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A maior exposição de desenhos e fotografias de natureza abre portas em Lisboa

São cerca de 1000 os desenhos e fotografias de natureza produzidos por naturalistas portugueses, em 15 expedições por locais naturais de beleza especial. A retrospectiva dos 12 anos do Grupo do Risco pode ser vista no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, em Lisboa.

 

Actualização (11.03.2020): O Museu Nacional de História Natural e da Ciência encontra-se encerrado até dia 27 de Março, inclusivé, na sequência do Plano Nacional de Preparação e Resposta à doença por novo coronavírus (Covid-19).

 

Berlengas, Douro Internacional, Ria Formosa, Amazónia (Brasil), Floresta Laurissilva (ilha da Madeira), Parque Nacional de Doñana (Espanha), Serra do Caramulo e Ilha do Príncipe. Estes são alguns dos muitos locais visitados nos últimos 12 anos pelo Grupo do Risco (GdR).

Registar e divulgar o mundo natural é o objectivo deste coletivo de cerca de 20 desenhadores, fotógrafos, artistas e cientistas criado em 2007. O nome escolhido é uma homenagem à Casa do Risco, escola setecentista de desenho científico português que existiu no Jardim Botânico da Ajuda, em Lisboa. Há 300 anos, os chamados “riscadores” saíam em expedições para documentar em desenhos e aguarelas a fauna e a flora no período áureo da ilustração científica portuguesa.

 

Grupo do Risco na Ilha do Príncipe. Foto: José Paula

 

Pela primeira vez, podemos ver os melhores desenhos de campo, fotografias e vídeos feitos durante um total de 15 expedições, na nova exposição “Grupo do Risco – Expedições a espaços naturais (2007 – 2019)”. Esta vai estar de portas abertas até 14 de Março de 2021, no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, em Lisboa, no âmbito do programa de Lisboa, Capital Verde Europeia 2020.

Pedro Salgado, coordenador do GdR e director artístico da exposição, considera que esta é uma exposição a visitar várias vezes por quem gosta de natureza, desenho e fotografia.

 

WILDER: Qual é o objectivo desta exposição?

Pedro Salgado: Queremos mostrar uma retrospectiva da nossa linha de trabalho ao longo destes 12 anos, quer a nível de desenho, quer a nível de fotografia. E como registamos o mundo natural, a nossa atitude no campo, o tipo de atenção e os afectos que, inevitavelmente, cada um cria com os espaços para onde vamos, com os detalhes que encontramos. Mas, além disso, assumimos uma vocação de divulgação e sensibilização ambiental. Queremos desenvolver no público uma sensibilidade a esse tipo de afecto e uma vontade de conhecer melhor os espaços especiais onde estivemos.

 

Pedro Salgado no Vale do Sabor. Foto: Joana Bourgard

 

W: A quem se destina?

Pedro Salgado: É para todos, em especial para quem está particularmente interessado em fotografia e desenho. Ou para quem quer conhecer de outra forma, mais atenta, determinados espaços naturais, porque todos eles são fantásticos.

 

Ilha do Príncipe, Grupo do Risco. Foto: Luís Quinta

 

W: O que podemos ver nesta exposição?

Pedro Salgado: As cerca de 1000 imagens, metade desenhos de cadernos de campo e a outra metade fotografias de natureza, estão em painéis organizados por núcleos geográficos. Por exemplo, há um núcleo dedicado às ilhas e que contém as nossas expedições às Berlengas, à Madeira, às Flores (Açores) e à ilha do Príncipe. Temos também o núcleo do Litoral, onde estarão os desenhos e fotografias feitos na serra da Arrábida, Ria Formosa e Doñana (Andaluzia, Espanha). E depois há outros núcleos, entre eles o Montado Interior, com as expedições a Mértola e a Noudar (Alentejo), e o Fora de Fronteiras, com a Amazónia e a costa noroeste de Marrocos. Quase todas as imagens dos cadernos de campo estão em tamanho real.

 

Ilustração: Pedro Mendes

 

E para mostrar o lado mais humano destas expedições, haverá várias vitrines com perto de 100 cadernos de campo dos elementos do GdR, materiais de desenho e de fotografia de várias pessoas – como lápis de cor e aguarelas – e objectos pessoais que cada um escolheu. Há canivetes, binóculos, barbatanas, objectos apanhados do chão, como nozes, troncos, areia do Saara. Entre os objectos que escolhi para esta exposição estão dois remos que trouxe da Amazónia, um feito pelo pai e outro pelo filho, durante uma hora, para me mostrarem a sua arte.

 

Objectos escolhidos por Pedro Salgado para a nova exposição. Foto: Joana Bourgard

 

O espaço tem ainda ecrãs com filmes feitos durante algumas expedições e slide-shows em contínuo, como uma outra forma de mostrar a dinâmica dos cadernos e das fotografias, e uma banda sonora feita especialmente para a exposição por João Lucas, antigo membro do Grupo do Risco e um dos sete fundadores. Mas esta é uma exposição para ser visitada mais do que uma vez.

 

W: Porquê?

Pedro Salgado: Para as pessoas que gostam da natureza, do desenho e da fotografia, o mais provável é que sintam a necessidade de irem lá duas ou três vezes. Até porque na exposição teremos cerca de 1000 desenhos e fotografias. E há diferentes leituras a explorar. Uma é o tempo, ou seja, a evolução dos mesmos desenhadores ao longo de uma década, desde os seus primeiros desenhos, na expedição às Berlengas (em 2007), aos desenhos mais recentes, na ilha das Flores (2019). O estilo está lá, mas é possível ver o desenvolvimento das competências, das abordagens, e a contaminação dos estilos e abordagens.

