Milhafre-real no momento da libertação. Foto: José Méndez

Libertados 30 milhafres-reais em Espanha, perto da fronteira com Portugal

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Algumas aves introduzidas na Extremadura e Andaluzia pelo LIFE Eurokite, que trabalha para a conservação do milhafre-real e de outras aves de rapina na Europa, poderão dispersar para o lado português da fronteira, no Alentejo, acredita Alfonso Godino, especialista ligado ao projecto.

 

Alfonso Godino, da organização espanhola AMUS-Acción por el Mundo Salvaje, uma das entidades parceiras do projecto europeu LIFE Eurokite, acredita que é “altamente provável” que alguns dos 30 milhafres-reais trazidos para as regiões da Extremadura e Andaluzia ao longo deste ano “possam vir para Portugal”.

Juvenil de milhafre-real (Milvus milvus). Foto: Pablo F. Galán Alberruche

Em primeiro lugar, explicou à Wilder, “porque o local de libertação proposto pelo comité de especialistas está muito perto da fronteira, a apenas três quilómetros da Zona de Protecção Especial Moura-Mourão-Barrancos”, área que pertence à rede ecológica europeia Rede Natura 2000. E assim, os primeiros voos destas jovens aves poderão ser para estas e outras zonas do Sudeste de Portugal.

Além do mais, lembra o mesmo responsável, as aves desta espécie “percorrem longas distâncias” nos dois primeiros anos de vida, fase em que realizam a chamada dispersão juvenil.

A área de libertação destes milhafres ocupa o norte da província de Huelva, na Andaluzia, e o sul da província de Badajoz, na Extremadura, num total de mais de 600.000 hectares. É aqui que existem hoje cerca de 10 casais reprodutores desta ave de rapina, que representam cerca de um quinto da “reduzida população do sul ibérico”.

Descendentes de milhafres espanhóis no Reino Unido

Estas 30 aves vieram para Espanha trazidas do Reino Unido, onde esta ave de rapina já esteve próxima da extinção, mas hoje chega aos 6.000 casais e forma a segunda maior população reprodutora da Europa, ultrapassada apenas pela Alemanha e à frente de França e da Espanha.

Curiosamente, foi a Espanha e também à Suécia que recorreram vários projectos de reforço da população de milhafres-reais no Reino Unido, durante os anos 90, quando esta estava reduzida a poucas dezenas. E por isso é muito provável, acredita Alfonso Godino, que uma grande parte dos milhafres agora libertados perto da fronteira portuguesa “sejam descendentes dos milhafres-reais libertados no final do século XX em Inglaterra”.

Alguns dos milhafres-reais vindos de Inglaterra. Foto: A. Godino/AMUS- LIFE EUROKITE

Estas 30 aves vieram agora para Espanha com quatro a seis semanas de vida, onde ficaram ainda cerca de outras quatro semanas em cativeiro. “Após este período, as aves iniciaram a saída dessas instalações e começaram a explorar o ambiente em redor até iniciarem o período de dispersão juvenil, quando se afastaram da zona de libertação”, descreve o mesmo responsável.

Para segui-las, a equipa do projecto marcou estes milhafres com dispositivos GPS e também com marcas alares amarelas com código preto, especialmente úteis se os emissores falharem. “Agradecemos a todos os observadores e fotógrafos de aves, assim como a qualquer pessoa de Portugal, o envio da informação e observações destes milhafres-reais”, apela o especialista.

Mas esta acção não deverá ficar por aqui. O objectivo do projecto é libertar mais 60 a 70 milhafres-reais na mesma região, durante os próximos dois anos, de forma a criar-se um núcleo estável de reprodução da espécie.

Situação “precária” no sul da Península Ibérica

A necessidade de reforçar os números de milhafres-reais na Andaluzia e na Extremadura deve-se à situação “precária” das populações reprodutoras no sul da Península Ibérica. Em Espanha, onde o último censo realizado, em 2014, apontou para um total de 2.300 a 2.500 casais reprodutores, o sul do país concentra menos de 50 desses casais. Desses, 40 habitam na área protegida de Doñana, com uma tendência negativa nas últimas décadas, explica o especialista.

E em Portugal a situação é ainda mais grave: “Parece confirmada a extinção do milhafre-real como reprodutor a sul do Tejo e há uma população também reduzida no norte do Tejo, concentrada aparentemente no Nordeste do país.”

Ainda assim, Alfonso Godino acredita que a libertação destas aves próxima da fronteira possa ter “um efeito positivo no Sudeste de Portugal do ponto de vista da criação de uma população reprodutora”. Isto porque  no caso de projectos semelhantes no Reino Unido e em Itália, “as aves libertadas voltavam a nidificar num raio de 50 a 70 quilómetros do local de libertação.”

No entanto, no Alentejo, existe uma ameaça que continua a afectar os milhafres-reais que ali invernam e que poderá afectar as aves que ali tentem reproduzir-se: “já foram vários os milhafre-reais, marcados com GPS em vários países da Europa no âmbito do projeto LIFE Eurokite, encontrados envenenados ou com fortes indícios de envenenamento no Alentejo“, recorda este responsável da AMUS.

O que falta saber a norte do Tejo 

Já a norte do rio Tejo, a situação da espécie é diferente, uma vez que no Nordeste existe uma população reprodutora, na região de Trás-os-Montes. E seria possível um reforço da população como o que está a suceder em Espanha? Para isso, é necessária mais informação sobre o número de aves residentes, a sua área de distribuição e quais são as ameaças que as afectam, entre outros dados.

Alfonso Godino lembra que algumas organizações não governamentais de ambiente como a Palombar, e também o Instituto Nacional de Conservação da Natureza, “estão a desenvolver acções nesse sentido”, apoiados “na medida das possibilidades” pelo LIFE Eurokite e pela Amus.

“Os projetos de reintrodução ou de reforço são processos complicados em muitos sentidos e havendo uma população reprodutora, o ideal seria identificar as ameaças e desenhar/implementar acções de conservação que permitam que a população do Nordeste de Portugal cresça e possa se expandir”, sublinha. “Por isso, é muito importante para Portugal ter um bom diagnóstico destas populações reprodutoras de milhafre-real e a identificação das ameaças.”

 


Agora é a sua vez.

O milhafre-real é ligeiramente maior do que o milhafre-preto. Além disso, tem uma tonalidade mais clara, padrões mais bem definidos e a cauda bastante mais forcada.

A cauda é quase cor de ferrugem e tem a cabeça acinzentada, que contrasta com o castanho-claro do resto do corpo. Veja uma destas aves fotografada em Alter do Chão, identificada no “Que Espécie é Esta?”.

Se observar um milhafre-real com marcas alares amarelas com código preto, em especial se estiver no Interior Sul do país, pode enviar a informação para o email da organização espanhola Amus: [email protected].

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.