Montanhas de Namba. Foto: © Alexandre Vaz

Cientistas lançam grito de socorro pelas florestas de montanha em Angola

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Nas montanhas de Namba, na província do Cuanza Sul, resiste hoje a maior superfície de um habitat único e ainda por conhecer, ameaçado pelos fogos e pelo derrube de árvores.

As últimas florestas de montanha de Angola, que hoje ocupam apenas 700 hectares no país, estão ameaçadas por um número crescente de fogos. Muitos são ateados para converter as terras para caça e agricultura.

É nas montanhas da Serra de Namba, na província do Cuanza Sul, que se concentra a maior área deste habitat único, 85% da área total, cuja existência foi descoberta por um grupo de cientistas apenas há 13 anos, em 2010. Mas apesar de representarem “a melhor oportunidade para conservar o habitat mais ameaçado de Angola”, é “alarmante” a situação nestas montanhas, alertou agora um grupo internacional de investigadores, que inclui angolanos e portugueses, numa carta publicada pela revista científica Nature Ecology and Evolution.

Floresta de Namba. Foto: ©KD Dijkstra

Estas florestas de montanha africanas são formadas por florestas húmidas temperadas e prados de altitude, sobreviventes dos períodos glaciares ocorridos na Terra há milhões de anos, e sobrevivem apenas em pontos altos do continente. No sudoeste de África, os 700 hectares que restam cingem-se a Angola, onde este habitat permaneceu “particularmente isolado” ao longo da sua história. E por isso, notam os cientistas, o número de espécies únicas que ali habitam e as possibilidades de descrição de novas espécies para a ciência são “enormes”.

Nova espécie de morcego. Foto: © Ara Monadjem
Espécie de osga endémica. Foto: © Pedro Vaz Pinto

Foi isso que se confirmou na última expedição científica, realizada em Maio de 2022, na qual participaram 10 investigadores e que durou apenas 11 dias. Segundo a carta publicada, a equipa está neste momento a descrever “nove ou dez” espécies novas, incluindo “pelo menos dois roedores, pelo menos três morcegos, um ou dois sapos pigmeus, uma rã e uma libélula”.

Nova espécie de libélula. Foto: © Rogério Ferreira

No caso da libélula, por exemplo, é “particularmente espectacular e tão única que inicialmente os especialistas nem sabiam a que género pertencia”, disse à Wilder Martim Melo, um dos participantes nesta expedição e co-autor da carta. Entre as espécies já ali conhecidas, existem muitas outras admiradas pelos cientistas, como o tordo-da-terra-laranja – “um exemplo de uma população completamente isolada em Angola, onde apenas está presente nas florestas de Namba, apesar de anteriormente estar também presente no Moco”, destaca este investigador do CIBIO-InBIO (Universidade do Porto).

Tordo-de-terra-laranja. Foto: © Luke Powell

Uma paisagem de “um mundo perdido”

“Para lá da biodiversidade única, que só um olho mais treinado vai reconhecer, o que impressiona muito em Namba, para qualquer pessoa, é a paisagem em si”, descreve ainda Martim Melo. “Uma paisagem vasta, de mundo perdido. De um lado as vastas planícies a perder de vista onde manchas de bosque de miombo de grande qualidade fazem um mosaico com as pradarias, e onde muitos riachos onde água transparente corre com força. Do outro a parede de montanhas, onde vamos encontrar os prados de altitude e as florestas de montanha.”

Montanhas de Namba. Foto: © Alexandre Vaz

O cientista português acredita que este “local lindíssimo” poderia tornar-se naquilo que em inglês se designa por ‘wilderness area’ – “onde não se criam infra-estruturas, ou apenas o mínimo indispensável, mas apenas se controla o número de pessoas, que devem trazer tudo o que precisam e não deixarem nada.”

 No entanto, todo este habitat está agora em perigo. Com apenas três expedições realizadas às florestas de montanha em Namba – em 2010, 2021 e 2022 – o grupo de cientistas não conseguiu medir ainda a área afectada. No entanto, é “extremamente preocupante” – nota o mesmo responsável – que nas três visitas o grupo documentou sempre “fogos a chegarem às margens das florestas e, nas duas últimas, fogos a chegarem ao interior das florestas”.

Fogos em Namba. Foto: © KD Dijkstra

“Com pelo menos 18 aldeias e povoações a uma distância máxima de cinco quilómetros de Namba, a migração que se mantém para a área e a população humana de Angola que se espera que quadriplique em 2100, o futuro destas florestas é muito preocupante”, reforça a carta assinada pelos investigadores.

Protecção legal é prioridade

A prioridade destes cientistas é agora a criação de um estatuto de protecção legal para estas florestas de montanha e prados de altitude. Martim Melo sublinha que, tratando-se do habitat mais ameaçado de Angola, 700 hectares “é mesmo muito pouco”. Para se ter uma ideia, o parque florestal de Monsanto, em Lisboa, ocupa cerca de 900 hectares no total.

Pedaço de floresta de montanha no Moco. Foto: © Alexandre Vaz

No entanto, apesar da área reduzida que ocupam, estes espaços não estão hoje abrangidos por qualquer sistema de protecção. “Em princípio isso irá mudar em breve para as florestas do Morro do Moco, pois estas sempre foram conhecidas e já tinham sido indicadas em 1974 para integrarem uma nova rede de áreas protegidas”, explica o investigador português.

No entanto, “o mesmo deveria ser feito imediatamente para as florestas de Namba, que requerem um investimento muito menor para um retorno em conservação muito maior”, sublinha o mesmo responsável. “Se nada for feito, muito em breve poder-se-ão encontrar num estado semelhante às florestas do Moco, cuja conservação requer não só um grande investimento financeiro mas um esforço humano muito grande.”

Para além de passarem a estar legalmente protegidos, o que deve acontecer “em estreita interacção e colaboração com as comunidades locais”, o futuro destes habitats dependerá de se envolver “o conhecimento local para controlar os fogos” e de se continuar a investigação sobre as muitas espécies que ali habitam, avisa a equipa.


Saiba mais.

Leia a entrevista completa dada pelo investigador Martim Melo à Wilder, sobre o que se passa com as florestas de montanha em Angola.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.