um pisco de peito ruivo no ramo de uma árvore
Pisco-de-peito-ruivo. Foto: Wolfgang Vogt/Pixabay
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Primavera em casa: a importância das nossas varandas e quintais para a natureza

Por estes dias em que estamos por casa importa lembrar que as nossas varandas, quintais, terraços, logradouros ou jardins são extremamente importantes para a vida selvagem. O biólogo Nuno Curado ajuda a compreender porquê.

 

WILDER: Qual a importância dos espaços verdes urbanos – em especial as nossas varandas, terraços, logradouros ou pequenos jardins – para a biodiversidade?

Nuno Curado: De um modo geral, os espaços verdes em zonas urbanas são importantes para que estas não se tornem um deserto de biodiversidade e para que tenham, inclusivamente, um contributo positivo para a natureza. Bem geridos, os espaços verdes urbanos podem ser corredores ecológicos entre áreas naturais e até ser refúgio para muitas espécies. Por exemplo, já se verificou que enquanto a abundância de insectos polinizadores está a decrescer em meios rurais, está a aumentar em meios urbanos. E isto também se aplica aos nossos “pequenos” espaços verdes, como os referidos na pergunta. Individualmente, ou em conjunto, podem ter um efeito positivo em muitas espécies.

 

Foto: Wilder

 

W: Que espécies beneficiam de um “rewilding” dos nossos espaços verdes domésticos?

Nuno Curado: Muitas espécies de diferentes grupos. Aves, desde as pequenas aves canoras até às aves de rapina; insectos, em particular os insectos polinizadores, como abelhas solitárias, abelhões ou borboletas; mamíferos, por exemplo, morcegos ou ouriços-cacheiros; até anfíbios, se tivermos espaço para ter um pequeno charco.

 

W: E de que forma? Para encontrar abrigo, alimentação?

Nuno Curado: Para encontrar alimento será o mais frequente: aves que chegam à procura de migalhas ou a comedouros, insectos que procuram o pólen e néctar das flores, morcegos à caça de insectos, etc. Mas também para abrigo e refúgio, mesmo que não tenhamos estruturas próprias instaladas. O interior de um arbusto, um monte de folhas ou lenha no chão, até mesmo debaixo do solo de um vaso ou canteiro podem ser locais onde espécies diferentes encontram um local de abrigo. Isto também depende do tamanho do espaço e principalmente da maneira como o gerimos. É igualmente possível ter espécies a reproduzirem-se e/ou a hibernarem nos nossos espaços verdes.

 

um pisco de peito ruivo
Pisco-de-peito-ruivo. Foto: Christiane/Pixabay

 

W: Que pequenas acções podemos tomar para promover e ajudar essas espécies, mesmo que a uma escala muito reduzida?

Nuno Curado: Tendo muito pouco espaço (só uma varanda, por exemplo), o que aconselho sempre é terem plantas que dêem flor. Podem ser só ornamentais – idealmente de plantas nativas – ou até comestíveis, como uma pequena horta na varanda. E é preciso deixar cair a ideia de que é difícil ter plantas em casa. Arbustos aromáticos como alecrim, rosmaninho ou tomilho são bastante fáceis de manter em vaso, por exemplo. Se tiverem uma horta urbana, podem deixar um dos pés “espigar”, dar flor e sementes. Já fiz isso com um rabanete e com um pé de rúcula, que floriram de tal maneira que foram visitados regularmente por borboletas e abelhões. Em varandas também é possível ter comedouros para aves silvestres ou um bebedouro durante o Verão.

Tendo mais espaço, é possível ter outro tipo de plantas, como arbustos (que tenham bagas no Outono), ou até árvores. Não podar excessivamente e não limpar todas as folhas do chão assim que caem no Outono. Juntem-nas todas num canto do jardim, isso pode servir de abrigo a muitas espécies. Ou até fazer um (pequeno) charco, que tenha plantas aquáticas, mas sem peixes ou tartarugas exóticas. Colocar abrigos para a fauna também é uma possibilidade, como caixas-ninho para aves, hotéis para insectos, caixas-abrigo para morcegos. Os hotéis para insectos, por exemplo, podem ser feitos com materiais caseiros e restos de material vivo dos nossos jardins.

 

Foto: Wilder

 

W: E nesta altura do ano, e para aproveitar que estamos em casa, o que podemos fazer para ajudar a natureza?

Nuno Curado: Posso sugerir duas coisas para qualquer pessoa fazer em casa, independentemente do tamanho do espaço exterior que tenha. Alguns restos de comida podem ser usados para alimentar aves silvestres e assim também ter a hipótese de as ver mais de perto. Coloque um prato ou uma taça no exterior com restos de fruta, batatas, frutos secos, aveia, cornflakes, queijo seco ralado ou migalhas de biscoitos ou de bolo. Caso tenha, sementes de alpista, girassol, ou milho também são uma boa opção. Comida com bolor ou estragada, tal como a nós, também faz mal às aves, por isso não colocar de todo. Evitar também comida seca de cão ou gato, coco seco, leite, arroz ou grãos de centeio e trigo.

Também é possível criar um abrigo para insectos com materiais caseiros. A estrutura exterior pode ser em madeira usando, por exemplo, caixas de vinho, caixas da fruta, ou algo semelhante. Ou aproveitando tábuas de madeira que se tenham por casa. Se não tiver nada disso pode usar vasos (de qualquer tamanho). Para colocar no interior dos vasos ou das caixas, se tiver hipótese, recolha no seu jardim folhas secas, paus, caninhas, pinhas, ou outros materiais semelhantes. Senão tiver nada disto, pode usar caixas de ovos: recorte cada “alvéolo” e faça um buraco da largura de um lápis em cada um deles. Escolha um cantinho abrigado do vento e que receba algum sol durante o dia para colocar o seu abrigo.

 

[divider type=”thick”]Agora é a sua vez.

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Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.