Borboleta policlora (Nymphalis polychloros). Foto: Rui Felix

Porque é que quase não se vêem borboletas no Inverno?

Patrícia Garcia-Pereira, investigadora do cE3c-Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), explica o que acontece a estes insectos tão especiais quando chega o tempo mais frio.

 

O que se passa é que associamos o termo “borboletas” apenas à fase adulta destes insectos, ou seja, “com dois pares de asas cobertos por escamas, cuja função é encontrar parceiro para acasalar e as fêmeas fazerem as posturas para garantir a geração seguinte”, explica esta especialista.

No entanto, “não nos podemos esquecer de que estes animais passam por transformações incríveis ao longo da sua vida, começando pelo ovo – nas nossas latitudes uma longa fase de lagarta – depois a crisálida e, finalmente, a fase de adulto”, descreve.

Assim, uma boa parte das borboletas em Portugal passa o Inverno como lagartas. Há outras espécies que estão na fase de ovo, ou de crisálida, e ainda algumas em estado adulto. Mas é certo que todas elas estarão em diapausa, ou seja, “reduzem a sua actividade ao máximo, numa espécie de vida latente, semelhante à hibernação dos mamíferos”.

Isso acontece porque as borboletas são animais exotérmicos, sem capacidade para regularem a temperatura interna do corpo, lembra a investigadora.  Dependem, por isso, das condições climáticas exteriores para ficarem mais activos. “Durante a estação fria, entram em diapausa, vivos mas quietos, à espera de temperaturas mais elevadas que lhes permitam aumentar a sua actividade.”

Por exemplo, as borboletas que passam o Inverno no estado adulto, quando está frio, preferem ficar paradas e escondidas em buracos nas árvores ou em esconderijos nas rochas do solo.

Mas mesmo nesta estação, quando surgem dias mais quentes e soalheiros, já obtêm “energia suficiente para iniciarem a sua vida normal”. Exemplos? A borboleta cleópatra (Gonepteryx cleopatra) e a borboleta policlora (Nymphalis polychloros).

 

Borboleta cleópatra (Gonepteryx cleopatra). Foto: Albano Soares

 

Estas e outras espécies que vemos a voar em dias mais quentes de Inverno costumam ser maiores e ter mais envergadura de asa. E as escamas que todos estes insectos têm nas asas são-lhes muito úteis: “São uma adaptação excelente para maximizar a captação da energia, funcionando cada uma como um pequeno painel solar, que as borboletas orientam em direcção ao movimento do sol, para ganhar mais calor”, explica Patrícia Garcia-Pereira.

Mas todas estas adaptações do ciclo de vida ao ritmo natural das estações não aconteceram de repente, demoraram milhões de anos. E é por isso que os cientistas estão tão preocupados com os efeitos das alterações climáticas sobre as borboletas. “Como está tudo a acontecer a grande velocidade, as espécies não têm tempo para se adaptarem naturalmente às alterações ambientais, o que levará à extinção de muitas delas”, sublinha.

Por um lado, o aumento geral das temperaturas influencia a duração das fases de vida, prevendo-se que aumente o número de gerações por ano. As plantas terão de acompanhar a mudança, tendo alimento disponível quando for necessário. “Se não houver folhas ou flores para alimentar as borboletas, estas irão morrer.”

Por outro, “os acontecimentos climáticos extremos, como as tempestades com períodos de grande intensidade de chuvas e ventos, cada vez mais frequentes e prolongados, também irão afectar a vida destes insetos”, avisa a investigadora.

 

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Ao longo do ano, a cada mês, a revista Wilder desvenda-lhe alguns dos fenómenos que estão a acontecer no mundo natural, incluindo no Jardim Gulbenkian.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.