Lobos do Alto Minho surpreendem biólogos que os acompanham há doze anos

Uma equipa de investigadores andou no campo para descobrir como lidam os lobos com a pressão humana durante a época de reprodução. Os dados que recolheram, e que os surpreenderam, podem ajudar a conservar o único grande predador de Portugal.

 

O lobo-ibérico (Canis lupus signatus), espécie protegida, é o único membro que resta da família dos grandes predadores de Portugal.

 

Lobo após captura e colocação de colar GPS. Foto: Ricardo Brandão

 

Desde os anos 30 do século XX, a espécie tem vindo a recuar até ao Norte do país, desaparecendo de zonas como o Algarve e o Alentejo. Hoje a área de distribuição concentra-se acima do rio Douro – ainda que exista uma população mais restrita a Sul do rio – e é considerada estável.

“Na Península Ibérica temos condições únicas, extremamente humanizadas, das mais humanizadas onde o lobo persiste”, diz à Wilder Helena Rio-Maior, bióloga do CIBIO-InBIO (Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos) e autora do estudo, publicado no final de Março na revista científica Mammalian Biology.

O lobo é um dos grandes carnívoros que partilha paisagens com humanos. Mas pouco se sabe sobre o seu comportamento reprodutor, sobretudo em paisagens com muita pressão populacional humana. O Alto Minho foi a zona de estudo para esta investigação, onde os lobos vivem num território com aldeias, zonas agrícolas, matos, carvalhos e florestas, criação de gado extensivo, turismo, caça, estradas e parques eólicos.

“A nossa grande questão foi como se comportam os lobos durante a sua época de reprodução (de Maio a Outubro), um momento de máxima importância e vulnerabilidade para a espécie, em circunstâncias extremas de presença e perturbação humana”, acrescenta a bióloga que estuda o lobo-ibérico há 16 anos.

 

Fêmea de lobo com cria. Foto: Artur V. Oliveira

 

Isto porque, salienta, “existem muito poucos estudos sobre este tema e nenhum com as particularidades da nossa paisagem Ibérica que, pelas suas características, poderia desencadear uma resposta comportamental por parte dos lobos”.

Por isso, entre Agosto de 2008 e Outubro de 2013, esta equipa acompanhou 11 lobos – quatro fêmeas reprodutoras, quatro não reprodutoras e três machos não reprodutores – de cinco alcateias do Alto Minho.

 

Recolha de amostras de sangue em lobo marcado com colar GPS. Foto: Mónia Nakamura

 

Graças às coleiras GPS, a observações visuais e a mais de 120 sessões de escutas e esperas, os biólogos provaram a dedicação de toda a alcateia ao cuidado das crias e a tolerância à pressão humana nos seus habitats.

“O lobo tem o mais complexo sistema social entre os mamíferos carnívoros”, explica Helena Rio-Maior. “Há comportamentos cooperativos para caçar e cuidar das crias, mais concretamente na obtenção de alimento e na sua protecção a ameaças externas. Todos cooperam para o objetivo último de sobrevivência das crias do ano.” A alcateia tem um casal reprodutor, muito fiel que, por norma, só com a morte não se mantém.

Este estudo permitiu concluir que os lobos em Portugal nascem tardiamente (finais de Maio), contrariando todos os resultados obtidos para América do Norte e Eurásia, onde a espécie se distribui. São desconhecidas as razões, mas pensa-se que poderão estar relacionadas com a maior disponibilidade de presas domésticas por essa altura.

 

Helena Rio-Maior. Foto: Mónia Nakamura

 

Além disso, avança o estudo, as fêmeas reprodutoras restringiram os seus movimentos em redor das tocas na época de cuidado às crias, permanecendo em média a dois quilómetros da toca.

“Percebemos que existe uma grande dedicação por parte das mães que, durante a amamentação, passam grande parte do tempo com as crias”, explica Helena Rio-Maior. “Afastam-se no máximo dois quilómetros. A possibilidade de quantificação desta área de máxima vulnerabilidade em torno dos locais de reprodução e durante essa ápoca tem uma grande importância em termos de gestão e conservação.” Actualmente, a autoridade para a Conservação da Natureza prevê a protecção de um raio de um quilómetro em redor dos locais de reprodução, concluindo-se agora que é insuficiente.

“Seria fundamental que nessas áreas próximas de locais de reprodução e durante o período de dependência das crias, não ocorressem factores de perturbação acrescidos, como infraestruturas, turismo e caça, por exemplo”, defende a bióloga.

Numa alcateia não é apenas a progenitora a cuidar das crias. “Fomos surpreendidos também pela dedicação das fêmeas não reprodutoras, mas em especial dos machos não reprodutores, com as mais elevadas taxas de dedicação descritas, que permanecem próximo da zona”.

 

Tolerantes q.b.

