Pelagia noctiluca, considerada muito urticante. Foto: Susana Martins

Quais são e onde andam os gelatinosos da costa portuguesa?

O número de organismos gelatinosos na costa portuguesa, como as chamadas medusas, tem vindo a crescer nos últimos anos, mas ninguém sabe ainda o porquê. No Dia Mundial dos Oceanos, a Wilder dá-lhe a conhecer um projecto científico que está a investigar o assunto e que pede ajuda a toda a população.

 

“Tendo em conta a importância agora reconhecida destes organismos para o ecossistema e o potencial impacto em algumas atividades económicas, é urgente realizar uma monitorização a larga escala”, explica a coordenadora da equipa de trabalho, Antonina dos Santos, à Wilder. “Tal só é possível com a ajuda da população em geral.”

GelAVista é o nome deste projecto que prevê prolongar-se por vários anos e que conta com um grupo de 12 pessoas do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), incluindo investigadores e especialistas das áreas da ecologia do zooplâncton, oceanografia, genérica, modelação, design gráfico e gestão.

Além do aumento de organismos gelatinosos, também o avistamento de uma caravela-portuguesa (Physalia physalis) na costa, durante o mês de Janeiro, chamou a atenção dos cientistas. É que a espécie “não ocorre a estas latitudes antes dos meses da Primavera”, nota Antonina dos Santos. Podem estar a acontecer alterações relacionadas com as alterações climáticas ou devidas à actividade humana.

 

Caravela-portuguesa (Physalia physalis), considerada muito urticante. Foto: Rhalah
Caravela-portuguesa (Physalia physalis), considerada muito urticante. Foto: Rhalah

 

Na verdade, ninguém sabe ainda ao certo o que provoca o aumento de gelatinosos, uma vez que há “falta de registos e informação documentada”. Em cima da mesa estão várias perguntas, como: Qual é a distribuição e a dinâmica sazonal de cada espécie? Qual é a diversidade específica? Qual é a tendência inter-anual das populações?

Para obter respostas, o IPMA apela à população em geral para reportar avistamentos que sejam feitos nas praias e marinas, dentro de água e ainda nas redes de pesca.

Outro objectivo do GelAVista é dar a conhecer quais são estes organismos e como devem as pessoas agir se forem picadas, uma vez que alguns são venenosos e “é importante saber reconhecer quais as espécies mais perigosas”.

Apesar da actual falta de informação, calcula-se que as espécies mais comuns em Portugal Continental sejam a Catostylus tagi (especialmente na zona de Lisboa e Setúbal), as salpas (dificilmente avistadas na costa mas muito comuns nas amostragens de plâncton realizadas pelo IPMA) e a Pelagia noctiluca.

 

Pelagia noctiluca, considerada muito urticante. Foto: Susana Martins
Pelagia noctiluca, considerada muito urticante. Foto: Susana Martins

 

No entanto, também as caravelas-portuguesas têm sido avistadas com frequência na Costa Continental, durante os últimos meses. “São a espécie mais avistada pelos nossos observadores desde que o programa foi lançado”, em Fevereiro deste ano, acrescenta a coordenadora do GelAVista.

Mas quais são as zonas onde é mais provável encontrar um organismo gelatinoso? De acordo com a coordenadora do projecto, destacam-se Lisboa e Setúbal, onde há frequentes avistamentos de Catostylus tagi nos meses de Verão e início de Outono.

 

Catostylus tagi, provavelmente a medusa mais comum em Portugal Continental, é ligeiramente urticante. Foto: Raquel Marques
A Catostylus tagi é ligeiramente urticante. Foto: Raquel Marques

 

Já nos Açores e Madeira, como espécies mais comuns, surgem as caravelas-portuguesas (Physalia physalis) e ainda a Velella velella. É aliás aqui que ocorrem mais organismos gelatinosos, até ao ponto de caravelas-portuguesas e Pelagia noctilua serem já “consideradas normais durante as épocas de Primavera e Verão”.

 

Para que servem, afinal?

 

Não se pense que a importância destes organismos é reduzida, bem pelo contrário. “São elos importantes na teia alimentar marinha”, adianta Antonina dos Santos, que explica que “são uma importante fonte de alimento para várias espécies de peixes, bem como para as aves marinhas, tartarugas marinhas e até mesmo outros gelatinosos”.

 

Chrysaora sp, muito urticante mas rara na costa portuguesa. Foto: Juliatyutereva
Chrysaora sp, muito urticante mas rara na costa portuguesa. Foto: Juliatyutereva

 

Por outro lado, “estudos têm vindo a demonstrar que a acumulação de organismos gelatinosos mortos em águas profundas, após a ocorrência de blooms, pode desempenhar um papel importante na transferência de carbono desde as águas superficiais até ao fundo do mar”.

O problema é quando se formam blooms de gelatinosos, ou seja, grandes ajuntamentos, que têm sido cada vez mais frequentes, mas com consequências muito negativas para actividades como a pesca e o turismo.

No que respeita à pesca, por exemplo, estes organismos diminuem a quantidade de alimentos disponíveis para espécies como a sardinha, o carapau e as cavalas, pois tal como estas consomem zooplâncton. Comem também os ovos e as larvas dos peixes.

No turismo, quando ocorrem em grande número, podem obrigar ao encerramento de zonas balneares.

“Em Portugal, problemas associados aos blooms de gelatinosos são ainda pouco frequentes”, afiança a coordenadora do GelAVista, que deixa no entanto um aviso: ”Tendo em conta estudos que indicam um possível aumento de blooms como reposta às alterações climáticas, uma monitorização direcionada e a larga escala é essencial”. E é isso que esta equipa do IPMA quer agora fazer, com a ajuda de todos os interessados.

 

[divider type=”thin”]Agora é a sua vez.

O que deve fazer, se quiser reportar o avistamento de um organismo gelatinoso?

De acordo com o IPMA, basta enviar informação sobre o avistamento para o email do projecto, [email protected]. Neste, deve incluir dados sobre a data, local, número de organismos observados e ainda uma fotografia dos mesmos, sempre que for possível.

Se quiser conhecer melhor as espécies de gelatinosos que ocorrem na costa portuguesa e o que fazer se for picado, pode ainda consultar a informação elaborada pela equipa do GelAVista, aqui.

E para estar sempre informado sobre novas acções realizadas e previstas, pode também seguir a página do GelAVista no Facebook.

 

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.