernos de campo que permitisse a todos os que vivem no concelho ou ali se deslocam, apreciar a biodiversidade, identificá-la, registá-la e contribuir para a sua preservação”, explicou Ernestino Maravalhas.

Assim, este Caderno de Campo é o primeiro de uma série projetada para seis guias sobre a diversidade biológica do concelho de Vila Real. E Ernestino Maravalhas não afasta a ideia de serem criados guias para outras regiões do país, que ilustrem a diversidade dos concelhos e que atraiam naturalistas. “A fauna varia muito de Norte a Sul, de Leste a Oeste, do litoral às terras mais altas”, notou.

O novo guia contou com a colaboração de vários fotógrafos de natureza e de investigadores da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD).

 

[divider type=”thick”]Três perguntas a Ernestino Maravalhas

WILDER: Como caracteriza o concelho de Vila Real quanto à diversidade de borboletas?

Ernestino Maravalhas: É um oásis. Tem um número de espécies muito aproximado ao do nosso Parque Nacional (da Peneda-Gerês) e ligeiramente inferior ao dos concelhos de Bragança e Vinhais, que são os que apresentam maior riqueza específica para este grupo de animais. Em Vila Real podemos encontrar borboletas exclusivas das montanhas, como a Castanha-das-Rochas (Arethusana arethusa) e espécies mediterrânicas, como a Cleópatra (Gonepteryx cleopatra). Isto é fruto da variação altitudinal e da inerente diversidade de microclimas, que encaixam perfeitamente numa área relativamente reduzida.

W: Pode dar alguns exemplos?

Ernestino Maravalhas: Destaco a Borboleta-azul-das-turfeiras (Maculinea alcon), que se encontra na zona de Lamas de Olo e na Quintã e que em Portugal surge apenas nas serras do Norte. Também existe a Castanhinha-das-bétulas (Thecla betulae), que é muito localizada em Portugal e que surge no concelho. Esta espécie voa nas copas das árvores e por isso é difícil de detetar, mas encontram-se os ovos no outono e no inverno, em abrunheiros e ameixeiras. Além das espécies citadas, próprias das zonas de maior altitude, destaco a Borboleta-do-medronheiro (Charaxes jasius) que é a maior borboleta (diurna) da Europa, que se encontra nos vales quentes do concelho, como o do Corgo. Esta espécie aproveita as zonas mediterrânicas florestadas que se encontram conservadas. Mas há muitas outras espécies interessantes, um pouco por todo o concelho.

W: Qual a melhor altura do ano para observar borboletas e em que locais? 

Ernestino Maravalhas: Neste concelho, podemos observar adultos durante quase todo o ano, especialmente nas zonas baixas, onde há influência mediterrânica e o clima permite aos animais voarem no inverno, quando é ameno. Os meses de maior diversidade são os de junho a agosto. Quem se deslocar à zona da Ermida ou à Quintã e às Lamas de Olo, ficará maravilhado, pois num só dia poderá observar dezenas de espécies de borboletas, bastando calcorrear prados, galerias ripícolas, zonas pedregosas (rupícolas) e florestas abertas.

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

CADERNO DE CAMPO: AS BORBOLETAS DE VILA REAL

Onde adquirir: Parque do Corgo (no Centro de Ciência de Vila Real)

Preço: 5 euros (as vendas ajudarão a financiar os futuros guias da diversidade biológica do concelho).

 

 

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.