pequenas flores laranja num prado
Foto: Joana Bourgard

Primavera em casa: Arme-se em detective e ajude o herbário da Universidade de Coimbra

O projecto Explorator desafia-o a preencher dados incompletos das colecções do Herbário da Universidade de Coimbra. Só precisa de um computador e muita curiosidade.

 

Este novo projecto de ciência cidadã tem entre mãos ajudar a completar os dados em falta no catálogo digital da maior colecção biológica portuguesa. As plantas preservadas no Herbário da Universidade de Coimbra (UC) somam cerca de 800.000 exemplares, catalogados e colhidos por botânicos em várias regiões do mundo, muitos com vários séculos.

 

Exemplar da colecção do Herbário de Coimbra. Foto: DR

 

No catálogo online, estão hoje disponíveis quase 100.000 exemplares devidamente digitalizados, que podem ser vistos por qualquer interessado, “pois entendemos que é um património que deve estar acessível a todos”, explicaram à Wilder Joaquim Santos e Fátima Sales, da equipa do herbário e responsáveis pelo novo projecto.

Desses exemplares, alguns milhares têm informação incompleta na respectiva base de dados, e é para preencher essas lacunas que o Explorator pede ajuda aos cidadãos. Por exemplo? Por vezes nem todos os dados inscritos na folha pelo botânico que recolheu a planta foram transcritos na altura da informatização e basta copiar esses dados. Noutros casos, é preciso ser quase um verdadeiro detective.

 

Pormenor de exemplar da colecção do herbário. Foto: DR

 

Ainda assim, para participar não são necessários conhecimentos de botânica, asseguram Joaquim Santos, um dos gestores das colecções do herbário, e Fátima Sales, curadora e professora na UC. “Os formulários consistem em perguntas simples e de linguagem acessível, por exemplo: ‘Em que país foi colhida a planta?'”, com uma questão de cada vez. Além disso, “a um utilizador que está a começar são pedidos campos mais fáceis, como o país, e a um utilizador muito experiente são solicitados campos bastante mais difíceis, como as determinações taxonómicas que constam no exemplar.”

Dessa forma, é possível ir-se ficando cada vez mais familiarizado “com os exemplares de herbário e o tipo de informação que contêm.”

 

Dos mais fáceis aos mais desafiantes

Neste momento o Explorator divide-se em sete desafios, que reunem quase 4.000 exemplares, dedicados por exemplo às plantas dos Açores ou às plantas carnívoras portuguesas.

Mas por onde começar, para quem tenha pouca experiência? “Neste momento o projecto mais acessível será o das Leguminosas do Brasil, uma vez que a maior parte das etiquetas são dactilografadas e têm os campos separados”, adianta a equipa.

Em contrapartida, quem procurar desafios maiores deve dedicar-se aos exemplares da colecção de Willkomm, “porque as etiquetas são manuscritas, muitas delas em Sütterlin (uma forma arcaica de alemão), e em outras línguas, como francês, italiano, castelhano, e a informação é às vezes vaga ou com abreviaturas típicas desta área de investigação e difícil de decifrar.”

Nesse caso, há dois desafios com exemplares da colecção do botânico alemão do século XIX, incluindo um que se chama mesmo “Detectives”, onde estão “exemplares que já foram vistos pela equipa do herbário, mas para os quais alguma informação não foi preenchida devido ao tempo que seria necessário para fazer a pesquisa.”

Para já, no Explorator estão registados cerca de 250 utilizadores, incluindo pessoas que já participam desde o projecto-piloto, antes do arranque oficial. A expectativa dos organizadores  é de que se juntem ainda mais algumas centenas.

 

Um pormenor do trabalho de informatização do catálogo realizado no herbário. Foto: DR

 

Nas mãos da equipa do herbário, estão várias tarefas: fotografar os exemplares que são incluídos no Explorator, acompanhar os submissões dos voluntários, corrigir os dados validados incorrectamente quando se torna necessário. “Também completamos os campos que ficam por preencher, que são geralmente os mais difíceis.”

A prioridade agora é completar a informatização da colecção portuguesa, “por ser uma das que pode ter mais potencial em investigação aplicada”, mas outras colecções como a africana também merecem muita atenção, por ser “sem dúvida um dos mais valiosos activos científicos do herbário e que está a ser usado em projectos internacionais”.

 

[divider type=”thin”]Saiba mais.

Está a questionar-se sobre qual é a utilidade prática dos herbários e dos catálogos digitais? Aqui fica a explicação de Joaquim Santos e Fátima Sales:

“A diversidade biológica é enorme e essa é uma das maiores dificuldades que se colocam à sua investigação. As colecções biológicas (herbários no caso de plantas preservadas) alojam indivíduos das várias espécies com informação associada, catalogados e colhidos ao longo de séculos num esforço contínuo e gigantesco de numerosos botânicos.

Existem cerca de 392.353.689 exemplares em 3.324 herbários a nível mundial; o Herbário da Universidade de Coimbra, a maior colecção biológica portuguesa, contribui com cerca de 800.000 exemplares.

Este volume espantoso de material constitui o recurso primário essencial a nível mundial em taxonomia e sistemática, ciências fundamentais que estudam os processos evolutivos e elaboram classificações, ferramentas para a identificação das plantas. A descrição de novas espécies para a ciência passa pela utilização intensiva de material de herbário e dos exemplares podem ser extraídos pequenas porções para vários fins, incluindo análise de DNA.

Outras áreas científicas utilizam os herbários, como ecologia, anatomia, morfologia, biologia da conservação, paleobiologia, etnobotânica, agricultura, ciências florestais, turismo, e muitas outras. Actividades ligadas ao ensino e à comunicação de ciência também são utilizadoras regulares.

Como curiosidade, o Herbário de Coimbra participa no projecto Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental e a presença de exemplares do séc. XIX de várias espécies em localidades surpreendentes constituiu informação muito relevante para estabelecer o seu estatuto de conservação e para a percepção da evolução da nossa flora num período superior a um século.”

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.