Musgo. Foto: Andreas/Pixabay

COP15: Três notícias boas e um alerta para o futuro da Terra e da biodiversidade

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Quase 200 países assinaram esta segunda-feira um novo acordo que pretende travar o declínio do mundo natural até 2030, aplaudido por muitos como um passo histórico, mas encarado também com cepticismo.

As negociações da Convenção das Nações Unidas para a Biodiversidade Biológica, que se prolongaram por duas semanas, terminaram esta segunda-feira já de madrugada (3h30 horas locais em Montreal, 8h30 em Lisboa) com a aprovação do novo Quadro Global da Biodiversidade pós-2020.

“Dou as boas vindas ao resultado histórico da COP15”, reagiu a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que considerou que o novo acordo vem complementar o Acordo de Paris para o Clima. “O mundo concordou sobre objetivos mensuráveis e sem precedentes de protecção e restauração da natureza e sobre um Fundo Global para a Biodiversidade.”

Do lado das organizações de defesa do ambiente, o desfecho da cimeira também mereceu aplausos, mas misturados com cepticismo sobre a aplicação prática das metas e objectivos colocados em cima da mesa, tanto até 2030 como até 2050, quando se espera que a humanidade consiga já “viver em harmonia com a natureza”.

Aqui estão algumas das principais medidas que fazem parte deste novo compromisso, que deverá estar em vigor nestes próximos 10 anos, começando pelas boas notícias:

1. Acordada protecção de pelo menos 30% do planeta até 2030

Foto: Joana Bourgard

Conseguir um acordo para o chamado “30 por 30” foi uma das principais bandeiras dos anfitriões do encontro, organizado pela China e pelo Canadá. O novo texto que sai da cimeira estabelece que até 2030, os países signatários devem assegurar e possibilitar que pelo menos 30% das áreas terrestres, de águas interiores e costeiras e marinhas sejam efectivamente conservadas e geridas. Calcula-se que actualmente, cerca de 17% da superfície terrestre e oito por cento do oceano estão protegidos. Ao mesmo tempo, define que a expansão de novas áreas protegidas deve respeitar os territórios indígenas e tradicionais, uma das grandes preocupações destes povos.

O “30 por 30” foi uma das metas acordadas para 2030 destacadas em comunicado pela organização portuguesa ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável, que participou na reunião no Canadá. Por sua vez a Liga para a Proteção da Natureza (LPN), que também esteve em Montreal, nota que esta ambição “corresponde a um aumento substancial da área protegida, especialmente tendo em conta que também se aplica aos oceanos”.

Embora o novo acordo não seja vinculativo, está previsto que os países signatários dêem conta dos seus progressos através de planos nacionais de biodiversidade, definindo assim de que forma vão contribuir para o alcance desta e de outras metas. Portugal, que se estima ter hoje 22% do território como área protegida, está a trabalhar para chegar aos 30%, assegurou recentemente o presidente do Instituto para a Conservação da Natureza e das Florestas, Nuno Banza. Há poucos dias, aliás, foi feito um novo anúncio nesse sentido.Também os EUA, que por força da oposição dos Republicanos nunca assinaram a Convenção para a Biodiversidade Biológica e por isso estiveram presentes à margem das conversações, comprometeram-se a proteger 30% da terra e do mar até 2030.

No âmbito das diversas metas acordadas, está também iniciar o restauro de pelo menos 30% das áreas degradas do planeta até 2030 – “uma medida importante para restabelecer os serviços dos ecossistemas à humanidade”, considera a LPN – tal como a diminuição de espécies invasoras, a redução da poluição química e ainda dos riscos associados à utilização de pesticidas. E até 2050, um dos objetivos destacados é a diminuição, em 10 vezes, do risco de extinção das espécies.

2. Reforma dos subsídios que prejudicam o ambiente e a biodiversidade

Exploração petrolífera, na Escócia. Foto: ElliottDay/Pixabay

Um estudo recente, publicado em Fevereiro passado, estimou que os subsídios nocivos que estão a causar a perda da biodiversidade e o aquecimento global do planeta ascendem a um total de 1,8 biliões de dólares por ano (‘trillions’, em inglês). Em causa estão desde logo os incentivos destinados à agricultura e à pecuária intensivas e também aos combustíveis fósseis. O objectivo agora é identificar todos estes subsídios até 2025 e reduzi-los em pelo menos 500.000 milhões de dólares por ano até 2030, aumentando em contrapartida os incentivos positivos para a conservação e uso sustentável da biodiversidade, nota a ZERO.

