a cabeça de um arminho em grande plano
Arminho (Mustela erminea). Foto: Keven Law/Wiki Commons

Livro Vermelho dos Mamíferos: Investigadores sugerem medidas de protecção das espécies em Portugal

A destruição ou a fragmentação do habitat natural, a poluição e as alterações climáticas estão entre as principais causas do estado preocupante dos mamíferos em Portugal Continental, avisam cientistas envolvidos neste projecto.

Durante os trabalhos de campo do Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental, “verificou-se numa primeira análise que os mamíferos continuam a enfrentar grandes desafios para sobreviver”, alerta um comunicado enviado à Wilder pela equipa deste projecto.

O projeto “Revisão do Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental e Contributo para a Avaliação do seu Estado de Conservação” foi lançado em 2019 e pretende saber quais são as espécies mais ameaçadas dentro deste grupo e quais as mais estáveis ou que estão a aumentar a sua população. O prazo para a conclusão dos trabalhos de campo termina este ano.

Em causa está por exemplo o coelho-bravo, uma presa importante para muitos predadores ameaçados como o lince-ibérico ou a águia-imperial-ibérica, que “sofreu um declínio acentuado nos últimos anos”. As más notícias estendem-se a outros mamíferos, como o arminho, que “ainda não foi visto”, e a marta, o toirão e o gato-bravo, que “apenas foram detectados em alguns locais”.

Quanto aos morcegos, o panorama também se revela preocupante, uma vez que a informação é insuficiente para se perceber qual é o risco de extinção para muitas das espécies-alvo deste grupo. “As espécies mais raras registadas estão diretamente relacionadas com a sua ocorrência esparsa no território nacional, dificultando a obtenção de registos (via captura ou deteção acústica), como por exemplo o morcego-arborícola-grande (Nyctalus noctula), ou espécies que foram descritas para o nosso território muito recentemente (em 2020), como o morcego-de-bigodes de Alcathoe (Myotis alcathoe) e o morcego-de-franja-criptico (Myotis crypticus).”

Uma boa novidade, recordam os responsáveis deste Livro Vermelho, foi a descoberta da reprodução do morcego-hortelão-claro (Eptesicus isabellinus) no Baixo Alentejo por uma equipa de técnicos do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Esta é a maior colónia conhecida desta espécie no sul do país.

Da mesma forma, foram registadas espécies classificadas com estatuto de ameaça no Livro Vermelho dos Vertebrados, publicado em 2005, como por exemplo a toupeira-de-água (Galemys pyrenaicus) e o rato de Cabrera (Microtus cabrerae).

Fique a saber quais são as medidas de protecção aconselhadas para diferentes grupos de mamíferos, por investigadores ligados ao projecto:

1. Morcegos

Morcego-pigmeu (Pipistrellus pygmaeus). Foto: Evgeniy Yakhontov/Wiki Commons

Paulo Barros, investigador da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) especialista no grupo dos morcegos (quirópteros), defende que o mais importante é minimizar as ameaças. Desde logo, deve-se combater a perda, degradação e fragmentação de habitat destes animais, através da mitigação e compensação dos impactos provocados por grandes empreendimentos como barragens e auto-estradas e pela expansão urbana e industrial.

Mas não só. Este biólogo avança com mais quatro medidas importantes: diminuir o uso de pesticidas; criar pontos de água em zonas florestais e em redor destes espaços verdes; promover a agricultura e o pastoreio extensivos como práticas sustentáveis; aumentar a disponibilidade de refúgios, através do controlo de atividades humanas em abrigos subterrâneos importantes para a conservação dos morcegos.

O Laboratório de Ecologia Aplicada da UTAD está a investigar quais são os efeitos que as alterações climáticas podem ter na hibernação dos morcegos, em particular nas regiões mediterrânicas.

“Sabe-se que uma maior frequência, intensidade e duração de eventos extremos de calor no Inverno podem ter uma influência significativa na duração e continuidade do período de hibernação dos morcegos, aumentando a frequência de episódios de atividade nesta estação e a necessidade de procurarem precocemente alimento e/ou abrigos alternativos mais adequados”, indica a equipa.

