Projecto para salvar peixe ameaçado de extinção em Portugal prolongado até Dezembro

O LIFE Saramugo, projecto que está a recuperar o habitat deste peixe Criticamente Em Perigo de extinção no Alentejo, deveria ter terminado em Janeiro mas viu aprovado o pedido de extensão até Dezembro deste ano.

 

Melhorar as condições de vida do saramugo nas ribeiras do Alentejo é, desde Julho e 2014, a grande missão do LIFE Saramugo, projecto da Liga para a Protecção da Natureza (LPN) e que recentemente foi distinguido pelos prémios Guarda-Rios 2018.

O saramugo (Anaecypris hispanica), de tons prateados e rosados, raramente ultrapassa os sete centímetros de comprimento. Vive apenas em troços dos rios e ribeiras Ardila, Chança, Foupana, Vascão e Odeleite. A poluição da água, as barragens e açudes, a sobre-exploração dos recursos hídricos, a destruição da vegetação das margens e a extracção de areias e as espécies exóticas invasoras tornaram o saramugo no peixe nativo mais ameaçado de extinção na Península Ibérica.

A sua grave situação, com populações cada vez mais pequenas, está reconhecida em Portugal desde o início da década de 90. Hoje é considerado Em Perigo a nível global e Criticamente em Perigo em território português.

Desde Julho de 2014 há um projecto de conservação para melhorar o habitat do saramugo. Deveria ter terminado em Janeiro deste ano mas ainda havia trabalho a fazer. “As acções de gestão do habitat atrasaram-se, por vários motivos alheios à vontade da equipa”, explicou recentemente à Wilder o LIFE Saramugo. Por isso foi pedido um prolongamento até Dezembro. E foi aprovado.

Até ao final do ano, a equipa do projecto vai fazer um desassoreamento e instalar um dispositivo para reter peixes exóticos em barragens. De momento está a ser removido o canavial e a serem plantadas arbustos e árvores autóctones nas margens das ribeiras. Também estão a ser instaladas passagens canadianas para minimizar o impacto do gado nas ribeiras com saramugo e acções de educação ambiental nas escolas locais.

Ainda para 2018 estão previstas acções de formação para “melhorar a capacidade de resposta das entidades responsáveis pela fiscalização e aplicação do enquadramento legal e sua adequação à conservação do saramugo”.

Ao longo do ano, o LIFE Saramugo quer também lançar uma campanha de sensibilização junto dos produtores agro-pecuários e os pescadores, por serem “grupos-alvo específicos com atividades que têm direta ou indiretamente maior impacte sobre as comunidades piscícolas da bacia do Guadiana”. O objectivo, explica a equipa do projecto, é “criar laços de confiança que possibilitem o maior envolvimento e cooperação destes atores na conservação dos recursos naturais da sua região”.

E nos dias 27 a 29 de Setembro vai realizar-se em Évora o Simpósio para a Conservação de Peixes de Água Doce e Reabilitação de Habitats para debater ideias e trocar conhecimentos.

 

Vitórias e desafios até agora

Para estes conservacionistas dedicados ao saramugo, “um dos maiores desafios alcançados, e uma das maiores vitórias, foram sem dúvida os protocolos de colaboração com os proprietários de terrenos adjacentes a ribeiras onde o saramugo ocorre, no sentido de concretizar medidas de gestão no habitat ribeirinho”.

Estes protocolos já permitiram, por exemplo, desassorear um pego “onde a deposição de sedimentos no leito levava a que tivesse um menor volume de água disponível para a fauna piscícola no Verão”. E permitiram ainda remover canavial e recuperar a vegetação ribeirinha num troço da ribeira do Vascão e melhorar o coberto arbóreo e arbustivo num troço da ribeira do Murtigão, onde a vegetação estava muito degradada ou era mesmo inexistente.

Entre os exemplos do que foi feito graças à colaboração dos proprietários está também a instalação de um dipositivo de retenção de peixes exóticos no descarregador de superfície de uma barragem junto ao Vascão. Isto “vai permitir controlar e reduzir a passagem de peixes exóticos para a ribeira, sempre que haja uma descarga na barragem”, explica a equipa. “Todas estas medidas melhoram substancialmente o habitat do saramugo e consequentemente influenciam a sua conservação e prosperidade a médio-longo prazo.”

