Coruja-do-nabal (Asio flammeus). Foto: Ólafur Larsen/Wiki Commons

Fique a saber três surpresas reveladas pelo primeiro censo da coruja-do-nabal

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A Wilder falou com a equipa que organizou as contagens desta que é “uma das corujas mais enigmáticas que ocorrem em Portugal” e explica-lhe o que mais surpreendeu os investigadores.

Ao todo, 178 voluntários participaram no 1º Censo Nacional de Coruja-do-nabal: detectaram entre 101 a 112 destas aves de rapina nocturna que invernam em Portugal, sobre as quais havia até hoje pouca informação. O número “muito elevado” de participantes foi uma novidade “muito positiva”, afirmaram à Wilder Ricardo Tomé e João Falé, principais coordenadores desta iniciativa e membros do GTAN – Grupo de Trabalho em Aves Nocturnas, da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA).

Mapa de Portugal com número de corujas-do-nabal detectadas por área. Fonte: Relatório do 1º Censo Nacional de Coruja-do-nabal

A coruja-do-nabal (Asio flammeus) é uma ave com dimensões médias que em Portugal pode ser encontrada “de forma bastante localizada”, principalmente em zonas húmidas como estuários, pauis, lagoas e albufeiras. É também “a única ave de rapina nocturna que não se reproduz no nosso país”, pelo que raramente se ouve e é mais difícil de encontrar. Como resultado, os dois investigadores consideram-na “uma das corujas mais enigmáticas” em território português.

Por outro lado, o facto de ter hábitos diferentes de outras aves nocturnas faz com que o censo Noctua, que se realiza desde há 13 anos dedicado a este grupo, se mostre neste caso desadequado. É que a coruja-do-nabal começa ainda antes do pôr-do-sol a caçar as suas presas, pequenos roedores, mais cedo do que outros mochos e corujas.

“Ainda por cima está classificada no Livro Vermelho dos Vertebrados [publicado em 2005] como Em Perigo no nosso país”, notam os dois investigadores. “Assim, decidimos realizar o censo não só para dar a conhecer um pouco melhor esta espécie, como para clarificar alguns aspetos que até agora eram relativamente desconhecidos, tais como a sua distribuição e abundância em Portugal.”

O censo realizou-se de 17 a 19 de Dezembro e de 14 a 16 de Janeiro em 20 áreas consideradas prioritárias para a espécie, nas quais já havia registos. E alguns resultados deixaram a equipa surpreendida, constatam os investigadores:

1. Primeiro registo em Castelo Branco, pelo menos desde o final do século XX

Foto: CERVAS

As contagens deram origem ao “primeiro registo em pelos menos 24 anos de coruja-do-nabal em Castelo Branco”, sublinham estes dois especialistas em aves de rapina nocturnas. Na verdade, explicam, pensava-se que a espécie invernava na região, mas talvez pelo facto de haver poucos observadores ainda não tinha sido possível confirmá-lo nos anos mais recentes.

Houve também nesta primeira vez várias regiões sem qualquer registo de ocorrência, apesar da presença dos voluntários e de muitas horas de observação: Trás-os-Montes, Douro Litoral, Beira Alta, Sintra, distrito de Évora (Alto Alentejo), Lagoas de Santo André e Melides e ainda Sagres.

No caso de zonas interiores como Évora e Trás-os-Montes, por exemplo, “a espécie será mais escassa, uma vez que existem menos áreas de habitat favorável (zonas húmidas)”, acredita a equipa, que ainda assim admite que “alguns indivíduos invernem nestas regiões, provavelmente associados a algumas pastagens extensivas”.

Mas será difícil confirmar se a área onde se pode observar esta espécie já foi muito maior do que hoje em dia. “Infelizmente não dispomos de dados de censos anteriores, com os quais possamos comparar os resultados agora obtidos”, lembram os investigadores.

2. Ria de Aveiro entre as principais zonas de invernada…

Foto: Steve Garvie/Wiki Commons

Pensava-se que seria nos estuários do Tejo e do Sado que se concentrava o maior número destas corujas em Portugal, mas os resultados das contagens indicam agora que a Ria de Aveiro, na região Centro, é outra zona de invernada importante para a coruja-do-nabal, sublinham os coordenadores da iniciativa.

Ao todo, contaram-se entre 18 a 23 corujas-do-nabal nesta zona da foz do rio Vouga, onde estas aves apresentam “comportamentos de caça diurnos com relativa frequência”, descreve o relatório do censo.

Estes bons resultados foram ultrapassados apenas pelo Estuário do Tejo, onde se registaram entre 37 a 49 corujas-do-nabal, “comprovando a importância desta zona para a conservação da espécie”, notam os investigadores.

“O Ribatejo e o estuário e pauis do rio Mondego são também zonas importantes para um número relativamente elevado de indivíduos”, acrescenta por sua vez o relatório. No Ribatejo, contaram-se entre nove a 11 corujas; outras 10 no estuário e pauis do Mondego.

3. … e descida de corujas no Estuário do Sado

Em contrapartida, “nem tudo foram boas notícias”, lamentam ainda Ricardo Tomé e João Falé: “o número de corujas detetadas no estuário do Sado, uma das zonas tradicionalmente consideradas como detendo maior importância para a espécie, foi bastante reduzido.” Contaram-se ali apenas oito a nove destas aves.

Os dois investigadores lembram que neste estuário do distrito de Setúbal havia mais corujas-do-nabal do que no Estuário do Tejo, no início dos anos 90. “Contudo, tanto nos últimos anos, como agora durante o censo, parece ter havido uma redução do número de corujas que utilizam o estuário do Sado”.

A equipa acredita que a diferença poderá estar ligada a alguma alteração no uso dos solos nesta região – nomeadamente as zonas de arrozal, “que a coruja-do-nabal muitas vezes utiliza” – mas explicam que será necessário analisar a informação “com mais detalhe”.

Já na Ria Formosa, outra área importante para a espécie mas onde só foram registadas duas aves, o caso será outro. Os dois especialistas associam esta diminuição à possibilidade de ali haver menos presas neste último Inverno: “a coruja-do-nabal é uma ave nómada, que se fixa em locais com elevada abundância de presas e cujas populações sofrem flutuações marcadas como resposta ao alimento disponível”, explicam.

Foto: CERVAS

Questionados sobre a repetição deste censo dedicado à coruja-do-nabal, os dois responsáveis indicaram que ainda não há uma data prevista, mas os resultados destas contagens já permitem “constituir a base para uma monitorização a longo prazo”.

A equipa pretende agora recolher informação sobre “outras espécies que têm mostrado um declínio acentuado segundo os dados do programa NOCTUA”, pelo que as prioridades irão para “espécies como a coruja-das-torres, cuja população tem decrescido marcadamente, provavelmente como consequência das alterações agrícolas a que temos assistido nos últimos anos, ou como o bufo-pequeno, para a qual a informação no nosso país é também ainda incipiente”.


Saiba mais.

Consulte aqui o relatório do 1º Censo Nacional de Coruja-do-nabal. E recorde também quais são os sons que fazem a coruja-do-nabal e outras cinco aves nocturnas que pode observar em Portugal.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.