Quando nascem, as crias de lobo-ibérico permanecem em tocas. “Normalmente são locais muito fechados, debaixo de pedras, com muitos arbustos e em zonas declivosas”, conta Helena Rio-Maior. Depois, as crias são levadas para outros locais, chamados “rendez-vous” (locais de encontro). “É que as crias precisam de zonas um pouco mais abertas onde podem brincar e ter comportamentos de jogo.” Estes lugares são zonas altas na montanha, com menos arbustos, onde há mais espaço para correrias.

No artigo, os investigadores concluem que “apesar de os lobos em paisagens perturbadas terem uma tendência para selecionar zonas longe das áreas usadas por humanos, há provas de que quando essa zona é selecionada eles podem ser surpreendentemente tolerantes”.

Ainda assim, os biólogos detectaram perturbações durante os anos de trabalho de campo. Como o caso das crias que foram levadas para local seguro porque um incêndio estava a aproximar-se da sua toca. E também de duas crias que morreram atropeladas.

Este estudo fez parte de uma investigação maior que pretende descobrir como são os comportamentos e movimentos de lobo-ibérico em paisagens humanizadas. E ainda há trabalho a fazer.

 

Espera para observação de lobos. Foto: Carla Marques

 

Os investigadores sublinham que não se sabe ainda “se a perturbação humana afecta mesmo o sucesso reprodutor” dos lobos-ibéricos, ou seja, se nascem menos crias e se têm menores taxas de sobrevivência. Toda a informação é crucial para “identificar medidas de gestão para promover a convivência de animais selvagens e humanos”, numa “partilha da paisagem”.

Ainda assim, quem estuda o lobo-ibérico não tem vida fácil. “É muito difícil obter dados” e “o trabalho é muito pouco produtivo”. “As campanhas de capturas de animais demoram muito tempo”, diz a bióloga. Os lobos são muito difíceis de capturar, “são muito desconfiados, é um mecanismo de defesa”. Tanto é que, “em média capturámos dois lobos por ano.”

Mas o grande problema é a perseguição ao lobo e o furtivismo. “Estes são animais muito perseguidos. Metade dos animais que conseguimos capturar e começar a seguir foram mortos. O último animal capturado só nos deu duas semanas de dados. Além de ser um problema grave para a espécie, é um problema prático para os biólogos.”

 

Lobo capturado para colocação de colar GPS e monitorização de sinais vitais. Foto: Mónia Nakamura

 

Para o futuro, Helena Rio-Maior salienta a necessidade de marcar mais lobos. De momento não há nenhum animal marcado. “Temos falhas de amostra, por exemplo não temos machos reprodutores marcados, e também não sabemos quantas crias nascem e quantas sobrevivem.”

Agora, em plena época de reprodução do lobo, não é tempo de capturas. Ainda assim, os biólogos andam pelo campo. Estão à procura de indícios de presença para continuar a aumentar o conhecimento que temos sobre o lobo e da sua importância nas paisagens.

 

[divider type=”thick”] Perfil do investigador.

WILDER: O que fazes?

Helena Rio-Maior: Atualmente trabalho num projeto de monitorização do lobo no Alto Minho ‘Investigação aplicada à Conservação do lobo no Noroeste de Portugal’ pelo CIBIO/InBIO e, paralelemente, finalizo o doutoramento em Biodiversidade, Genética e Evolução pela Universidade do Porto e CIBIO. Neste plano doutoral propus-me averiguar os determinantes comportamentais e ecológicos da persistência de grandes carnívoros em paisagens altamente humanizadas, tendo como base o caso de estudo dos lobos no Noroeste da Península Ibérica.

W: Onde e quando começaste?

Helena Rio-Maior: Iniciei o meu trabalho na conservação do lobo através do Grupo Lobo/FCUL na população de lobos mais ameaçada do nosso país, a população a sul do rio Douro, em 2002/2003. No Alto Minho, região onde atualmente trabalho, iniciei também um projeto do Grupo Lobo em 2004/2005.

W: Como aprendeste a fazer este trabalho?

Helena Rio-Maior: Estudar o lobo implica estar à vontade com diversas e muito específicas metodologias de trabalho de campo. É sempre por aí que tudo começa! A boa vontade mas, sobretudo, a paixão pelo que fazem, dos colegas mais experientes foi determinante. Realço a primeira pessoa que me pôs em contacto com este tipo de trabalho, a colega e amiga Sara Roque. Também todos os colegas ‘lobeiros’, tanto portugueses como espanhóis, foram sempre muito generosos comigo! De resto, aprendi errando muito!

W: Quando começaste, o que pensavas que querias fazer?

Helena Rio-Maior: Exatamente o que faço, à exceção do doutoramento que inicialmente não era um objetivo. Tenho muita sorte, na verdade!

W: O que ainda te falta fazer?

Helena Rio-Maior: Para já gostava de completar o ‘retrato’ ecológico desta população lupina, com um foco especial na mortalidade ilegal que constitui um problema grave e provavelmente insustentável. Não digo concluir o ‘retrato’ porque se há coisa que aprendi é que à medida que se avança no conhecimento, mais questões surgem!

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.