Clima explica extraordinária expansão de morcego europeu

O morcego-de-kuhl, espécie comum em Portugal, tem vindo a conquistar a Europa do Norte e de Leste nos últimos 40 anos, numa expansão extraordinária. Cientistas acreditam que as alterações no clima são o principal factor por detrás deste aumento territorial.

 

Nos últimos 40 anos, o morcego-de-kuhl (Pipistrellus kuhlii) aumentou os seus territórios em 394% diz Leonardo Ancillotto, principal autor de um estudo publicado recentemente na revista The Science of Nature (Springer) e investigador na Università degli Studi di Napoli Federico II, em Nápoles. Ou seja, a espécie passou de um território com 1.510,116 quilómetros quadrados para um com 5.946,351 quilómetros quadrados.

Os morcegos do género Pipistrellus são muito flexíveis e conseguem viver em vários tipos de paisagens, mesmo em cidades. Por isso, os autores decidiram estudar o morcego-de-kuhl para compreender o que está a causar a sua expansão territorial.

A equipa recolheu 25.132 registos deste morcego na Europa entre 1980 e 2013, graças à observação directa ou pela identificação acústica feita por especialistas em morcegos. Depois, conjugou estes dados com vários modelos para prever se a colonização de novas áreas ao longo dos anos foi causada pelo aumento da urbanização ou pelas alterações climáticas.

Os primeiros registos indicam que o morcego-de-kuhl se encontrava no Norte de África, no Sul da Europa e na Ásia ocidental. Ao longo dos últimos 40 anos, a espécie tem-se espalhado para outros países, incluindo o Reino Unido, República Checa, Eslováquia, Ucrânia, Hungria, Roménia, Bulgária, Sérvia e Polónia.

“Os modelos indicam que isto aconteceu como resposta às alterações climáticas e, em particular, devido às temperaturas mais amenas durante o Inverno registadas nas regiões colonizadas mais recentemente”, explicam os autores do estudo, em comunicado. A urbanização não teve muita influência na expansão dos territórios da espécie.

“Segundo o nosso trabalho, o morcego-de-kuhl é um ‘vencedor’ no contexto das alterações climáticas”, comentou Ancillotto.

“Dada a sua flexibilidade ecológica, pode representar uma forte competição para outros morcegos nas regiões recentemente ocupadas e ter graves consequências nas populações de morcegos”, alertou ainda. No estudo, os autores recordam o exemplo da expansão do morcego-anão (Pipistrellus pipistrellus) na Suíça que poderá ter causado o declínio do morcego-de-ferradura-pequeno (Rhinolophus hipposideros), uma espécie mais sensível, por competição por alimento.

Estas consequências exigem “investigação cuidadosa”, alertam os investigadores.

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

Em Portugal Continental vivem 25 espécies de morcegos. Se quiser saber mais sobre eles, leia sobre o trabalho de uma ilustradora portuguesa, Lúcia Antunes, que fez um guia de identificação para todas as espécies.

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Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.