Poupa. Foto: Carlos Pacheco
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Primavera em casa: Carlos tem um casal de poupas a fazer ninho no seu forno

A nossa casa pode ser também a casa para inúmeras espécies selvagens, servindo de abrigo ou local para fazerem ninho e criarem a sua descendência. É isso que acontece na casa do ornitólogo Carlos Pacheco.

 

Já há três anos consecutivos que um casal de poupas (Upupa epops) põe ovos num ninho que construíram no forno debaixo de um alpendre da casa de Carlos Pacheco, no Alentejo.

A primeira vez que Carlos Pacheco detectou o ninho foi há três anos. “Fui ver o forno, com a intenção de o utilizar na altura da Páscoa e, para minha surpresa, tinha ao fundo um ninho de poupa com alguns ovos e uma cria recém-nascida”, contou à Wilder.

“Fechei de imediato a porta e ela lá permaneceu.”

 

Foto: Carlos Pacheco

 

O certo é que no ano passado, as poupas voltaram a ocupar o mesmo local. “Apercebi-me pelos movimentos das aves e não fui lá mexer.”

Este ano, repetiu-se a surpresa. “Voltei a ir espreitar o forno, mais uma vez para o utilizar, e lá estava ela a incubar os ovos.”

O forno da casa de Carlos Pacheco não terá sido escolha aleatória para este casal de poupas. Na verdade, será “altamente apetecível”.

“O forno é um local perfeito para uma espécie como a poupa, que nidifica em cavidades”, explica. “A única abertura é o respiradouro da porta, que tem a dimensão perfeita para a poupa entrar à justa.” Além disso, “é um local muito bem protegido contra predadores e, do ponto de vista térmico, é excelente pois as paredes grossas e preparadas para receber altas temperaturas mantêm uma temperatura amena e relativamente constante ao longo do dia e da noite.”

 

O que se passa num ninho de poupas

Depois de saber que este ano as poupas tinham regressado, Carlos Pacheco passou a estar mais atento ao comportamento deste casal.

“O macho canta frequentemente de manhã, pousado num sobreiro próximo ou então a partir de um fio eléctrico. É ele que providencia alimento à fêmea, trazendo regularmente pequenos invertebrados no bico. Sempre que se depara com alguém na rua pousa ou volta para trás afastando-se, mas por vezes observamo-lo da janela a entrar ou a sair do local.”

 

Foto: Carlos Pacheco

 

Já a fêmea, raramente sai do ninho e quando o faz é apenas por uns breves momentos. “Por vezes vem receber alimento do macho cá fora e esticar as asas regressando de seguida ao ninho. É fácil de identificar, pois como o forno tinha alguma cinza dentro ela está bastante tisnada apresentando uma coloração muito escura.”

Mas ter um ninho de aves em casa requer bastante cuidado, a pensar no bem-estar dos animais.

“Depois de saber que tínhamos este tesouro no forno, passámos a ter alguns cuidados para evitar que abandone a preciosa descendência, ainda em gestação no interior dos ovos.”

Segundo Carlos Pacheco, “obviamente a utilização do forno foi totalmente interdita, incluindo a tentação de ‘ir espreitar’. Tentamos ainda restringir os movimentos e a utilização daquela área o mais possível, embora não seja fácil, pois o grelhador que utilizamos regularmente fica ao lado do forno e temos uma criança de 7 anos que não pára quieta”. Mas, na sua opinião, tudo tem resultado.

“A restrição ocorre em particular no início da manhã (quando há maior intensidade de visitas de alimentação) e no final da tarde, para minimizar o risco de que uma eventual saída tardia possa culminar no não regresso da fêmea.”

“Outro cuidado que temos é tentar estender a roupa no local mais afastado do forno e apenas a colocar a meio da manhã, retirando-a a meio da tarde. So far so good!”

Este Inverno, Carlos Pacheco experimentou “colocar uma caixa ninho adequada para a espécie e com um buraco de entrada exactamente com o mesmo diâmetro do forno, num local mais sossegado nas traseiras da casa.” Mas ainda assim, as poupas preferiram novamente o seu velho esconderijo, apesar de ser um local mais sujeito a perturbação.

 

 

De toda esta experiência, há coisas que Carlos Pacheco aprecia especialmente.

“Nesta fase em que a actividade em volta do ninho ainda é reduzida, o que mais gosto de observar é o comportamento do macho, sempre muito cuidadoso na aproximação e fazendo sempre uma paragem num poste eléctrico próximo da casa antes de ir entregar o alimento à fêmea no seu esconderijo secreto”, conta.

“Depois gosto de o observar a cantar tranquilamente, pousado no sobreiro, a dizer à companheira que está tudo bem. Mas ao menor sinal de presença humana ou se cala de imediato e permanece imóvel ou levanta a imponente crista e levanta voo afastando-se e chamando a ele a atenção.”

E quando nascerem as crias, haverá novos desafios a esta convivência.

“Nessa fase teremos que tentar restringir ainda mais os nossos movimentos para reduzir o número de interrupções a este enorme esforço que terão que fazer para criar com sucesso a ninhada. Não será fácil, tendo em conta as restrições actuais que nos impossibilitam de sair de casa, mas daremos o nosso melhor para que esta família que partilha a casa connosco usufrua dela da melhor forma e nos alegre os dias menos felizes que vivemos.”

 

[divider type=”thick”]Agora é a sua vez.

A nossa casa pode ser um lugar de biodiversidade. Se tem alguma espécie selvagem que encontra abrigo ou alimento na sua casa, conte-nos o seu testemunho e a sua história enviando um email para [email protected].

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

A poupa é uma ave que mede entre 25 e 29 centímetros de comprimento.

Tem um bico longo, estreito e ligeiramente curvo para baixo. Mas o que a distingue realmente é a sua poupa, que costuma levantar por breves instantes, normalmente quando aterra.

Esta ave passa a maior parte do seu tempo no solo, à procura de minhocas e de insectos para se alimentar. 

Quando chega a época de reprodução escolhe cavidades de árvores ou edifícios em ruínas para fazer o seu ninho. Tem apenas uma ninhada por ano, normalmente com uma média de oito ovos.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.