Lobo-ibérico. Foto: Arturo de Frias Marques/Wiki Commons

Novo estudo analisa como é visto o lobo-ibérico a sul do Douro

Um estudo realizado no âmbito do projecto LIFE WolFlux analisou de que forma o lobo-ibérico é encarado pelas populações a sul do rio Douro. Cerca de um quarto dos entrevistados mostraram alguma intolerância à presença de lobos na região.

 

Os lobos em Portugal encontram-se apenas no norte do país, mas mesmo aí há duas realidades distintas. A norte do Douro, há mais lobos e a população é mais estável, mas a sul do Douro há apenas algumas alcateias e sabe-se que a espécie é perseguida nalgumas áreas. Além disso, aqui a espécie está mais dependente do gado doméstico para se alimentar, o que prejudica alguns criadores de gado.

Face a esta realidade, a equipa do projecto LIFE WolFlux, coordenado pela Rewilding Portugal, decidiu avançar com um estudo para perceber quais são as reacções das populações locais em relação ao lobo. “Compreender a realidade no terreno e ouvir as comunidades locais é extremamente importante para orientar os esforços de conservação na região”, explicam em comunicado.

O LIFE WolFlux, comparticipado por fundos comunitários e pelo Endangered Landscapes Programme, tem como objectivo “promover as condições ecológicas e socio-económicas necessárias para garantir a viabilidade da subpopulação de lobo ibérico a sul do rio Douro a longo prazo”.

O estudo, que decorreu de Agosto de 2019 a Abril passado, procurou “perceber melhor os principais problemas relacionados com a presença do lobo” na região. Foram entrevistadas 117 pessoas que têm relação com a espécie, em 20 freguesias, incluindo criadores de gado, gestores de caça e técnicos de conservação.

 

Foto: Rewilding Portugal

 

Resultado: “Praticamente metade dos entrevistados considera que é possível que o lobo viva na região, mas apenas sob certas condições, por exemplo o pagamento de compensações por prejuízos causados, ou a disponibilidade de habitat e alimentos para a espécie”, revela a equipa. Ou seja, os dados obtidos mostram que é necessário “melhorar” o esquema nacional de compensação de prejuízos, avisam.

 

Ver lobos pode ser benéfico

Por outro lado, cerca de um quarto dos responsáveis entrevistados “mostrou alguma intolerância em relação à presença de lobos”, o que demonstra “a diversidade de opiniões encontradas” e a necessidade de trabalhar no terreno, em conjunto com as autoridades locais, para perceber qual a fonte dessa intolerância.

Qual será a melhor forma de trabalhar o problema com estas pessoas? “O que é vivido por um vizinho espalha-se rapidamente nas comunidades, principalmente entre os seus pares, e tem uma grande influência nas opiniões dos outros”, nota Sara Aliácar, técnica de conservação da Rewilding Portugal e uma das entrevistadoras do estudo.

“Também constatámos que o medo do lobo estava associado à intolerância […]. O medo do lobo pode ter muitas origens, mas descobrimos que os entrevistados que tiveram uma experiência positiva ao ver um lobo na natureza perceberam que este não tem nada a ver com o animal feroz sobre o qual ouviram falar”, sublinha a mesma responsável, citada no comunicado.

 

Foto: João Cosme / Rewilding Europe

 

Curiosa é a “crença generalizada” a sul do Douro de que há lobos de cativeiro que são ali libertados na natureza, destaca a equipa do projecto. Assim, embora “nunca tenha havido uma liberação de lobos em Portugal”, quase 40% dos entrevistados “mencionaram relatos de carrinhas que chegam às áreas em que os entrevistados vivem à noite, e das quais são soltados lobos.”

Estas crenças podem afectar negativamente os esforços de conservação da espécie, avisa a equipa, pois dessa forma algumas pessoas podem ver os esforços de conservação destes grandes carnívoros como “suspeitos”.

“A metodologia qualitativa utilizada permitiu-nos perceber melhor os conhecimentos e práticas locais, a ambivalência nas percepções sobre a espécie, assim como os pontos de conflito e as suas razões”, comentou a supervisora do estudo, Margarida Lopes Fernandes, bióloga do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas e investigadora do CRIA-Centro em Rede de Investigação em Antropologia.

 

Turismo de natureza

Já as possíveis vantagens de ter lobos na região foram reconhecidas por “menos de metade” dos responsáveis questionados. Alguns referiram o turismo de natureza, que em Portugal tem ainda pouca expressão ligado à espécie. “Em Espanha este é um sector lucrativo e bem estabelecido, que leva muitas pessoas a regiões como a Serra da Culebra, na esperança de ver este animal elusivo.”

Quanto ao recurso a cães de gado como defesa face a ataques de lobos, uma das apostas do LIFE WolFlux, é visto com bons olhos pela maioria – desde que estes sejam de raças portuguesas adequadas, como os Serra da Estrela ou Castro Laboreiro.

 

Leão é o primeiro cão de gado dado pelo projecto LIFE WolFlux. Foto: Rewilding Portugal

 

Conclusão? “A colaboração entre as comunidades locais, a administração e as organizações da sociedade civil é fundamental, assim como uma presença constante no terreno”, apontam os responsáveis deste estudo, que destacam a importância do apoio a criadores de gado como forma de prevenção de prejuízos.

Além de ser coordenado pela Rewilding Portugal, o projecto LIFE WolFlux tem ainda como parceiros a Universidade de Aveiro, a Rewilding Europe, a Zoo Logical e a Associação Transumância e Natureza.

 

[divider type=”thin”]Saiba mais.

Recorde como se está a realizar o censo nacional do lobo-ibérico, que se prolonga até 2021, com o objectivo de actualizar a informação sobre esta espécie classificada como Em Perigo de extinção.

 

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.