Estes anos de trabalho pelo saramugo resultaram também numa outra “grande vitória”, a remoção de espécies piscícolas exóticas. Nas três campanhas anuais realizadas pelos biólogos e voluntários do LIFE Saramugo foram removidos 18.988 exemplares de peixes exóticos, espécies que competem com as nativas “por espaço, refúgio e alimento”, além de “exercerem um efeito predatório sobre elas”.

A remoção de espécies exóticas – como a perca-sol (Lepomis gibbosus), o achigã (Micropterus salmoides) e o chanchito (Australoheros facetus) – faz-se no Verão. É nesta altura que há menos água para todos os organismos aquáticos. Isto “faz com que a pressão que estas espécies exercem sobre as nativas seja muito inferior e dá-lhes uma hipótese de sobreviverem até terem início as primeiras chuvas e a continuidade fluvial ser restabelecida”.

 

E depois de Dezembro de 2018?

A equipa do projecto vai elaborar um Plano de Conservação Pós LIFE, com “medidas que assegurem a continuidade das ações do projeto e a conservação do saramugo a longo-termo”. Esse plano “garantirá que os esforços e resultados obtidos constituirão apenas uma base de trabalho para uma estratégia de conservação mais ampla para a conservação do saramugo em Portugal”, concretamente no troço inferior da bacia do Guadiana.

A ideia é que “o trabalho em prol da conservação do saramugo e da restante fauna piscícola continue”, quer seja por “novos projetos, quer seja através do trabalho do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), responsável pela implementação das políticas de conservação da natureza e com a gestão das espécies de flora e fauna selvagens”.

Ainda assim, há uma ameaça no horizonte que pode ter um impacto nestes esforços: a seca. Segundo a equipa do LIFE Saramugo, há efeitos negativos previsíveis. “Nos casos de seca extrema, em que os pegos sequem, os organismos aquáticos, entre os quais os peixes, que aí se encontrem não sobrevivem. E mesmo quando os pegos não secam, a qualidade da água pode deteriorar-se de tal forma que provoca mortalidades elevadas.”

Muitas vezes, a seca pode tornar as ribeiras em locais inóspitos. “A vegetação ribeirinha geralmente resiste a estas situações extremas, pois através das raízes consegue utilizar água que disponível abaixo da superfície. Mas até esta água pode escassear e provocar mortalidade entre as plantas.”

“Em Fevereiro deste ano, a maioria das ribeiras que visitámos na bacia do Guadiana ainda não corriam, (…) fazendo lembrar os meses de maior calor, como Julho e Agosto”, recordam os peritos. “Em alguns pegos observou-se ainda alguma mortalidade de peixes, principalmente de espécies nativas, que poderá estar relacionada com a qualidade da água, em especial pelos baixos níveis de oxigénio que terão ocorrido.”

“Só em Março, com a chegada (tardia) das chuvas, é que se restabeleceu a continuidade fluvial das ribeiras.”

Mesmo a tempo para tornar possível a migração reprodutiva do saramugo, que acontece entre Abril e Maio. Por esta altura, estes peixes deslocam-se para as zonas de maior caudal e profundidade mais reduzida para se reproduzirem e fazerem as posturas.

Os conservacionistas estarão de olhos atentos para saber o que está a acontecer a esta espécie que, em 2005, teria cerca de 10.000 peixes em Portugal e em 2010 cerca de 5.000. Segundo o LIFE Saramugo, há subpopulações onde o número de animais já estará abaixo do limiar de sobrevivência da espécie.

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

Estas são as oito espécies de peixes de água doce mais ameaçadas de Portugal, com estatuto de Criticamente Em Perigo de extinção:

  • Lampreia-de-rio (Lampetra fluviatilis)
  • Saramugo (Anaecypris hispanica)
  • Boga do Sudoeste (Chondrostoma almacai)
  • Boga portuguesa (Chondrostoma lusitanicum)
  • Escalo do Arade (Squalius aradensis)
  • Escalo do Mira (Squalius torgalensis)
  • Salmão do Atlântico (Salmo salar)
  • Truta-marisca (Salmo trutta)

 

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Saiba mais sobre o saramugo e os esforços para o conservar.

 

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Aqui ficam cinco ideias para descobrir a vida selvagem das ribeiras.

Pedras nas margens de uma ribeira

 

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.