várias flores de Prolongoa hispanica
Prolongoa hispanica. Foto: Miguel Porto

Duas plantas novas para Portugal encontradas agora no Baixo Alentejo

O trabalho de campo para a Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental está a produzir bons resultados. Desta vez, na região de Beja, uma equipa foi surpreendida por duas plantas que nunca tinham sido registadas em Portugal. E por outras boas surpresas.

 

Miguel Porto, presidente da Sociedade Portuguesa de Botânica (SPBotânica), 37 anos, andava em prospecção pela Serra de Ficalho, na região de Beja, em busca de exemplares para a Lista Vermelha da Flora Vascular. Este projecto começado em Outubro de 2016 quer melhorar o conhecimento sobre a flora vascular em território continental português. [Ao contrário dos musgos, por exemplo, as plantas vasculares têm vasos condutores de seiva.]

A descoberta da Trigonella ovalis aconteceu no dia 1 de Maio, “completamente por acaso”, contou à Wilder. “Vi logo que era uma planta estranha e diferente”, comentou o investigador, que nessa saída estava acompanhado por Ana Júlia Pereira, também membro da SPBotânica.

 

uma planta da espécie Trigonella ovais.
Trigonella ovalis. Foto: Miguel Porto

 

Miguel Porto andava em busca de outras plantas igualmente discretas e por isso estava de olhos cravados no solo, atento aos mais pequenos pormenores.

A Trigonella ovalis é “pequenina e passa despercebida”, com as suas folhas parecidas com as dos trevos. Parece estar “muito dispersa” e pensa-se que somará apenas “algumas centenas ou no máximo um milhar” na Serra de Ficalho, que é a única serra calcária ali da região. “Encontrei 10 pequenos núcleos e nenhum ocupava mais de meio metro quadrado.”

Um motivo de surpresa para a equipa da Lista Vermelha, aliás, é o “isolamento extraordinário” desta espécie na região alentejana. Só a 200 quilómetros de distância, no Sul de Espanha, é que se encontram outras plantas iguais, que podem ser vistas também no Norte de Marrocos. “As sementes são pesadas e não são fáceis de dispersar com o vento”, notou.

No entanto, apesar de ter sido só agora registada, a presença daTrigonella ovalis em Portugal pode ter os dias contados: foi encontrada em olivais abandonados recentemente na zona de Ficalho, mas que até há pouco tempo tinham estado em actividade. Um equilíbrio difícil de manter. “Trata-se de um habitat temporário, o que me deixa a pensar no que irá acontecer aos olivais de Ficalho”, preocupa-se Miguel Porto.

 

Novidades numa mina abandonada…

A descoberta da Trigonella ovalis não foi a única surpresa do trabalho de campo para a Lista Vermelha da Flora Vascular, naqueles primeiros dias de Maio.

Quatro dias depois, Miguel Porto e Ana Júlia Pereira andavam pelos montados de azinheira nos arredores de Barrancos, vila próxima de Espanha, quando chegaram às ruínas de uma antiga mina de cobre abandonada. “Apareceu-nos no meio de tudo uma flor estranha e bizarra, pensámos que talvez por causa do metal [presente no subsolo].”

 

plantas da espécie Prolongoa hispanica
Prolongoa hispanica. Foto: Miguel Porto

 

Esta planta era a Prolongoa hispanica, que até agora nunca tinha sido identificada em Portugal. “É um pequeno malmequer de cor amarela”, descreve o botânico. Podia por isso ter passado despercebido, mas Miguel Porto ficou curioso ao perceber que “era mais pequenino e rasteiro do que outros malmequeres”. “E quando vamos ver as folhas, não têm nada a ver com os restantes.”

Neste caso, haveria “apenas umas 200 ou 300 plantas” da espécie, “uma população muito restrita que parece estar associada àquela mina de cobre”. Este é um aspecto curioso, aliás. Em Espanha, a Prolongoa hispanica “é mais ou menos comum e pode encontrar-se em montados e matos”.

 

várias flores de Prolongoa hispanica
Prolongoa hispanica. Foto: Miguel Porto

 

O núcleo mais próximo desta planta, do lado espanhol, fica a 250 quilómetros. Mas neste caso, uma vez que “as sementes são muito pequeninas, talvez tenham sido transportadas pelo vento.”

 

…e “mais duas espécies fantásticas”

“Quando andamos pelos montados de azinheira, aquilo a olho parece tudo igual, e de repente entramos nos terrenos da mina e a flora toda muda.” É que também ali, nas ruínas daquela mina em Barrancos, Miguel Porto encontrou mais duas “espécies fantásticas”.

Uma foi a Coincya transtagana, “bastante rara em Portugal, que só existe no Sudoeste da Península Ibérica” (Algarve, Alentejo e Andaluzia). Esta é uma espécie que “gosta de sítios mineiros”, “muito rara em Portugal”. “E por isso, foi fantástico termos encontrado ali uma população tão grande”, comentou o responsável da SPBotânica.