2. Mamíferos carnívoros e ungulados

a cabeça de um arminho em grande plano
Arminho (Mustela erminea). Foto: Keven Law/Wiki Commons

Nuno Negrões, investigador do CESAM da Universidade de Aveiro que estuda os mamíferos carnívoros e os ungulados (mamíferos de casco), sublinha que é importante conhecer mais sobre algumas destas espécies – um objectivo para o qual poderá contribuir o projecto do Livro Vermelho dos Mamíferos. Entre os mamíferos carnívoros contam-se o arminho, a marta, o toirão e o gato-bravo, enquanto que o javali, a cabra-montês e o veado-vermelho pertencem ao grupo dos angulados.

“Conhecemos muito pouco sobre o estado de algumas populações e como não existe um programa de monitorização a longo prazo, excepto no caso do lobo e do lince, é difícil identificar o impacto imediato de alguns factores que podem causar o decréscimo das populações”, refere este biólogo.

“Enquanto investimos em conhecer mais sobre estas espécies, é também importante trabalhar na divulgação e educação para que toda a sociedade saiba da ocorrência destas espécies, da sua importância e porque temos que as preservar”, salienta Nuno Negrões.

3. Mamíferos marinhos

golfinho comum
Golfinho-comum (Delphinus delphis). Foto: NOAA NMFS

De acordo com Marisa Ferreira, da Mesocosmo, a situação também é preocupante nos mamíferos marinhos. Um dos fatores de ameaça e que necessita rapidamente de soluções é a “captura acidental em artes de pesca de algumas espécies de cetáceos (boto e golfinho-comum), especialmente nos sítios Natura 2000 definidos para a protecção” destes animais.

Uma monitorização contínua destas capturas acidentais, a implementação e avaliação de medidas de mitigação das mesmas e a monitorização do cumprimento dos regulamentos aplicados às pescas poderiam, por si só, diminuir a captura acidental de cetáceos, defende esta investigadora. 

Outra ameaça importante é a poluição dos ecossistemas marinhos, avisa Marisa Ferreira, que explica que os mamíferos marinhos são predadores de topo e por isso acumulam vários tipos de poluentes, o que tem implicações para a saúde destes animais.

“As obras hidráulicas marinhas e novas formas de utilização do mar – produção de energia eólica e outras fontes de energia renovável – poderão ser também factores de ameaça, uma vez que há o risco de colisão, emaranhamento, perturbação/exclusão por ruído e diminuição de habitat favorável, entre outros”, acrescenta a investigadora, que acrescenta que “a observação da vida selvagem, se não cumprir com as regras definidas, pode ser também um factor de ameaça”.

Por fim, a diminuição dos ‘stocks’ de peixe devido a acções humanas ou às alterações climáticas “pode traduzir-se num risco elevado para diversas espécies marinhas.”

4. Pequenos mamíferos

Musaranho-anão-de-dentes-vermelhos (Sorex minutus). Foto: Sophie von Merten

“Apesar da sua diversidade e importância ecológica, existe ainda um desconhecimento considerável sobre a situação de muitas espécies de pequenos mamíferos em Portugal”, considera por sua vez Ricardo Pita, investigador da Universidade de Évora. 

A situação, “em muitos casos, impossibilita a avaliação do risco de extinção ou do estado de conservação. Isso mostra a importância de projetos como o da revisão do Livro Vermelho para tentar colmatar estas lacunas, assim como a necessidade de mais estudos que permitam avaliar alterações na distribuição e tendências populacionais de pequenos mamíferos”, refere.

Sobre as principais medidas para proteger estas espécies, este investigador destaca “a manutenção de um mosaico de habitats diversificado, de regimes de pastoreio extensivo e a promoção da conectividade entre microhabitats”.

“Paralelamente, também será necessário o desenvolvimento de estudos de longo termo que permitam a monitorização das populações e assim uma identificação mais informada sobre as respostas das espécies às alterações ambientais, locais e globais.”


Este projeto é co-financiado pelo POSEUR, Portugal 2020, União Europeia – Fundo de Coesão e pelo Fundo Ambiental. Tem como beneficiário a FCiências.ID – Associação para a Investigação e Desenvolvimento de Ciências e como parceiro o ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas. A coordenação científica é do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) e do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (cE3c) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e conta como parceiros de execução com a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Universidade de Aveiro (UA), Universidade de Évora (UE), ICETA – Instituto de Ciências, Tecnologias Agrárias e Agroambiente da Universidade do Porto (CIBIO-InBIO) e Mesocosmo – Consultoria, Tecnologia e Serviços Científicos. 

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.