Um abutre-do-Egipto (em primeiro plano), acompanhado por um grifo. Foto: Hugo Marques

Esclareça cinco mitos sobre os abutres em Portugal

Têm crescido em Portugal e Espanha os relatos sobre abutres que atacam rebanhos e também a desconfiança dos agricultores. A associação Palombar esclarece alguns dos mitos sobre estas aves.

“Quem conta um conto, acrescenta um ponto.” Este é um ditado que descreve muitos dos relatos que se têm feito ouvir sobre alegados ataques de abutres a animais vivos, sublinha José Pereira.

Presidente da Palombar, associação que se dedica à conservação da natureza e do património rural em Trás-os-Montes, José Pereira tem assistido à desconfiança crescente de alguns agricultores face às histórias narradas em jornais portugueses e espanhóis. “Na nossa região ainda não há denúncias de ataques de abutres a animais domésticos, começa é a haver muitas pessoas a falar desta situação e com medo dos abutres, em especial dos grifos, um medo infundado”, apontou à Wilder.

De acordo com a Palombar, aqui ficam cinco mitos relativos aos abutres e a respectiva explicação:

1.Os abutres são predadores e atacam animais vivos

A verdade é que os abutres não estão preparados para caçar animais vivos, tanto no que respeita à anatomia do corpo como à sua forma. “Os abutres possuem movimentos lentos no solo, as suas garras são curtas e não têm força suficiente para imobilizar uma presa em fuga (…) e o seu bico, apesar de robusto, não está desenhado para conseguir matar”, explica a Palombar, em comunicado.

Abutre-preto. Foto: Pedro Rêgo

A dieta dos abutres, sendo espécies necrófagas, é “baseada essencialmente em carne morta”. Só quando encontram animais frágeis ou debilitados que estão prestes a morrer é que estas aves podem atacar, mas isso é “muito raro”. “Isso só ocorre de forma excecional em situações de falta de alimento.”

2. Os abutres atacam animais em trabalho de parto.

Por não serem animais predadores, os abutres não costumam atacar gado saudável em trabalho de parto. O que por vezes acontece é que em partos mal sucedidos, estas aves tentam alimentar-se da progenitora ou da cria já moribundas ou débeis. Noutras situações, quando os animais são saudáveis, pode acontecer que estas aves aguardem pelo final do parto para comerem a placenta.

Outras vezes, as ovelhas ou cabras foram mortas por cães assilvestrados ou outros animais selvagens e os abutres alimentam-se dos restos, mas quando chega o produtor parece que foram estes os responsáveis.

“Por vezes, os animais do rebanho não são devidamente acompanhados pelos produtores pecuários, pois nem todos desempenham devidamente as suas funções, e quando o parto corre mal, esses animais ficam totalmente desprotegidos, o que não deveria suceder”, nota José Pereira.

3. Os abutres agem em bando para atacar presas vivas

Apesar de muitas vezes se alimentarem em bando, como é o caso dos grifos, que chegam a juntar-se em várias dezenas, “estas aves não actuam de forma coordenada ou estratégica em bando para atacar presas vivas, visto que não são aves predadoras, nem possuem habilidades para tal”, indica a Palombar.

Grifo. Foto: Pedro Rêgo

“Normalmente, quando uma carcaça ou um animal moribundo é detectado por um abutre atrai a atenção de outros que, através da sua excelente visão, identificam o local e juntam-se a este para comerem diferentes partes de animais mortos ou débeis.”  

4. Os abutres são atraídos pelo cheiro a sangue

Os abutres da Europa, Ásia e África têm uma capacidade olfactiva muito reduzida, ou seja, não têm as características necessárias para detectarem os cheiros de carne morta ou de sangue. Em contrapartida, recorrem à sua excelente visão para encontrarem os alimentos.

5. Os abutres transmitem doenças para outros animais

“Os abutres não transmitem doenças para outros animais, pelo contrário, são fundamentais para combater a propagação de doenças contagiosas entre a fauna silvestre e doméstica”, explica a associação transmontana.

Abutre-do-Egipto (em primeiro plano) e grifo. Foto: Hugo Marques

Isto porque o estômago de um abutre é de tal forma ácido – dez vezes mais do que num ser humano – que elimina inúmeros “agentes patogénicos causadores de doenças como o botulismo, peste suína e anthrax”. Ou seja, na verdade os abutres são essenciais para o equilíbrio dos ecossistemas, pois ao comerem os animais já mortos “de forma rápida e eficaz” evitam que as doenças contagiosas se espalhem.


Saiba mais.

Recorde as maiores prioridades do Plano de Acção para a Conservação de Aves Necrófagas, publicado em Agosto passado em Diário da República, neste artigo da Wilder.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.