Peixes exóticos removidos de ribeira para salvar saramugo

Biólogos e voluntários estão desde o início de Agosto a remover peixes exóticos invasores como a perca-sol e o achigã de uma das ribeiras do Alentejo mais importantes para o saramugo (Anaecypris hispanica), espécie Criticamente Em Perigo de extinção.

 

O saramugo, de tons prateados e rosados, raramente ultrapassa os sete centímetros de comprimento. É o peixe nativo mais ameaçado de extinção na Península Ibérica. As bacias dos rios Guadiana e Guadalquivir são o único sítio do mundo onde ocorre e é uma espécie prioritária, que consta dos anexos II e IV da directiva europeia Habitats.

Até ao final deste mês, a equipa do projecto LIFE Saramugo – “Conservação do Saramugo (Anaecypris hispanica) na bacia do Guadiana (Portugal)”, está a retirar a maior quantidade de peixes exóticos possível da ribeira do Vascão, entre Mértola e Alcoutim.

 

Biólogos recolhem redes para recolher peixes exóticos na ribeira do Vascão

 

O objectivo é diminuir “a pressão que os peixes exóticos exercem sobre as espécies de peixes nativas”, explicou à Wilder Natasha Silva, bióloga da Liga para a Protecção da Natureza (LPN) a trabalhar no LIFE Saramugo. Os peixes invasores podem alimentar-se de ovos, larvas, juvenis e adultos de peixes autóctones e competir por espaço, alimento e oxigénio.

A estratégia é “remover o maior número de adultos reprodutores e a classe intermédia, que corresponde aos jovens não reprodutores, de modo a minimizar o seu impacte sobre os peixes nativos”.

Quando o leito da ribeira voltar a correr continuamente, os peixes exóticos terão populações residuais e com capacidade de expansão mais limitada.

O trabalho concentra-se onde os peixes exóticos invasores coexistem com o saramugo. E é na ribeira do Vascão que está registada “a população de saramugo mais viável a longo prazo”. A espécie ocorre em todo o troço da ribeira e tem as suas maiores densidades.

Os melhores meses para remover peixes exóticos são os do Verão. É nesta altura que as ribeiras do sul do país deixam de correr e a água se mantém só nos locais mais profundos do leito, os pegos. “É nesta situação de confinamento que atuamos, geralmente entre Agosto e Setembro” porque os peixes exóticos estão “mais concentrados e com menos hipóteses de fuga”.

 

Biólogos medem os peixes recolhidos da ribeira do Vascão

 

A remoção de peixes exóticos acontece dois a três dias por semana. “O dia de campo começa às 09h00, com a preparação do equipamento necessário. Depois segue-se a viagem para o pego escolhido para aquele dia. Geralmente, o dia de trabalho termina por volta das 17h00”, explicou Natasha Silva.

Para este tipo de trabalho são necessárias, no mínimo, cinco pessoas. É preciso arrastar redes de cerco – específicas para capturar peixes maiores que os saramugos -, mergulhar para desprender redes, recolher e selecionar os peixes capturados, por exemplo. A dimensão dos pegos varia entre os 250m2 e os 3000m2.

 

As espécies mais frequentes

Na bacia do Guadiana são conhecidas 14 espécies de peixes exóticos. Mas na ribeira do Vascão, há três espécies mais abundantes e que mais têm sido capturadas: a perca-sol (Lepomis gibbosus), o achigã (Micropterus salmoides) e o chanchito (Australoheros facetus).

A ideia de remover peixes exóticos invasores surgiu em 2005, ano de grande seca. Nesse ano, o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) começou a controlar os peixes exóticos.  Desde então estas intervenções acontecem todos os anos, no período mais quente e seco do ano, em locais de ocorrência histórica de saramugo. “Nos últimos anos, têm acontecido sobretudo na ribeira do Vascão, local onde se verificou a progressão de achigã da foz até 18Km na ribeira do Vascão, precisamente, em 2005.”

Segundo Natasha Silva, os peixes exóticos capturados “são encaminhados para o RIAS (Centro de Recuperação e Investigação de Animais Selvagens da Ria Formosa), fazendo as delícias de lontras, águias e outros animais que ali estão em recuperação”.

O saramugo está reconhecido como uma espécie ameaçada desde o final dos anos 80 em Espanha e desde o início da década de 90 em Portugal. Hoje, a nível global é considerado Em Perigo, mas em território português está classificada como Criticamente em Perigo. A espécie está em regressão acentuada, sobretudo na região superior e central da bacia do rio Guadiana em território nacional.

Entre as maiores ameaças à sua sobrevivência estão a poluição da água, as barragens e açudes, a sobre-exploração dos recursos hídricos, a destruição da vegetação das margens e a extracção de areias e de outros materiais da bacia dos rios. E as espécies exóticas invasoras.

O projecto LIFE Saramugo, coordenado pela LPN, (Julho de 2014 a Janeiro de 2018) já leva três anos de terreno. Natasha Silva resumiu o que foi conseguido até agora. “Actualizou-se a situação populacional do saramugo e os factores de ameaça nas sub-bacias onde a espécie foi detectada (Ardila, Chança, Foupana, Vascão, Odeleite). Além disso realizaram-se estudos sobre o impacte do alburno (um peixe exótico da mesma família que o saramugo) nas populações de saramugo e sobre os mecanismos para controlar a sua dispersão.”

 

 

O projecto também trabalhou para melhorar o habitat para este peixe. “Foram removidos mais de 12.000 peixes exóticos na ribeira do Vascão e desassoreou-se um pego onde ocorre saramugo, aumentando-se a disponibilidade de água para a vida aquática durante o Verão”, disse a bióloga.

Para breve está prevista a remoção de canavial, a plantação de vegetação autóctone e acções para limitar o acesso do gado às linhas de água, para melhorar a qualidade do habitat ribeirinho.

Ainda assim, “o período de vida deste projeto é curto para perceber os impactes positivos que poderá ter sobre a espécie”. Por exemplo, “a vegetação ribeirinha plantada terá um impacto mais significativo na qualidade da água quando as árvores e arbustos tiverem copas e raízes bem desenvolvidas. Isto poderá levar alguns anos”.

“Contudo, esperamos demonstrar que as ações desenvolvidas podem ser reproduzidas noutras áreas de ocorrência da espécie, quer seja em Portugal quer seja em Espanha.”

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

Estas são as oito espécies de peixes de água doce mais ameaçadas de Portugal, com estatuto de Criticamente Em Perigo de extinção:

  • Lampreia-de-rio (Lampetra fluviatilis)
  • Saramugo (Anaecypris hispanica)
  • Boga do Sudoeste (Chondrostoma almacai)
  • Boga portuguesa (Chondrostoma lusitanicum)
  • Escalo do Arade (Squalius aradensis)
  • Escalo do Mira (Squalius torgalensis)
  • Salmão do Atlântico (Salmo salar)
  • Truta-marisca (Salmo trutta)

 

[divider type=”thick”]Agora é a sua vez.

Estas são cinco ideias para descobrir a vida selvagem das ribeiras, sugeridas por Natasha Silva.

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

Conheça aqui o retrato da bióloga Natasha Silva.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.