Biólogos estão a estudar risco de expansão do guaxinim em Portugal

Pouco se sabe sobre a presença deste carnívoro exótico no nosso país, que ameaça espécies como a lontra, o cágado-mediterrâneo ou o mexilhão-de-rio. Agora há uma equipa no terreno para o procurar. Saiba como pode ajudar.

 

A lista de espécies de mamíferos de Portugal está diferente. Novas espécies são descobertas, como o rato-das-neves (Chionomys nivalis) – observado pela primeira vez em Portugal no Verão de 2014, em Montesinho – e novas espécies exóticas chegam e adaptam-se tão bem que se tornam invasoras.

Isto é o que poderá estar a acontecer no nosso país com o guaxinim (Procyon lotor), carnívoro de origem americana que se tem espalhado pela Europa. As consequências para as espécies portuguesas é algo que preocupa vários especialistas.

Um deles é Vasco Valdez, estudante de 22 anos de Biologia na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Ao longo de um ano, Vasco Valdez vai tentar descobrir como o guaxinim se está a expandir em Portugal, no âmbito da sua Tese de Mestrado.

 

Guaxinim. Foto: nature-Pix/Pixabay

 

A ideia para esta investigação “surgiu por mera curiosidade” quanto à situação do guaxinim em Portugal, contou à Wilder. “Já sabia que havia quatro registos da espécie no nosso país e que estava em expansão em Espanha”. Mas pouco mais se sabe.

Vasco Valdez vai para o campo à procura de eventuais populações estabelecidas e reprodutoras deste carnívoro exótico. Outro dos seus objectivos é identificar as áreas de maior risco de serem colonizadas naturalmente por esta espécie, nomeadamente a partir de populações espanholas, para conseguir criar um modelo de distribuição potencial do guaxinim em Portugal.

A presença do guaxinim na Península Ibérica “pode significar um risco de competição com carnívoros nativos ameaçados e/ou em declínio populacional”, explicou à Wilder Miguel Rosalino, investigador do Centro de Ecologia, Avaliação e Alterações Ambientais (cE3c) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e co-orientador da Tese de Mestrado de Vasco Valdez, juntamente com Francisco Álvares, investigador do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO-InBIO) da Universidade do Porto.

Esse risco atinge espécies como o visão-europeu (Mustela lutreola), o toirão (Mustela putorius) e a lontra (Lutra lutra), porque vivem nos mesmos habitats – junto aos rios – e porque se alimentam dos mesmos recursos.

Além disso, o guaxinim preda espécies nativas, como o cágado-de-carapaça-estriada (Emys orbicularis) e o cágado-mediterrânico (Mauremys leprosa) – uma vez que se alimenta dos seus ovos -, e o mexilhão-de-rio (Margaritifera margaritifera), espécie classificada como Em Perigo de Extinção.

As aves aquáticas que fazem ninhos no solo são outro grupo de espécies a sofrer com a chegada do guaxinim a Portugal. Segundo Miguel Rosalino, os seus ovos são alvos fáceis para este carnívoro.

A lista de problemas não acaba aqui. Isto porque o guaxinim pode representar um risco para a saúde pública, podendo ser portador de Balisascarys procyonis, um nemátodo mortal para os humanos, bem como da raiva e outras doenças que afetam também os animais domésticos.

 

No campo à procura de guaxinins

No Inverno, o guaxinim passa a maior parte do tempo nos seus abrigos. O alimento é agora mais escasso do que em outras alturas do ano e, por isso, apenas sai para se alimentar em dias menos frios.

Ao todo são quatro os registos de guaxinim em Portugal. “O primeiro deu-se em 2008, através do registo fotográfico de um exemplar em Vila Nova de Famalicão”, explicou Miguel Rosalino. “Os restantes envolvem informações não confirmadas de avistamentos em Santarém (2012), em Cascais (2013) e o registo confirmado de um exemplar capturado em Esposende (2014).”

 

Exemplo de um dos habitats do guaxinim. Foto: Vasco Valdez

 

Miguel Rosalino acredita que os guaxinins ter-se-ão instalado na natureza em Portugal por causa de “fugas ou libertações intencionais de animais mantidos em cativeiro”. Isto porque os registos até agora são “isolados e independentes”.

Mas será que estes quatro registos representam fielmente a situação da espécie em Portugal?

Ao longo dos próximos meses, Vasco Valdez vai tentar responder a esta pergunta, procurando guaxinins perto dos rios onde há alimento abundante para esta espécie.

Na verdade, os rios podem ser um corredor de dispersão. Como o rio Tejo. O vale do rio Tejo, principalmente no seu troço junto à fronteira espanhola, pode ser uma área com grande risco de invasão, segundo Miguel Rosalino.

“O maior núcleo populacional da Península Ibérica situa-se nas margens dos rios Jarama e Henares (região de Madrid), os quais são afluentes do rio Tejo”, salientou o investigador. Além disso, “existem evidências recentes da presença de guaxinim ao longo do rio Tejo na província de Cáceres, em locais bastante próximos da fronteira portuguesa”.

“Face à aparente expansão desta espécie ao longo do rio Tejo, é possível que alcance Portugal por expansão natural, embora não existam ainda evidências da sua presença nessas áreas fronteiriças do território nacional.”

Outras áreas alvo deste trabalho de campo são as zonas onde foram registadas as quatro ocorrências conhecidas da espécie em Portugal e “as áreas próximas de colecções zoológicas privadas ou públicas que contenham guaxinins em cativeiro, pois podem ser potenciais locais de fuga”, explicou. Uma região com interesse é o Parque Nacional da Peneda-Gerês porque “já foi detectada uma população reprodutora em Ourense, Espanha, perto da fronteira com Portugal”.

