Rouxinol-grande-dos-caniços. Foto: Mykola Swarnyk/Wiki Commons

O que se passa com o rouxinol-grande-dos-caniços?

Nos últimos tempos é cada vez mais difícil ver rouxinóis-grandes-dos-caniços. Mas não se sabe ao certo o que se está a passar com esta espécie em Portugal, por falta de dados. Por isso, está em curso o primeiro censo nacional dedicado à espécie. A boa notícia é que podemos todos participar.

 

O rouxinol-grande-dos-caniços (Acrocephalus arundinaceus) não é um rouxinol. Na verdade, é a maior felosa de Portugal. E canta toda a noite. Acredita-se que seja essa a origem do seu nome popular.

Além disso, faz ninhos suspensos, entrelaçados em caniços, que são impressionantes obras de mestria.

Mas algo se estará a passar com esta ave castanha e de garganta esbranquiçada, quase do tamanho de um pequeno tordo.

 

Rouxinol-grande-dos-caniços. Foto: Andreas Trepte/Wiki Commons

 

“Pela minha experiência, cada vez se vêem menos rouxinóis-grandes-dos-caniços e há a percepção, não sustentada por números, que a população está a diminuir”, contou à Wilder Gonçalo Elias, responsável pelo portal Aves de Portugal, organizador do “1º Censo Nacional de Rouxinol-grande-dos-caniços”.

Até agora não havia um censo nacional dedicado à espécie e as estimativas populacionais que existem são grosseiras. Gonçalo Elias lembra os dados do primeiro atlas das aves nidificantes de Portugal (1978-1984) – que estimou a população entre 1.000 a 10.000 casais – e os dados da Birdlife, com estimativas populacionais de entre 1.000 a 5.000 casais para Portugal.

No entanto, este ornitólogo suspeita que estes “são números muito superiores ao valor real”. Gonçalo Elias acredita que “o total nacional andará entre os 200 a 300 casais, na melhor das hipóteses”.

“Há muitos sítios de onde a espécie já desapareceu”, disse o especialista. Causas? “Difícil dizer, mas talvez a escassez de alimento, concretamente insectos, e de habitat.”

Para ajudar a perceber o que está a acontecer a esta ave e procurar respostas, a comunidade portuguesa de ornitólogos decidiu deitar mãos ao trabalho.

 

À procura do rouxinol em 240 locais de Portugal

O censo quer perceber a abundância e distribuição da espécie e está a decorrer de Abril a Junho deste ano, principalmente de 15 de Abril a 15 de Junho. Isto porque o rouxinol-grande-dos-caniços é um visitante estival que, normalmente, chega a Portugal a partir do fim de Março, ficando no país até Agosto.

E já começaram a chegar registos. A 18 de Abril, João Tomás, um dos organizadores do censo, anunciou ter encontrado “o primeiro rouxinol da época para o distrito da Guarda”. A observação foi feita na Albufeira da Vermiosa, em Figueira de Castelo Rodrigo, informou na página no Facebook criada para este censo.

 

Rouxinol-grande-dos-caniços. Foto: Mykola Swarnyk/Wiki Commons

 

Até 20 de Abril, os voluntários do censo já tinham detectado entre 50 a 60 machos de rouxinol-grande-dos-caniços. Os registos vão alimentar um ficheiro online que vai sendo actualizado. Mas só no final se fará um balanço do censo.

O objectivo é determinar o número de territórios de reprodução da espécie em Portugal continental, através da deteção de machos cantantes. “Queremos contabilizar só o registo de machos a cantar, algo que fazem para defender o território. Este é um bom indicador e foi o critério escolhido, porque estas aves são difíceis de ver”, explicou Gonçalo Elias.

Esta é uma espécie que apenas vive em zonas húmidas com caniçais e tabuais, como pauis, valas e margens de ribeiros com vegetação densa. O rouxinol é uma ave de caniçal. É ali que constrói os seus ninhos, taças suspensas das hastes dos caniços, entrelaçadas com mestria, e é ali que se movimenta.

“É uma ave muito difícil de ver, mas quando canta gosta de se mostrar bastante, no topo dos caniços.”

A equipa coordenadora do censo elaborou uma lista de locais de ocorrência potencial, baseando-se na informação disponível no site eBird. Os locais seleccionados devem ser visitados pelo menos uma vez durante o censo, preferencialmente durante as primeiras horas da manhã e em dias sem vento forte. A ideia é contar os machos que se encontrem a cantar.

Como a espécie se detecta pelo canto, “é preciso mais experiência para distinguir os cantos”, admite Gonçalo Elias. “Mas quem tiver dúvidas de identificação pode gravar os sons e enviar aos organizadores e ao coordenador distrital. Ou pode aprender o canto no xeno-canto, ouvindo exemplos do rouxinol-pequeno-dos-caniços e do rouxinol-grande-dos-caniços e ver a diferença entre os dois.”

Os voluntários para este censo são apoiados por 20 coordenadores. “Todos os distritos têm um ou mais coordenadores”, explicou Gonçalo Elias, ele próprio coordenador do censo para o distrito de Faro.

Há cerca de 240 locais prioritários a visitar. Estes estão concentrados nos distritos a Sul do Tejo, zona do país que tem mais habitat favorável à espécie: Santarém, Lisboa, Setúbal, Beja, Évora, Portalegre e Faro. “Para Norte do Tejo há muito poucos registos, mas os melhores locais são Aveiro e Coimbra (várzea do Mondego e ria de Aveiro)”, disse o responsável.

“Este censo é apenas um ponto de partida, que dará uma base de amostragem para o futuro”, comentou Gonçalo Elias, salientando o “carácter experimental” da iniciativa, que quer amostrar maior número de locais possível.

“Vamos ver como corre. Depois se saberá se faz sentido repetir.”

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

Acompanhe este censo aqui.

 

[divider type=”thick”]Agora é a sua vez.

Se estiver interessado em colaborar, pode contactar os organizadores do censo através do email: [email protected]

Para participar neste censo basta estar familiarizado com a espécie, nomeadamente o seu canto, e com outras espécies semelhantes, como é o caso do rouxinol-pequeno-dos-caniços (Acrocephalus scirpaceus).

[divider type=”thick”]Seis bons locais para ver (ouvir) rouxinol-grande-dos-caniços em Portugal

Gonçalo Elias, um dos organizadores do censo, sugere-lhe seis locais com grande probabilidade de conseguir ver ou ouvir esta fantástica ave:

Parque Ambiental de Vilamoura – Loulé

Herdade da Alfarófia (caniçal junto à estrada) – Elvas

Paul da Barroca – Alcochete

Espaço EVOA – Vila Franca de Xira

Paul do Taipal (Várzea do Mondego) – Montemor-o-Velho

Rede de percursos pedestres de Salreu (Ria de Aveiro) – Estarreja

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.