 

Expedição do Grupo do Risco ao Vale do Sabor. Foto: Joana Bourgard

 

Outra leitura, que não deixa de ter a sua graça, é ver as pessoas a envelhecer. Há imagens de pessoas com um ar muito novinho quando comparadas com os últimos anos, em que está tudo de cabelos brancos (risos).

 

Elementos do Grupo do Risco no Vale do Sabor. Foto: Joana Bourgard

 

E depois, há ainda outra leitura possível. Achámos graça mostrar o lado humano dos elementos do Grupo do Risco. Ter vitrines com as “tralhas” de 20 pessoas a trabalhar no campo. Encontramos de tudo, desde lentes, canivetes, um par de botas para cada pessoa, pedras, troncos, conchas, amostras de areia, o chapéu que usava sempre, a mochila de apoio, as sandálias ou as máscaras e tubo dos sítios onde andávamos a mergulhar.

 

Luís Quinta na expedição à Ilha do Príncipe. Foto: José Paula

 

Caranguejo na Ilha do Príncipe. Foto: Luís Quinta

 

W: A forma de trabalhar do GdR está organizada por expedições que podem durar várias semanas. Quais as vantagens?

Pedro Salgado: Este tipo de trabalho permite uma abordagem muito mais profunda, onde nos comprometemos a estar não apenas um dia ou uma tarde em cima de uma arriba a registar a natureza, mas a estar em média duas semanas  num espaço, para ficarmos completamente integrados no meio. A verdade é que não pensamos noutra coisa durante esses dias. Passamos o tempo com um tipo de observação muito mais cuidada, mais pausada. A olhar a sério para a natureza.

 

Pedro Mendes na expedição à Ilha do Príncipe. Foto: Grupo do Risco

 

Para aproveitar ao máximo, cada elemento do Grupo recebe, antes de todas as expedições, informação sobre o local. Precisamos de saber o que vamos encontrar, para estarmos preparados e sabermos que coisas não podemos deixar de ver. Se vais para a Ria Formosa, tens de encontrar camaleões; se vais para as Berlengas é inevitável que as gaivotas vão ser dominantes em termos de imagem; se vais para o Príncipe vais ter floresta tropical e praias extraordinárias; se vais para a Amazónia, já sabes que vais estar na floresta e que as estradas não são de terra, mas sim de água.

 

W: Que mensagem gostariam de passar aos visitantes da exposição?

Pedro Salgado: Que os desenhos e a natureza são bonitos (risos). Que vale a pena parar para olhar o que nos rodeia e que o desenho e a fotografia são das melhores formas para o fazer. Isto porque resultam de uma observação, de um encanto, de uma contemplação a que as pessoas do Grupo se predispõem de cada vez que vão para o campo trabalhar, numa expedição.

 

Ilustração: Pedro Salgado

 

W: E esta forma de registar a natureza é exequível para qualquer pessoa?

Pedro Salgado: É, sem dúvida, ainda que normalmente as pessoas não parem o suficiente para olhar para as coisas. Andam com pressa demais. Quando desenhamos uma coisa temos de olhar com muito mais atenção, o que faz parar o tempo. E isso está ao alcance de qualquer pessoa, de forma mais fácil ou mais difícil. É uma questão de tempo, de treinar a destreza manual e um vocabulário de registos. Mas é a cabeça que manda, que faz com que as pessoas se foquem.

 

Expedição do Grupo do Risco ao Vale do Sabor. Foto: Joana Bourgard

 

Quando estamos numa expedição, desde as que têm apenas seis pessoas às que têm mais de 20 pessoas, estamos todos sintonizados, com uma atenção acima do comum. Durante esse período só pensamos em como registar o que estamos a ver. Qualquer pessoa pode fazer isso, desde que se predisponha. E mesmo sem grandes expectativas artísticas, não só ganha uma evolução em termos de registo artístico como vai ter o privilégio de olhar para coisas que sempre lhe passaram despercebidas. Isso faz parte de uma sensibilização activa, é um convite.

 

W: E tem algum conselho para quem usa cadernos de campo para registar a natureza?

Pedro Salgado: Sim, que faça os possíveis por diversificar técnicas em vez de se agarrar à sua técnica preferida. Que diversifique. Mesmo que alguém goste mais de aguarela, é importante que, de vez em quando, faça linha, a preto e branco, faça lápis, faça caneta.

 

Aguarelas, Grupo do Risco. Foto: Joana Bourgard

 

W: Como vê o futuro do Grupo do Risco?

Pedro Salgado: Hoje somos 15 desenhadores e cinco fotógrafos, e está sempre a entrar sangue novo. As idades andam entre os 20 e muitos e os 60 e poucos. Queremos continuar a fazer expedições, queremos manter essa linha de trabalho. Vamos continuar a trabalhar até deixarmos de conseguir subir às árvores (risos).

 

Grupo do Risco na Ilha do Príncipe. Foto: José Paula

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

Quando: de Março de 2020 a 14 de Março de 2021

Onde: Museu Nacional de História Natural e da Ciência, Lisboa

A inauguração, inicialmente prevista para 12 de Março, às 18h00, foi cancelada posteriormente à publicação do artigo, por causa do Coronavírus. O Museu Nacional de História Natural e da Ciência encontra-se encerrado até dia 27 de Março, inclusivé, na sequência do Plano Nacional de Preparação e Resposta à doença por novo coronavírus (Covid-19).

Horários do Museu:

  • Terça a sexta: 10h00 – 17h00
  • Fim de semana: 11h00 – 18h00
  • Encerra à segunda-feira e feriados
  • Última admissão: meia-hora antes do encerramento do Museu

 

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Recorde aqui a reportagem sobre a expedição do Grupo do Risco ao Vale do Sabor.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.