O guaxinim é uma espécie do continente americano. Terá sido libertada pela primeira vez na Europa em 1927, na Alemanha. Desde então tem-se expandido pelo Velho Continente, graças a libertações deliberadas ou fugas de cativeiro.

 

Guaxinim numa zona urbana. Foto: Pixabay

 

A população reprodutora mais significativa e próxima de Portugal estará na região espanhola de Madrid. Segundo Miguel Rosalino, esta população “não resultou da expansão natural das populações na Europa Central, até porque os Pirinéus deverão, provavelmente, constituir uma barreira geográfica à sua expansão”.

Actualmente, há várias populações reprodutoras de guaxinim em liberdade em Espanha mas o último estudo sobre elas é de 2011. Esse estudo, publicado na revista Biological Invasions, falava em 160 registos em 28 localidades. E o número de registos de presença pontuais tem vindo a aumentar.

Para tomar o pulso à situação no terreno, Vasco Valdez vai trabalhar em conjunto com outras cinco pessoas, incluindo colegas espanhóis “com longa experiência na detecção e monitorização de carnívoros exóticos, como o guaxinim e o visão-americano”.

Depois de construir um modelo estatístico que permitirá detectar as áreas com maior probabilidade de a espécie ocorrer, os trabalhos de campo serão feitos através de transectos pedestres – com a ajuda de um cão especialista em detectar guaxinins e os seus indícios de presença (como dejectos, por exemplo) – e do recurso a câmaras de foto-armadilhagem.

Tendo em conta a escala nacional do trabalho e a sua relevância para a conservação da natureza nativa, foi lançada uma campanha de crowdfunding para angariar financiamento a este trabalho de campo.

A campanha foi lançada em Outubro pela Associação NATIVA – Natureza, Invasoras e Valorização Ambiental. A meta são 5.000 euros, o custo estimado da vinda de três colegas espanhóis especialistas na detecção de guaxinins, o cão farejador e o trabalho de campo da equipa de biólogos portuguesa (transportes, alojamento, alimentação e isco para optimizar a detecção da espécie).

 

Como responder ao avanço do guaxinim

O guaxinim tem características que o tornam um animal vencedor. Prova disso é o facto de “a sua área de distribuição em países desenvolvidos estar rapidamente a expandir-se”, explicou Miguel Rosalino.

Este carnívoro tem “uma elevada capacidade de adaptação ao meio em que se encontra, podendo existir num largo espectro de habitats, desde que haja a presença de água”, acrescentou. Incluindo meios urbanizados, “alimentando-se de lixo e de outros resíduos”.

A sua alta adaptabilidade pode ser explicada pelos seus hábitos alimentares. “Comporta-se como um omnívoro oportunista, alimentando-se do que está disponível em cada região.”

 

Guaxinim. Foto: Isiwal/WikiCommons

 

Além disso, “não tem predadores naturais que controlem as suas populações na Europa”.

Para tentar travar o seu avanço, várias regiões de Espanha têm feito vigilância e controlo das populações em liberdade, através da captura de exemplares. Mas é muito difícil erradicar a espécie. “Apenas em pequenas populações recentemente estabelecidas foi possível proceder à sua completa erradicação, como foi o caso em Doñana e, aparentemente, na Serra do Xurês.”

“As espécies invasoras constituem uma das maiores ameaças à fauna nativa, muita da qual já se encontra severamente ameaçada”, comentou Vasco Valdez. Esta é uma mensagem que gostaria de deixar, através do seu trabalho. “Estas espécies invasoras, devido à sua beleza estética, são muito procuradas por particulares como animais de estimação e, por vezes, podem ser encontrados facilmente no mercado legal, mas infelizmente, também no comércio ilegal. Deveríamos ter uma maior consciencialização do perigo que estas constituem para os ecossistemas naturais e para as espécies que lá vivem.”

Segundo Vasco Valdez, as medidas para controlar ou erradicar uma espécie invasora devem ser implementadas na fase inicial da invasão, quando a espécie ainda não está estabelecida e a reprodução é ainda efémera. “Após esta fase, a tarefa torna-se muito mais complicada, sendo praticamente impossível erradicá-la.”

Para já, o trabalho de campo sobre o guaxinim em Portugal poderá ser um ponto de partida para um plano de acção nacional, que inclua uma rede de alerta para assegurar a vigilância, monitorização e prevenção da expansão desta espécie invasora em Portugal, segundo Miguel Rosalino.

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

Saiba aqui como identificar um guaxinim na natureza.

 

[divider type=”thick”]Agora é a sua vez.

Se estiver interessado em ajudar este projecto, pode partilhar os seus registos de guaxinins com o investigador Vasco Valdez, através do email: [email protected].

Deverá referir o local onde observou o animal, o número de animais observados, a data e o período do dia, tipo de habitat onde foi observado, se algum dos animais poderia ser uma cria (i.e. parecer mais pequeno que o(s) restantes) e, se possível, enviar um registo fotográfico do exemplar, ou se for o caso, do indício de presença (rasto, excremento). 

Além disso, deve informar o ICNF da detecção da espécie e da sua localização. Para tal deve contactar o Departamento de Conservação da Natureza e Biodiversidade (DCNB), do Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNF), através do email [email protected]

Pode ainda participar na campanha de crowdfunding, contactando o investigador Vasco Valdez para mais informações.

Pode contribuir com donativos em prol desta causa, para o seguinte IBAN: PT50 0045 1422 4028 6834 2102 8 – Associação Nativa, e onde deverá colocar no descritivo do extracto o seguinte texto, “Donativo Guaxinim”.

 

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Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.