3. Criação de um fundo (dentro de um fundo) para a biodiversidade e os países em desenvolvimento

Foto: Pexels/Pixabay

Os países do sul global, incluindo dezenas de nações da América Latina, África e Sudeste Asiático, exigiram durante as negociações que fosse criado um fundo para a biodiversidade, para que lhes seja pago o alcance das novas metas. Ao longo do encontro este foi um dos principais pontos de discórdia entre países mais ricos e mais pobres, ameaçando bloquear um acordo.

Mas porque é isso tão importante para países como a República Democrática do Congo, o Brasil e a Indonésia? Joseph Onoja, um biólogo que dirige a Fundação para a Conservação Nigeriana, disse ao New York Times que as antigas potências coloniais se tinham tornado ricas com a exploração dos recursos naturais destes países. Agora que estes últimos tentam desenvolver-se da mesma forma, argumentou, dizem-lhes que não o podem fazer em nome da conservação do planeta.

No final, ficou acordada para já a criação de um Fundo Quadro Global para a Biodiversidade dentro do Fundo Global para o Ambiente, gerido pelas Nações Unidas, com a realização de contactos posteriores para o eventual estabelecimento de um fundo autónomo. Os países desenvolvidos comprometeram-se a fornecer 30 mil milhões de dólares de ajudas anuais no final da década, embora não de forma vinculativa. A meta acordada entre todos é que, até 2050, os recursos financeiros destinados à biodiversidade se aproximem cada vez mais dos 700 mil milhões de dólares por ano.

4. Eliminação de metas e conceitos-chave do texto final do acordo

Foto: jggrz/Pixabay

Apesar dos parabéns quanto ao espírito e aos objectivos do novo acordo, a LPN é uma das organizações que se mostram fortemente preocupadas com a sua aplicação no futuro. E essa não é uma preocupação menor, tendo em conta a história recente. Os objectivos para a biodiversidade estabelecidos pelo acordo anterior no âmbito desta convenção, definidos em 2010 em Aichi, no Japão, nunca chegaram a ser alcançados dentro dos prazos previstos.

Quanto ao compromisso agora alcançado, “as versões preliminares do documento incluíam objetivos explícitos e quantitativos para a implementação das várias metas, que foram caindo durante o processo negocial, enfraquecendo o documento”, alerta a ONG portuguesa. “Perdeu-se assim o sentido de urgência que levou ao lançamento do QGB e passou a ser fácil arrastar a implementação do acordo.”

A LPN dá como exemplo o texto inicialmente proposto sobre o crescimento da área de crescimento dos ecossistemas ameaçados, que deveria crescer pelo menos 5% até 2030 e 15-20% até 2050. Todavia, o texto aprovado indica apenas que a área deve crescer de forma “substancial”, sem definir o que considera “substancial”, aponta.

“Também no caso dos 30% do território do planeta a proteger, manteve-se uma grande ambiguidade sobre as exigências mínimas para que uma área possa ser incluída nessa meta. Há assim um grave risco de que alguns países procurem contribuir para a meta através da inclusão de falsas áreas de protecção.”

A preocupação quanto à ausência de metas e conceitos inicialmente em cima da mesa é partilhada pela ZERO, que lembra que “existiam um conjunto de metas quantificadas de longo prazo (2050) relativas ao aumento da área de ecossistemas naturais ou da percentagem de espécies em risco e que desapareceram”. Outro objectivo relevante – proteger 30% de áreas terrestres e 30% de áreas marinhas até 2030 – ficou diluído num único valor conjunto, critica. Da mesma forma, “a redução percentual da pegada ecológica para 2030 era também um objetivo que deixou de estar consignado”.

Fundamental, argumenta ainda a ZERO, é que “as decisões agora tomadas à escala global tenham um reflexo em todas as políticas nacionais, e em particular no domínio da conservação da natureza”.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.