Leitores: João Almeida encontrou este grifo a voar no centro de Lisboa

Foto: João Almeida

Foi na última terça-feira de manhã, 14 de Dezembro, que este birdwatcher de 26 anos foi surpreendido pela presença desta grande ave. A Wilder falou com especialistas e explica o que se poderá ter passado.

João Almeida estava em busca de biodiversidade para fotografar no Corredor Verde de Lisboa, na zona do jardim Amália Rodrigues – perto do El Corte Inglès e do Parque Eduardo VII – quando reparou “num enorme bando de gaivotas ao longe que estava a planar em círculos, aproveitando as correntes de ar ascendente que são resultados do contacto da luz do sol nas janelas e paredes dos  edifícios”.

Reparou que as gaivotas estavam cada vez mais próximas e ignorou-as por algum tempo, mas foi então que decidiu voltar a observá-las. “De repente, ao olhar para cima, reparei que mesmo por cima de mim, a cerca de dois metros de altura, estava uma enorme mancha acastanhada e escura!”, descreveu à Wilder.

Foi então que “de forma quase automática”, devido à sua experiência como observador de aves, percebeu que uma ave daquela envergadura só poderia ser uma rapina. “Até que reparei na sua cabeça e pescoço, dada a proximidade, e concluí que era mesmo um abutre; neste caso um grifo.” E puxou rapidamente da câmara fotográfica para não haver dúvidas sobre o achado. “Ainda que as fotos não sejam de uma qualidade profissional, a silhueta nas mesmas é inconfundível.”

Grifo observado em Lisboa. Foto: João Almeida

Este leitor confessa-se “totalmente surpreendido” pela observação de um grifo em Lisboa. Ao ver “uma ave tão majestosa como esta”, sentiu “alguns arrepios”, seguidos por “alegria e euforia por ter conseguido provas fotográficas e ter tido a possibilidade deste avistamento, talvez num dos locais mais improváveis de todos, a cidade”, disse à Wilder.

Os grifos (Gyps fulvus) são com efeito aves majestosas: membros do grupo dos abutres, “são muito grandes, maiores do que as águias”, descreve o portal Aves de Portugal. Em Portugal estão presentes sobretudo no Interior, na metade do território nacional mais próxima da fronteira. “As principais zonas de reprodução situam-se no Nordeste Transmontano, que alberga mais de metade da população portuguesa.” Existem outros núcleos reprodutores importantes, como o Tejo Internacional, na região de Castelo Branco, e o Interior Alentejano.

Mas é em Espanha que se concentra a grande parte da população mundial da espécie, que se tem vindo a expandir nos últimos anos tanto nesse país como em território português. Ainda assim, estas aves continuam a ser perseguidas e ameaçadas, devido por exemplo à existência de preconceitos contra os abutres.

Foto: Samuel Infante / CERAS

É surpreendente ver-se um grifo em Lisboa?

“Pode dizer-se que sim, dado que é algo que ocorre com pouca frequência”, respondeu Carlos Pacheco, especialista em aves de rapina e técnico em projectos de conservação e monitorização de aves selvagens, contactado pela Wilder.

Ainda assim, este fenómeno “pode considerar-se regular e é cada vez mais frequente nos últimos anos”. Em causa estão especialmente os “indivíduos juvenis”, como acontece com a ave desta fotografia, explica o biólogo.

Já Gonçalo Elias, coordenador do Aves de Portugal, adianta que o eBird (projecto de ciência cidadã com utilizadores em todo o mundo) tem registos de alguns avistamentos na área da Grande Lisboa, incluindo a margem sul – quase sempre no último trimestre do ano, quando aves da espécie realizam “movimentos dispersivos”.

Na zona da cidade de Lisboa, houve outra observação de um grifo, mas dessa vez sem fotografia: na Calçada de Carriche, que liga o concelho de Odivelas a Lisboa, em Setembro de 2020, indica o mesmo ornitólogo. De resto, há mais alguns registos da espécie em concelhos limítrofes. Por exemplo, em Outubro de 2017, foi fotografado um grifo na Quinta do Pisão, concelho de Cascais. No mesmo ano, foi registado outro avistamento na zona do Feijó, na margem sul. E 10 anos antes, em 2007, tinha sido reportada uma observação em Pinhal de Frades, Seixal.

