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Morcego-orelhudo-cinzento. Foto: Jasja Dekker / Wikimedia Commons

O que procurar no Verão: os primeiros voos dos morcegos

Neste Verão descubra a vida selvagem em Portugal e saiba o que ver e onde procurar. O investigador Jorge Palmeirim ajuda-o a entender melhor o fantástico mundo dos morcegos. 

Entre os morcegos que podemos ver a voar nas noites de Verão estão jovens morcegos que nasceram há cerca de dois meses. Na maioria das 26 espécies de Portugal, os jovens estão a aprender a voar e a caçar sozinhos. 

É crucial que se consigam alimentar para ganharem peso e tamanho, a tempo da hibernação que começa com o tempo mais frio, que chegará dentro de alguns meses.

“Um morcego só é independente quando chegar ao desenvolvimento completo. Precisa de asas do tamanho das dos adultos para voar e de ossos fortes para suportar as asas”, explicou Jorge Palmeirim, biólogo que estuda morcegos desde os seus tempos de faculdade, e já lá vão 40 anos. “Todo este crescimento tem de acontecer muito depressa.”

Esta é uma excelente altura do ano para assistir às acrobacias dos morcegos. Segundo Jorge Palmeirim, as dez espécies mais fáceis de encontrar são o morcego-anão (Pipistrellus pipistrellus), o morcego-pigmeu (Pipistrellus pygmaeus), o morcego-de-Kuhl (Pipistrellus kuhlii), o morcego-hortelão (Eptesicus serotinus), o morcego-arborícola-pequeno (Nyctalus leisleri), o morcego-de-peluche (Miniopterus schreibersii), o morcego-de-ferradura-pequeno (Rhinolophus hipposiderus), o morcego-de-ferradura-grande (Rhinolophus ferrumequinum) e o morcego-orelhudo-cinzento (Plecotus austriacus).

As espécies que ocorrem em Portugal têm as suas próprias estratégias de captura de insectos, executadas com sofisticação mesmo por cima das nossas cabeças.

Os morcegos-rabudos (Tadarida teniotis), por exemplo, são espiões por excelência.  São dos morcegos que voam mais alto em toda a Europa, caçando a centenas de metros de altitude insectos distraídos, de preferência borboletas-nocturnas.

“O morcego-rabudo sai do abrigo e tenta tirar partido da localização de outros morcegos, como se os espiasse, para saber onde há concentrações de insectos. Depois, é só dirigir-se para onde as concentrações são maiores”, conta Jorge Palmeirim. 

Este morcego tem asas muito estreitas para voar a velocidades enormes, em espaços abertos. 

Mas nem todos os morcegos gostam da altitude. Há uns que preferem a copa das árvores e outros ainda que se especializaram em capturar ao nível do solo ou entre a vegetação, insectos como escaravelhos ou gafanhotos verdes e aranhas. O objectivo continua a ser o mesmo, mas a estratégia de caça é inteiramente diferente.

Abaixo dos morcegos-rabudos caçam os morcegos-anões (Pipistrellus pipistrellus), os morcegos-pigmeus (Pipistrellus pygmaeus) e os morcegos-de-kuhl (Pipistrellus kuhlii). “Estes são morcegos que caçam em voo à altura das copas das árvores” e são muito comuns nas cidades. Nesta estratificação de territórios de caça, para nós invisíveis, estas três espécies de morcegos são os chamados intermédios.

As espécies de morcegos-de-ferradura e as espécies de morcegos-orelhudos são peritas em caçar insectos junto ao solo. Em geral, “têm asas muito largas, para aumentar a capacidade de manobra, e um voo lento, quase parecendo pairar no ar. Isto porque caçam frequentemente rente ao solo e em zonas de vegetação densa”, explicou o biólogo.

Todos eles caçam através de ultrassons, em frequências demasiado altas para as conseguirmos ouvir sem recorrer a aparelhos de conversão.

Segundo Jorge Palmeirim, os morcegos fazem sons por dois grupos de razões. A primeira é para caçar e para se orientar, emitindo ecolocalizações sofisticadas para detectar presas e objectos. A segunda é para comunicarem entre si. “Estes são sons mais complexos, usados entre mães e crias, para defender territórios de caça e de abrigo ou para atrair as fêmeas”, salienta. “São equivalentes aos cantos das aves. É verdade que os morcegos também cantam, mas numa frequência que não conseguimos ouvir”.

Cada espécie tem sons diferentes e também há grande variabilidade dentro da mesma espécie. O que é certo é que foi através do som que se descobriu que o morcego-pigmeu era uma espécie diferente do morcego-anão.

Por estes dias (ou noites), os jovens morcegos estão a afinar a técnica da caça e dos ultrassons. Quando crescerem, tornar-se-ão uns dos principais predadores de insectos, ajudando a controlar pragas e desempenhando um papel crucial nos campos e cidades.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.