algas castanhas gigantes
Floresta de algas castanhas gigantes da espécie Macrocystis pyrifera. Foto: Douglas Klug
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Tire fotos e ajude cientistas portugueses a protegerem as florestas marinhas

Há um novo projecto português de ciência cidadã que está a descobrir como são e como evoluíram as florestas marinhas na costa portuguesa e por todo o mundo. Ester Serrão, professora da Universidade do Algarve, explicou à Wilder como todos podem colaborar.

 

“Qualquer pessoa que vai de férias para a praia pode participar”, diz Ester Serrão, que coordena o projecto Marine Forests e é também investigadora no CCMAR-Centro de Ciências do Mar, da Universidade do Algarve.

O que é necessário? Basta ter um telemóvel, ou se for mergulhar uma câmara subaquática que tire fotografias, e depois inseri-las na base de dados do site marineforests.com, juntamente com o local e a data em que foram captadas. Não é preciso sequer identificar as espécies fotografadas, pois essa tarefa pode ficar para a equipa deste projecto, ligado ao CCMAR.

Em causa estão as chamadas florestas marinhas, ajuntamentos de plantas ou animais que são habitats importantes para muitos outros organismos e se dividem em três grupos principais, enumera a investigadora.

Em primeiro lugar, as pradarias marinhas, “povoações de plantas marinhas, também conhecidas por ervas marinhas, que ocorrem quase sempre em substractos móveis [areia, lodo ou outro tipo de sedimento]”, descreve.

 

ervas marinhas
Pradaria marinha. Foto: Manu Sanfelix

 

Outro grupo é formado pelos ajuntamentos de macro-algas, que em geral se agarram às rochas da praia. Já as “florestas de animais” formam o terceiro grupo: “Também vivem tipicamente agarradas às rochas e têm uma estrutura tridimensional, como acontece com os corais.”

Por toda a costa portuguesa, por exemplo, são comuns uns corais conhecidos por gorgónias, que podem ser brancos, rosados ou ter outras cores, e que as pessoas muitas vezes confundem com algas. “Mas na verdade são corais, são grupos de animais marinhos”, adianta Ester Serrão.

 

Conjunto de gorgónias da espécie Leptogorgia sarmentosa, na zona da Arrábida. Foto: Emanuel Gonçalves

 

E sublinha: “Neste projecto, falamos em geral de espécies marinhas que são fáceis de observar na maré baixa, ou então que são vistas facilmente por quem gosta de usar máscara de mergulho ou de fazer ‘snorkling’ (mergulho com uma máscara e tubo de respiração).”

 

Descobrir o que mudou

Há também quem goste de fazer colecções de plantas marinhas ou algas, herbários, informação que é também útil neste projecto.

Tal como as fotografias antigas de férias à beira mar, que afinal podem ser muito mais do que isso e revelar-se uma ajuda importante para os investigadores. Um dos objectivos é comparar as florestas marinhas de hoje com o que acontecia no passado, para “perceber como ao longo dos tempos as alterações climáticas e as acções humanas vão alterando as espécies marinhas”, diz Ester Serrão.

“Por exemplo, em Albufeira, na praia de Santa Eulália, há fotos de há 15 anos que mostram que se viam facilmente algas castanhas neste local, mas agora quem lá for tirar fotografias, percebe que estas algas castanhas já não estão lá.”

 

alga castanha
Alga castanha da espécie Fucus spiralis. Foto: DR

 

O mesmo se passa no Parque Marinho Luiz Saldanha, no Parque Natural da Arrábida, onde a equipa encontrou imagens de mergulho com 20 ou 30 anos que desvendam “pradarias marinhas com grandes plantações de Zostera marina, tão densas que nem se viam os peixes lá escondidos.”

Uma realidade que é totalmente diferente da de hoje, no mesmo local. Mas quem for ali mergulhar e não tiver registos do passado, corre o risco de partir do princípio de que sempre foi assim. “Devido a este projecto, conseguimos detectar quando há um problema. Mas se não tivemos informação, o problema é que não sabemos que há um problema”, alerta Ester Serrão.

 

corais no fundo do mar
Floresta marinha com gorgónias da espécie Paramuricea clavata e Eunicella verrucosa. Foto: Diogo Paulo

 

Aliás, em busca da História, a equipa já visitou a Torre do Tombo, onde encontrou informações seculares sobre o Parque da Arrábida. Tal como os arquivos da RTP, onde constam imagens de mergulho no Portinho da Arrábida com várias décadas. “Vê-se que havia espécies de algas que já lá não estão.”

 

Portugal é uma sentinela para as alterações climáticas

A zona costeira portuguesa é muito interessante, pois está no limite da distribuição de muitas espécies. Pode funcionar como uma espécie de sentinela para o que acontece quando o clima muda: retraem-se as espécies de águas mais frias e expandem-se as de águas mais quentes”, adianta a investigadora.

Ainda assim, o projecto estende-se a todos os continentes e tem recebido contribuições de todo o lado. É que as alterações nas florestas marinhas “acontecem por todo o mundo e a uma escala tão grande, que é muito importante toda a gente contribuir e tirar fotos do que vê, ir registando o presente e procurar também imagens do passado.”

 

algas castanhas gigantes
Laminaria hyperborea, uma espécie de grande alga castanha. Foto: George Stoyle/SNH

 

Desde que a equipa do CCMAR deu início a este projecto, em 2017, o site já conta com 155 cidadãos cientistas e com um total de 1.444 registos de observações. Tem também ajuda de biólogos de vários pontos do mundo.

Mas o objectivo é continuar a crescer e Ester Serrão promete novidades para breve. “Estamos a preparar uma ‘aplicação’ que permite às pessoas registarem as fotografias sem terem de ir ao site do projecto”, adianta.

Outra melhoria prevista para breve é o estabelecimento de uma rede de especialistas que vão ao site e ajudam a identificar as espécies, “que funcionem como uma curadoria”. E ainda a criação da figura de dinamizadores locais, destaca a cientista. “Podem ser, por exemplo, pessoas como as que temos na Austrália, que se ofereceram para ir falar aos clubes locais de mergulho sobre o projecto, ou escolas que envolvem os alunos, ou então projectos de turismo de natureza. Ao colaborarem, as pessoas gostam porque sentem que estão a ser úteis.”

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.