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O que procurar no Inverno: o abrunheiro-bravo

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Antes de despontar as primeiras folhas, o abrunheiro-bravo (Prunus spinosa) ganha uma nova vida, explodindo graciosamente em pequenas flores brancas numa altura em que para a maioria das pessoas tudo é apenas cinzento.

Na verdade, o frio e a chuva não têm cor, e apesar de muitas espécies estarem agora despidas ou simplesmente adormecidas, nesta época do ano desfavorável para algumas plantas são também inúmeras as que se exibem com a floração.

Abrunheiro-bravo

O abrunheiro-bravo (Prunus spinosa) é também conhecido vulgarmente como brunheiro, cagoeiceiro-bravo, ameixeira-brava, ameixieira-brava ou ameixoeira-brava.

É uma espécie da família Rosaceae, que inclui inúmeras plantas bem conhecidas, muitas das quais nativas: a rosa (Rosa spp.), o pilriteiro (Crataegus monogyna), a macieira (Malus sylvestris), a pereira-brava (Pyrus bourgaeana), o azereiro (Prunus lusitanica), a silva (Rubus ulmifolius), o morangueiro (Fragaria vesca) e a tramazeira (Sorbus aucuparia).

O abrunheiro-bravo é uma pequena planta com porte arbustivo, que pode crescer entre 1 a 4 metros de altura, por vezes até 6 metros. É um arbusto muito ramificado, com forma irregular e com ramagem densa e intrincada. Os ramos são geralmente terminados por um espinho rígido, ainda que alguns ramos possam ter espinhos ao longo de toda a sua área.

Foto: AnRo0002/Wiki Commons

A denominação científica da espécie deve-se, curiosamente, à presença de espinhos. O nome do género Prunus é o nome em latim para a ameixa ou ameixoeira, que deriva do antigo nome grego prune, cuja origem se perdeu com o tempo. Já o restritivo específico spinosa é um termo latino que indica os rebentos pontiagudos e espinhosos característicos desta espécie.

As folhas são caducas e surgem na árvore após a floração. São alternas, simples, pequenas, acuminadas e pecioladas. Possuem cor verde-escura e são pubescentes quando jovens, tornando-se glabras com o tempo. Apresentam uma forma obovada a lanceolada e uma margem finamente serrada.

A floração ocorre a partir de janeiro, sendo mais abundante nos meses de fevereiro e março. As flores abrem antes da formação das folhas. São pequenas, hermafroditas, com cinco pétalas glabras e brancas, raramente rosadas. A floração é muito rápida e as flores surgem solitárias ou em fascículos de duas a três, e libertam um aroma característico semelhante à amêndoa amarga.

O fruto desta planta, conhecido como abrunho, é uma pequena drupa globosa a oblonga, menor que a ameixa, coberto por uma pruína cerosa que desaparece quando lhe tocamos. Na fase de formação o abrunho é verde, tornando-se azul-escuro ou negro-violáceo quando maduro.

Foto: Martin Olsson/Wiki Commons

A maturação do fruto ocorre no final do verão ou no princípio do outono. O abrunho é comestível, a polpa é esverdeada, ácida e adstringente.

O abrunheiro-bravo – o protetor da fauna

O abrunheiro-bravo ocorre em toda a Europa temperada, Oriente Próximo e Norte de África. É muito frequente em toda a Península Ibérica, sendo mais raro nas regiões do sul.

É comum crescer em sebes, matagais e orla de bosques, onde pode formar densos povoamentos. Também pode viver na margem dos campos agrícolas e caminhos, baldios e ao longo das zonas ribeirinhas. Tem facilidade em estabelecer-se em zonas perturbadas.

Em algumas regiões do mundo, é cultivado como uma planta de cobertura, pois pode atuar como “planta protetora” em campos agrícolas ou pastagens, permitindo que outras plantas se desenvolvam protegidas de possíveis danos por animais de pasto.

Tem preferência por locais com boa exposição solar, ainda que suporte o ensombramento, embora isso a prejudique na fase de frutificação.

Ao nível edáfico, prospera em quase todo o tipo de solo, ainda que prefira substratos calcários e argilosos, frescos e bem drenados. É uma planta tolerante à seca e bastante resistente ao frio, podendo suportar temperaturas até aos 30°C negativos. Sofre com as geadas tardias.

O abrunheiro-bravo é uma espécie de rápido crescimento, que regenera rapidamente após o corte ou à passagem de um fogo. Apresenta uma longevidade entre 40 a 80 anos, por vezes mais.

É uma planta importante para a vida selvagem. As suas flores, no final do inverno e início da primavera, atraem e fornecem néctar e pólen às abelhas e a outros insectos polinizadores.

Borboleta-pavão (Inachis io) num abrunheiro-bravo. Foto: Sten Porse/Wiki Commons

O abrunheiro-bravo é também uma importante fonte alimentar para lagartas, como por exemplo a borboleta Satyrium pruni (‘Black Hairstreak‘, em inglês), e incluindo ainda muitas borboletas nocturnas. Entre estas contam-se as espécies Lomographa temerata (‘Clouded silver’, em inglês), Cosmia pyralina (‘Lunar-spotted Pinion’), Acronicta tridens (‘Dark Dagger’), Allophyes oxyacanthae (‘Green-brindled Crescent’) e Aleucis distinctata (‘Sloe Carpet’). E ainda pequenos mamíferos e aves que se alimentam do seu pólen, folhas e frutos.