Grifo de pé numa rocha, de asas abertas
Grifo. Foto: Emiliya Toncheva/Wiki Commons

Quanto à explicação do sucedido, Carlos Pacheco explica que “no período de Outono verificam-se alguns movimentos significativos dos grifos, havendo diferentes contextos envolvidos”. Desde logo, uma fatia significativa destas aves necrófagas, “constituída por indivíduos juvenis e imaturos”, que ainda não chegaram à idade de reprodução, “apresentam um comportamento dispersivo mais acentuado”. Uma parte destes, aliás, chegam mesmo a ter “um comportamento migratório no verdadeiro sentido da palavra”, atravessando o Estreito de Gibraltar em direcção a África quando chega o tempo mais frio.

Bandos de milhares de aves

“Os grifos juvenis e imaturos juntam-se em grandes bandos, que podem conter milhares de aves, que deambulam por áreas muito vastas, incluindo locais sem condições adequadas para a espécie”. É o caso das zonas urbanas, onde habitualmente não se vêem adultos, explica. Mas quanto a estas aves juvenis, “podem aparecer literalmente em qualquer lado.”

“Este comportamento dispersivo/migratório ocorre essencialmente entre Outubro e meados de Dezembro, sendo este o período em que se registam mais avistamentos fora das áreas habituais no resto do ano”, adianta o mesmo responsável. No entanto, alguns grifos acabam por ficar sozinhos ou em pequenos grupos – “muitas vezes separam-se dos bandos por estarem cansados e não  os conseguirem acompanhar.”

Deverá ser este o caso da ave que foi avistada em Lisboa: um juvenil em dispersão, afirma este especialista em aves de rapina. Carlos Pacheco recorda que “é também neste período que se regista a maior parte dos ingressos em Centros de Recuperação de Fauna Silvestre, que geralmente correspondem a indivíduos exaustos e/ou sub-nutridos, por passarem muitos dias sem conseguir obter qualquer alimento.”

Grifo observado em Lisboa. Foto: João Almeida

Mas esse não é necessariamente o caso deste grifo “lisboeta”. “O facto de aparecer fora da área de distribuição não deve ser entendido como uma necessidade de ser recolhido”, nota Gonçalo Elias. Uma ave destas pousada num telhado ou antena, mesmo que seja numa região menos habitual, “pode significar apenas que está a descansar”. Além do mais, acrescenta, como os grifos são aves planadoras e dependem das correntes de ar quente para voar, são obrigados a pousar quando o dia termina.

O que está a acontecer no Inverno

Quanto aos grifos em idade adulta, será menos provável a sua observação numa zona como Lisboa, pois mesmo que migrem dentro da Península Ibérica não costumam afastar-se para o litoral.

Agora que o Inverno e o tempo mais frio se aproximam, muitos grifos estão aliás em plena actividade – alguns até já cuidam do futuro da espécie. “As aves adultas reprodutoras nas zonas mais amenas estão agora já em plena época de paradas nupciais, construção de ninhos e mesmo de realização das posturas mais precoces”, descreve Carlos Pacheco.

grifos num rochedo
Grifos. Foto: Dave Massie/Wiki Commons

Já as aves que se reproduzem em zonas de maior altitude ou em regiões mais a norte, continuam na fase de invernada. Por estes dias aproveitam “a maior disponibilidade de recursos das zonas centrais e sul da Península Ibérica” – para onde se deslocaram para passarem o período mais frio do ano – “tal como muitos dos imaturos e alguns juvenis que não migraram”. Dentro de pouco tempo, essas aves reprodutoras vão regressar aos locais de nidificação.

Por sua vez, os juvenis e imaturos que cruzaram o Estreito de Gibraltar em direcção a África, nesta fase do ano “estarão maioritariamente na África sub-sahariana, na região do Sahel (Mauritânia, Mali, Senegal…), deslocando-se em grupo em busca de alimento por áreas muito vastas de onde regressarão na Primavera”.


Agora é a sua vez.

Observou alguma espécie ou acontecimento na natureza que o surpreendeu? Conte-nos o que viu, enviando para o email da Wilder ([email protected]) todas as imagens e informações que tiver, e nós procuraremos respostas quanto ao que terá acontecido.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.