lobo ibérico
Lobo ibérico conservado no Museu de História Natural, Lisboa. Foto: Joana Bourgard

Península Ibérica tem a população de lobo mais isolada no mundo

Os lobos da Península Ibérica vivem em subpopulações fragmentadas e sem qualquer ligação entre si. Em nenhum outro sítio do mundo há isolamento maior, descobriram investigadores portugueses e espanhóis.

 

A equipa de biólogos terminou a campanha de captura de lobos de 2018 no final de Setembro. De Julho a Setembro, os investigadores do CIBIO-InBIO (Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos) percorreram o território do lobo no Alto Minho à procura de animais para capturar e recolher informação.

O Alto Minho é uma das regiões de Portugal onde vive o lobo-ibérico (Canis lupus signatus), espécie protegida e o único membro que resta da família dos grandes predadores de Portugal. Hoje apenas existem lobos no Alto Minho, Trás-os-Montes e numa região a Sul do Douro.

Mas nem sempre foi assim. Até aos anos 30 do século XX, o lobo-ibérico distribuía-se por todo o país, até ao Algarve.

Hoje, chegar aos animais não é fácil. Por terrenos difíceis, os biólogos fazem estações de escuta e de espera. Um dos objectivos é descobrir quantas crias nasceram este ano. “Só conseguimos confirmar as crias de quatro alcateias”, disse então à Wilder Helena Rio Maior, bióloga que estuda lobos há 16 anos.

Os biólogos tiveram sorte. Capturaram uma cria – da qual recolheram amostras de sangue para descobrir quem são os seus pais – e um adulto. A este chamaram-lhe Minho. Hoje o Minho, um macho sub-adulto da Serra da Arga, tem uma coleira GPS que permite aos biólogos acompanhar as suas viagens.

Minho é um lobo que ajuda a cuidar das crias da sua alcateia. “É como uma babysitter, leva alimento para os mais novos”.

No final de Setembro e início de Outubro, as crias saem dos locais de cria e seguem os adultos. Dirigem-se para novos locais, chamados “rendez-vous”, onde aprendem a caçar. E a brincar. Mas aqui os riscos são maiores. Estes lobinhos inexperientes estão mais expostos aos perigos.

Um artigo publicado a 20 de Setembro na revista Scientific Reports por investigadores do CIBIO-InBIO e da Universidad de Oviedo (Espanha) revelou outros perigos para o lobo na Península Ibérica, até agora desconhecidos.

 

Fiel à terra onde nasceu

O lobo-ibérico apenas vive em Portugal e Espanha, no Norte da Península Ibérica. A população ibérica está estimada em cerca de 2.000 lobos em 350 alcateias, num território de 140 mil quilómetros quadrados.

Hoje conhecem-se 11 grupos genéticos (lobos que vivem em determinada região): quatro em Portugal – um no Alto Minho, dois em Trás-os-Montes e um a Sul do Douro – e sete em Espanha – dois na Galiza, quatro nas Astúrias e um em Castela-Leão.

Mas é muito raro haver cruzamentos de lobos entre estes grupos genéticos, revelou o estudo científico.

Dispersar e deixar descendência em territórios distantes é uma característica comum a muitos mamíferos carnívoros. Mas os lobos da Península Ibérica parecem ser pouco aventureiros e muito poucos são os indivíduos que abandonam a região onde nasceram. O resultado é um conjunto de pequenas populações mais isoladas do que o esperado.

“Os resultados mostram níveis relativamente baixos de transferência de genes entre populações e curtas distâncias de dispersão”, disse, em comunicado, Pedro Silva, investigador do CIBIO-InBIO e primeiro autor do estudo.

Os investigadores chegaram a esta conclusão através de um estudo à população ibérica que combinou análises ao ADN – estruturação das populações e os padrões de transferência de genes entre elas – e dados de seguimento de lobos através de dispositivos de localização, ao longo de 20 anos.

Poucos lobos abandonam a região onde nasceram. Na verdade, só dois dos 85 lobos seguidos graças a dispositivos de localização entre 1982 e 2015 se sobrepuseram geneticamente.

Raquel Godinho, investigadora do CIBIO-InBIO que trabalha em genética de populações e que participou no estudo, explicou à Wilder que foram analisados dados de 85 lobos (39 fêmeas e 46 machos; 41 com menos de dois anos de idade) com colares VHF ou GPS-GSM.