 

Flores de tom amarelado e de quatro pétalas da Coincya transtagana.
Flores da Coincya transtagana. Foto: Miguel Porto

 

Outra novidade que entusiasmou muito a equipa foi uma planta do género Armeria – pensa-se que será a Armeria linkiana, mas ainda não há certezas – também encontrada no mesmo local. “Qualquer que seja a espécie, é um bom reencontro, pois no Interior Alentejano as Armerias são muito raras, restritas a sítios geologicamente particulares.”

 

flores da Armeria linkiana
Armeria linkiana. Foto: Miguel Porto

 

Ao todo, nos últimos dois a três anos, o presidente da SPBotânica calcula que terão sido encontradas “seis ou sete espécies novas para Portugal” de plantas vasculares, incluindo as duas descobertas agora no Baixo Alentejo. Um dos grandes impulsos veio do portal Flora-On, uma iniciativa desta associação, que graças a trabalho voluntário tem vindo a mapear as plantas que ocorrem no território continental.

Miguel Porto acredita que os trabalhos de campo para a Lista Vermelha vão continuar pelo menos até meados de Junho, uma vez que “há espécies que florescem no Verão, quando tudo está seco”. Até agora, foram avaliadas e publicadas 122 plantas da lista de 621 espécies alvo deste projecto.

O projecto da Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental é coordenado pela SPBotânica e pela PHYTOS-Associação Portuguesa de Ciência da Vegetação, em parceria com o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas. É co-financiado pelo Fundo de Coesão e pelo Fundo Ambiental e termina a 30 de Setembro deste ano.

 
[divider type=”thin”]Perfil do investigador:

 

WILDER: O que fazes? 

Miguel Porto: Profissionalmente, sou investigador na área da Ecologia de comunidades vegetais; nos tempos livres, enquanto membro da Sociedade Portuguesa de Botânica, contribuo activamente para a melhoria do conhecimento da flora de Portugal através do desenvolvimento do portal Flora-On e do seu enriquecimento, com dados de muito trabalho de prospecção e inventariação de plantas no campo que continuamente vou fazendo – particularmente, em áreas mal conhecidas do ponto de vista florístico.

Actualmente (e espero que também futuramente) colaboro também na avaliação do risco de extinção das espécies da flora portuguesa, no âmbito do projecto Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental.

W: Onde e quando começaste?

Miguel Porto: A atracção pelas plantas vem da minha infância, mas só em 2012, com o lançamento do portal Flora-On, comecei de facto a fazer trabalho de campo “lúdico” de forma organizada, com a motivação de ajudar o portal a crescer, e percebi que esse prazer que tenho de andar no campo podia ser também útil. Até essa altura, tinha apenas a experiência de trabalho florístico de projectos vários em que fui participando desde 2004.

W: Como aprendeste a fazer este trabalho?

Miguel Porto: Toda a prática que tenho na inventariação e identificação de plantas no campo e conhecimento da sua ecologia foi por aprendizagem própria, mas claro que todos os projectos em que participei, tanto ao nível profissional como ao nível das actividades da SPBotânica, foram excelentes oportunidades para desenvolver muito essas capacidades na área da botânica.

W: Quando começaste, o que pensavas que querias fazer?

Miguel Porto: No início, não sabia sequer que existia tal coisa como “trabalho de campo” e portanto tinha ideias absurdas (percebo agora) sobre aquilo que queria fazer na vida. Só me apercebi de que o trabalho de campo era uma realidade depois de terminar a licenciatura, quando comecei a trabalhar em projectos vários relacionados com plantas. E desde que percebi isso, não quis outra coisa que não fosse participar em projectos que me permitissem trabalhar com plantas no campo.

W: O que ainda te falta fazer?

Miguel Porto: Falta-me de alguma forma tornar realmente útil todo o conhecimento que tem sido gerado. Nos últimos anos, deu-se um enorme pulo na quantidade e na acessibilidade da informação que existe sobre a flora de Portugal, mas esse conhecimento não está ainda a ser usado para fazer conservação efectiva no terreno. A Lista Vermelha da Flora Vascular é um grande passo, e espero que seja o mote que irá permitir pôr a conservação (de tudo aquilo que precisa mas que ainda não é abrangido legalmente) em prática, agora que há bases sólidas sobre a realidade da distribuição e das ameaças de muitas centenas de espécies de plantas, que estiveram esquecidas em questões de conservação por falta de conhecimento.

 

[divider type=”thin”]Saiba mais.

Recorde o trabalho que a Lista Vermelha da Flora Vascular tem andado a fazer nos herbários portugueses e conheça mais em pormenor o projecto, aqui.

 

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.