Primavera em casa: que animais vê em Lisboa da janela ou varanda? Eles querem saber

Morcegos, osgas, lagartixas, gaios, andorinhões, carriças e peneireiros são alguns dos animais selvagens que pode ver em Lisboa, sem sair de casa. Os cientistas que estão a mapear a biodiversidade lisboeta estão muito interessados nas suas observações.

 

O mapa dos animais selvagens que vivem em Lisboa começou a crescer há já alguns meses. A iniciativa é de uma equipa de cientistas das Universidades de Lisboa e Aveiro e está ligada ao projecto Lisboa Capital Verde Europeia 2020.

Se por um lado, estes investigadores estão a monitorizar eles próprios as espécies que encontram nos espaços verdes da capital, por outro lado há um “exército” de cidadãos naturalistas que dá a sua ajuda.

 

Pisco-de-peito-ruivo num comedouro. Foto: Raquel Mendes

 

Até ao dia 2 de Abril temos 670 participantes que completaram o inquérito”, disse à Wilder Ana Catarina Luz, investigadora do cE3c – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. 

Para participar, basta partilhar as suas observações num inquérito online com a espécie ou espécies silvestres observadas, ou pelo menos do grupo de animais a que pertencem, assinalando onde foram observadas. No site, para ajudar na identificação, estão também fotografias de alguns animais mais comuns. E quem desejar, pode fazer o ‘upload’ da foto que tirou.

A participação é aberta a todos os cidadãos, demorando cerca de cinco minutos a preencher o inquérito, o que varia consoante o número de espécies que registar. Todos os resultados recolhidos são confidenciais e usados apenas para investigação.

Mas o Covid-19 e o estado de emergência nacional alteraram o funcionamento do projecto. “O prioritário neste momento, para todos os que o podem fazer, é ficar em casa. E, nesse sentido, lançamos um desafio: que espécies avista da sua janela ou da sua varanda?”, segundo uma nota do cE3c.

 

Macho de pardal-comum. Foto: Raquel Mendes

 

Tem até ao final de Abril para participar. Todas as suas observações serão incluídas no mapa naturalista de Lisboa. “No fundo, trata-se do mesmo inquérito, do mesmo estudo. Apenas alargámos o prazo e pedimos às pessoas para colaborarem desde casa”, explica Ana Catarina Luz.

O grande objectivo é saber com mais detalhe quais são as espécies que ocorrem na cidade, qual a sua distribuição e quais são os factores que influenciam a sua distribuição e diversidade.

Esta iniciativa “é importante para sabermos o que existe efetivamente na cidade de Lisboa, de forma a podermos proteger a fauna que temos, ao mesmo tempo que gerimos a infraestrutura verde, de forma a atrair mais biodiversidade, providenciar mais serviços dos ecossistemas, e assim proporcionar maior bem-estar à população da cidade”, explicou Ana Catarina Luz, anteriormente em comunicado.

Por enquanto, ainda não há dados conhecidos. “Dada a situação, penso que só para Maio ou Junho teremos resultados prontos a divulgar”, disse à Wilder.

 

E há mesmo espécies para vermos a partir de casa?

Estão referenciadas no concelho de Lisboa 29 espécies de mamíferos, 191 espécies de aves, 19 espécies de répteis e 12 espécies de anfíbios, segundo o documento “Biodiversidade na cidade de Lisboa: uma estratégia para 2020”, publicado em 2013.

O truque é olhar com mais atenção do que o costume para as nossas varandas e através das nossas janelas.

O mais fácil, para começar, são as aves.

 

Carriça a levar alimento para as crias. Foto: Raquel Mendes

 

A equipa do projecto lembra que, “com a chegada da Primavera, muitas espécies de aves começam a preparar a sua época de reprodução”. Por isso, “esta altura é muito boa não só para observar, mas também para ouvir as aves a cantar. Da nossa janela pode ser possível observar e ouvir várias espécies como o melro-preto, a milheirinha ou o chapim-azul”.

Por exemplo, Ana Catarina Luz conta que a espécie mais interessante que viu desde que está em casa “foi um gaio”.

 

Gaio (Garrulus glandarius). Foto: Creative Commons

 

Os seus colegas também têm estado muito atentos.

“Moro no Bairro de S. Miguel (Av. Roma), num 3º andar. Este é um local óptimo para ver gaios, pombos torcazes, peneireiros, melros, toutinegras-de-barrete-preto, carriças, chapins-azuis e chapins-reais, rabirruivos e periquitos-de-colar. Um ‘must‘ da Primavera é a chegada dos andorinhões (já chegaram!) a voltear entre os prédios altos”, descreve o investigador Rui Rebelo.

Ana Leal, do seu 9º andar, vê e ouve “muita coisa: melro-pretos, rabirruivo-pretos, milheirinhas, estorninhos-pretos, peneireiros e os ruidosos periquitos-de-colar e periquitões-de-cabeça-azul”.

Também Raquel Mendes tem a sua lista de espécies. “No meu R/C, ao pé da Praça de Espanha, tenho estas amigas que me têm vindo visitar frequentemente: carriça, melro-preto, pisco-de-peito-ruivo e pardal-comum. De vez em quando vejo a toutinegra-de-barrete-preto e o chapim-azul e, mais raramente, a felosa-comum.”

 

Macho (à direita) e fêmea (à esquerda) de toutinegra-de-barrete-preto num bebedouro. Foto: Raquel Mendes

 

As aves são, naturalmente, as mais fáceis de observar nestas circunstâncias. Mas com alguma atenção é possível encontrar outros animais.

Rui Rebelo, por exemplo, já viu os primeiros morcegos do ano.

Os investigadores sugerem que olhe para perto dos candeeiros da rua mais próximos e procure morcegos, especialmente nas noites mais quentes ao final do dia ou mesmo à noite. “É possível observá-los a partir do pôr do sol.”

“O morcego-anão e o morcego-pigmeu já saíram de hibernação e aproveitam todas as oportunidades que o tempo permite para capturarem insectos e recuperarem o peso perdido no Inverno.”

Outra opção são as lagartixas que aproveitam as horas de maior calor para se aquecerem num muro ou na varanda.

Outra boa surpresa da Primavera são as primeiras osgas, claro. Rui Rebelo conta que já apanhou “a primeira na varanda e a segunda no quarto (!). Nesta altura as que estão mais activas são os juvenis, que têm um aspecto muito manso e bem mais liso que os adultos.”

 

Osga-comum. Foto: Raquel Mendes

 

Apesar das tradições populares que afirmam que a osga é um animal venenoso, isso não é verdade. Bem pelo contrário. Estes animais são benéficos em ambientes fechados, pois alimentam-se de insectos.

 

[divider type=”thick”]Agora é a sua vez.

Pode participar e registar as suas observações aqui.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.