Além disso, os investigadores analisaram 289 amostras de tecidos recolhidos entre 1995 e 2014 na Península Ibérica de animais encontrados mortos (atropelados ou caçados ilegalmente).

“Este estudo trouxe um conhecimento que não tínhamos”, disse Raquel Godinho. “Pensávamos que tínhamos uma única população de lobo, que era tudo igual, que os lobos passavam a fronteira. Agora sabemos que não é assim. E não é assim muito seriamente.”

No geral, os lobos são uma espécie territorial, amplamente distribuída e que se move ao longo de longas distâncias. Por isso, os investigadores foram surpreendidos pelo número elevado de grupos genéticos numa área relativamente pequena (140.000 quilómetros quadrados) e pelos níveis relativamente baixos de transferência de genes entre populações e curtas distâncias de dispersão.

“Não há outro sítio no mundo com tão grande isolamento” entre as populações de lobo, salientou. “Com dados recolhidos ao longo de 20 anos e com base na literatura mostrámos que os lobos não se movem. E isto numa espécie que tem uma capacidade de dispersão impressionante.”

 

A pergunta que fica por responder

Em Portugal, o grupo de lobos do Alto Minho é dos mais pequenos, com seis alcateias. São animais que vivem confinados, assim como os animais dos outros dez grupos genéticos da Península Ibérica.

A população do lobo na Península Ibérica está isolada das outras populações de lobo na Europa. Esta população sofreu um declínio severo desde o início do século XX até aos anos 1970 por causa da perseguição intensa. Nas últimas décadas, a população tem vindo a expandir-se. Mas nem em todos os locais.

Parte da população ibérica continua em declínio, especialmente a Sul do Douro e na Serra Morena.

“Há uma pergunta que não conseguimos responder: quais as condições na Península Ibérica para esta compartimentação genética?”, questionou Raquel Godinho.

“Na genética das populações, a primeira coisa que olhamos é para os constrangimentos espaciais, como montanhas e estradas, que impeçam a passagem dos animais. Mas neste caso não conseguimos explicar. Temos de ir à procura.”

Segundo Raquel Godinho, os resultados deste estudo têm implicações para a conservação do lobo-ibérico.

“Não temos estes 2.000 lobos, temos populações distantes, estanques. É muito relevante sabermos que não temos um contínuo único. O número de lobos tem de ser dividido por três ou quatro.”

Isto é um problema, acrescentou, especialmente por causa do abate ilegal e da perseguição que continua a acontecer em Portugal. “Metade dos lobos que são marcados pela Helena Rio Maior acabam mortos. É alarmante.”

“Temos a ideia de que o lobo é uma espécie protegida totalmente em Portugal. Mas na verdade temos índices de abate, provavelmente, maiores do que em Espanha onde se pode caçar lobo. É mesmo grave. Não temos uma espécie protegida.”

Para esta investigadora, ainda há muito trabalho a fazer. Como saber mais sobre a espécie. “Ainda sabemos pouco sobre o lobo em Portugal. Ainda há muito por descobrir, o que é divertido.”

E salientar a importância cada vez maior de “accionar medidas para proteger os locais de reprodução”.

Há 11 anos que Raquel Godinho coordena o acompanhamento genético na equipa de monitorização do lobo-ibérico no CIBIO-InBIO. “A genética permite conhecer cada lobo em cada local e dar-lhe um nome, uma família. É um novo patamar de conhecimento, que complementa o trabalho de campo.”

Raquel Godinho reconhece que, a nível profissional, não tem a mesma paixão do que os seus colegas biólogos que estudam o lobo há muitos anos. Mas “o lobo é a minha espécie modelo e dá-me muitas perguntas para poder responder”.

“A nível pessoal, penso que o lobo é uma das espécies mais conhecidas no país, por boas e más razões. É das mais acarinhadas ou odiadas. Mais importante, é a espécie ideal para ser o chapéu de conservação de todas as espécies que é difícil receberem atenção, desde os escaravelhos aos ratinhos que normalmente geram gozo.”

“Todos acham o lobo importante. O lobo pode ser o chapéu de tudo o que precisamos fazer em conservação da natureza. Pode ser a forma de conseguirmos chegar às outras espécies.”

 

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Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.