As densas moitas espinhosas que forma proporcionam locais seguros de refúgio e nidificação para pardais, tentilhões, rouxinóis e pequenos mamíferos (coelho). O picanço (Lanius meridionalis) utiliza os espinhos deste arbusto para armazenar alimento.

O abrunheiro no jardim

O abrunheiro-bravo é uma planta ornamental, bastante atrativa durante todo o ano, sendo uma boa alternativa para jardins e parques rústicos e naturalistas.

Na primavera cobre-se de flores brancas, ligeiramente perfumadas. A intensa floração ocorre antes de surgirem as folhas.

Foto: AnRo0002/Wiki Commons

No verão, aparecem os frutos verdes, que se tornam azulados ou quase pretos e se mantêm nos ramos por muito tempo, adornando o arbusto durante o inverno. No outono as folhas tornam-se vermelhas, antes de caírem.

Além de ser bonito, é também útil para o homem. Pode formar sebes puras ou mistas, junto de roseiras-bravas, pilriteiros ou macieiras-bravas. É frequentemente utilizado para delimitar caminhos, bosques, zonas ribeirinhas, etc., mas também como barreira natural de proteção contra o vento e a erosão do solo.

No entanto, é necessário algum cuidado com esta planta: o abrunheiro-bravo pode ser invasivo, pois propaga-se facilmente através das raízes. É necessário controlar o seu desenvolvimento para não se expandir muito.

A madeira desta espécie é especialmente dura e resistente, castanho-avermelhada, frequentemente com listas cor-de-rosa, mas pouco utilizada devido ao pequeno diâmetro dos seus caules e ramos. No entanto, é usada para cabos de ferramentas, bengalas, bastões, tacos e objetos torneados.

Os frutos – abrunhos – são adstringentes quando frescos, não sendo aconselhável o seu consumo da mesma maneira que os de outras espécies do género Prunus, como a cereja e a ameixa. O gosto amargo deve-se ao elevado teor de taninos que possui; no entanto, se forem colhidos após as geadas, o teor de taninos é bastante reduzido. O frio torna-os mais doces.

Os abrunhos podem ser aproveitados para fazer sumos, xaropes, compotas ou para aromatizar bebidas. São usados ​​para fazer bebidas alcoólicas como o gin de abrunho e a aguardente de abrunho, bebidas muito perfumadas.

O abrunheiro – uma planta medicinal

Todas as partes desta planta têm propriedades medicinais, sendo no geral muito benéficas para a saúde. Mas atenção, os caroços são tóxicos.

O abrunheiro-bravo é conhecido como diurético, adstringente, cicatrizante, sedativo, laxativo e antioxidante.

As flores contêm ácido cianídrico – bem como a casca, os frutos e as folhas – que em pequena quantidade pode ser benéfico para estimular a respiração e digestão. Contudo, em excesso, pode causar falência respiratória e morte.

Foto: Luc T./Wiki Commons

As flores e os frutos são ricos em flavonoides, amigdalinas, taninos e vitamina C, que auxiliam no fortalecimento do sistema imunológico, no alívio de problemas digestivos, na saúde renal e na prevenção do envelhecimento precoce.

Na medicina popular, a infusão de folhas desta planta é usada no tratamento e alívio de infecções da garganta, como anginas e laringites, de tosse, bronquite, insónia, ansiedade, além de ajudar na cicatrização de acne e furúnculos.

Os frutos são usados no tratamento de diarreias ligeiras e o seu suco é útil no tratamento de inflamações das mucosas da boca (aftas e gengivites) e da garganta. Na cosmética, são usados para a preparação e cremes, que ajudam a tonificar a pele e a prevenir o envelhecimento precoce.

Como qualquer outra planta medicinal, o abrunheiro-bravo não deve ser utilizado para esse fim sem um acompanhamento médico, já que o seu consumo em doses elevadas pode ser prejudicial à saúde.

Se gostou deste pequeno arbusto, não o volte a esquecer e procure-o na sua próxima saída pela natureza. E quando o encontrar, recorde-se de que a floração é muito rápida, mas os frutos mantêm-se nos ramos por muito tempo. 


Dicionário informal do mundo vegetal:

Caduca – folha que cai espontaneamente na estação do ano mais desfavorável.

Acuminada – folha cuja ponta é geralmente aguda e mais estreita que a restante parte e com os lados ligeiramente côncavos.

Peciolada – provida de pecíolo.

Pecíolo – pé da folha que liga o limbo ao caule. 

Pubescente – que tem pelos finos e densos.

Glabra – sem pêlos.

Obovada – folha com a forma de um ovo invertido, mais estreita na base do que no ápice da folha.

Lanceolada – folha com forma de lança.

Hermafrodita – flor que possui órgãos reprodutores femininos (carpelos) e masculinos (estames).

Fascículo – conjunto de flores reunidas em grupo.

Drupa – fruto carnudo que contém uma única semente, protegida por um caroço duro.

Oblonga – fruto com forma aproximadamente retangular, com polos arredondados.

Pruína – cera em forma de pó muito fino, que confere um tom glauco.


Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.

Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas. 

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