Caminho das Ginjas. Foto: Cátia Gouveia/SPEA

Caminho das Ginjas: 11 ONG apontam “falhas graves” a estudo de impacte ambiental

As associações ambientalistas contestam o projecto de transformação do caminho numa estrada regional, em plena floresta Laurissilva da Madeira.

Em causa está a construção de uma via rodoviária pavimentada no espaço do chamado caminho das Ginjas, um caminho de terra batida que liga o sítio das Ginjas, em São Vicente, e o Paul da Serra.

O projecto situa-se “em plena floresta Laurissilva na Madeira, numa zona protegida classificada como Rede Natura 2000 e Património da Humanidade pela UNESCO”, indica a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), que assina um comunicado conjunto com outras 10 organizações não governamentais (ONG): ANP/WWF Portugal, Associação dos Amigos do Parque Ecológico do Funchal, Associação para a Defesa e proteção das Florestas Laurissilva (DFLP), FAPAS, Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente (GEOTA), Iris – Associação Nacional de Ambiente, a Liga para a Proteção da Natureza (LPN), Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza, Sociedade Portuguesa de Ecologia (SPECO) e ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável.

Estas 11 ONG consideram que o estudo de impacte ambiental – em consulta pública até esta terça-feira, 7 de Dezembro – continua a ter “falhas técnicas graves” e a ser “uma tentativa grosseira de ocultar o estado actual do ambiente no local”. Isto apesar da reformulação do documento, depois da suspensão do projecto anunciada em Junho passado pelo governo madeirense.

Caminho das Ginjas. Foto: Cátia Gouveia/SPEA

Num recado à Secretaria Regional de Ambiente, Recursos Naturais e Alterações Climáticas, as organizações ambientais recomendam assim que a declaração de impacte ambiental seja desfavorável e que o projecto seja abandonado.

“Não existem quaisquer dados que comprovem a necessidade desta infraestrutura: não há qualquer justificação socioeconómica, e muito menos ambiental”, considera Domingos Leitão, director-executivo da SPEA, citado no comunicado. “Este projecto não só não tem qualquer utilidade para a conservação da natureza como põe em causa anos de trabalho e investimento na protecção da floresta Laurissilva; não faz qualquer tipo de sentido.”

A construção desta estrada tem um custo previsto de cerca de 12 milhões de euros e está a ser promovida pela Secretaria Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural do governo madeirense. O caminho, inserido na Rede Natura 2000, “atravessa áreas de habitats classificados como prioritários para a conservação da natureza”, nos quais habitam “espécies prioritárias para a conservação a nível europeu”.

Incumprimentos

“Por isso, segundo a legislação europeia, este projeto tem obrigatoriamente de ser alvo de um processo de avaliação de impacto ambiental com requisitos legais que o atual estudo de impacte ambiental não cumpre”, argumentam as ONG.

O documento em consulta pública, apontam, “não demonstra nem fundamenta a necessidade do projecto”, e da mesma forma “não estuda nem compara alternativas”, incluindo a chamada alternativa zero, de inclusão obrigatória de acordo com a Directiva Habitats.

Por outro lado, acusam, neste estudo não se efectuaram investimentos suficientes para a recolha de informação na área de projecto de grupos de fauna prioritários, tal como não são tidos em conta os investimentos em restauro dos habitats e das espécies ameaçadas que foram desenvolvidos anteriormente na área do projeto, financiados com dinheiros público.

Caminho das Ginjas. Foto: Cátia Gouveia/SPEA

Assim, devido à “insuficiente caracterização da situação de referência e deficiente identificação de impactos ambientais”, as ONG consideram que “não são indicadas medidas de minimização, compensação e monitorização adequadas e suficientes para cumprir com as garantias exigidas pela Diretiva Habitats na salvaguarda da Rede Natura 2000”.

Entre as obras previstas, estão incluídos o alargamento da actual via para uma largura média de quatro metros e a construção de diversas estruturas – incluindo um muro guia em betão e uma valeta para as águas da chuva – “que irão destruir plantas nativas e ter um impacte devastador na biodiversidade desta área protegida”.

Recuperar em vez de pavimentar

A área alvo do projecto foi alvo de um projecto de conservação realizado entre 2013 e 2017, o LIFE Fura-Bardos, financiado por fundos comunitários, que teve como objectivo regenerar a floresta Laurissilva e reduzir a sua fragmentação. “A ser aprovado, o projeto de alteração do caminho terá o efeito contrário”, avisam as organizações ambientais.

O estudo de impacte ambiental “reconhece a importância da conservação deste habitat e da necessidade de aumentar a sua resiliência a incêndios e eventos climáticos extremos relacionados com as aluviões”, indicam ainda as ONG, que contestam todavia que a melhor forma de o fazer seja alargando e pavimentando o caminho actual.

“Pelo contrário, as organizações propõem que se invista na recuperação das margens do caminho com vegetação nativa, que se condicione o acesso para fruição à passagem pedonal e que se controle por via da colocação de cancelas o acesso automóvel não autorizado”, apelam, sublinhando que essas medidas permitiriam “reverter o impacte nefasto que esta estrada tem vindo a ter sobre os habitats e o equilíbrio hidrológico do local, em vez de o agravar”.    

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.