Quatro peixes que estão a desaparecer dos nossos rios

Um terço das espécies de peixes de água doce está em vias de extinção no mundo. Em Portugal há pelo menos quatro espécies que estão, silenciosamente, a desaparecer dos nossos rios, alerta um novo relatório dedicado a estas espécies.

Uma em cada três espécies já está ameaçada de extinção, de acordo com o relatório “Peixes Esquecidos do Mundo”, publicado a 23 de Fevereiro pela Alliance for Freshwater Life, que reúne 16 organizações internacionais de conservação, incluindo a WWF.

Truta a tentar saltar uma barreira feita pelo Homem num rio da Finlândia. Foto: Petteri Hautamaa/WWF Finlândia

Em Portugal, as populações de sável, lampreia-marinha, salmão e enguia “registam já uma diminuição acentuada”, revela o relatório, que alerta para a “enorme perda de biodiversidade de espécies de água doce”.

Estas espécies estão a perder os seus habitats por causa da construção de barreiras nos cursos de água, da extração de inertes, da poluição e da pesca comercial desajustada e sem obrigação de declaração.

Hoje, os peixes de água doce são o grupo ecológico mais ameaçado do nosso país.

Acará-severo (Heros severus) num afluente do rio Tapajos, no estado do Pará, Brasil. Foto: Michel Roggo/WWF

“Espécies como o sável, a lampreia-marinha e o salmão têm visto as suas populações diminuírem devido à inacessibilidade dos locais de desova”, constatou Cláudia Correia, especialista em Gestão Pesqueira de Base Comunitária. Por outro lado, acrescentou, a sobrepesca e as actividades de pesca ilegais contribuem para o declínio da enguia. “A pesca ilegal (de meixão, enguia juvenil), apesar de estar regulamentada como crime, continua a ter uma forte expressão.”

De 2019 a 2021, equipas de peritos de várias universidades estão a fazer o retrato actualizado da situação destes animais selvagens, num novo Livro Vermelho. Estão a trabalhar para sabermos onde estão, quantos são e quão ameaçados se encontram os peixes de água doce e migradores em Portugal Continental.

“O indicador mais claro dos danos que estamos a causar nos nossos rios, lagos e zonas húmidas é o rápido declínio das populações de peixes de água doce”, disse, em comunicado, Afonso do Ó, especialista em Água da ANP|WWF.

Actualmente existirão no mundo 18.075 espécies de peixes de água doce. Este número representa mais de metade de todas as espécies de peixes do mundo e um quarto de todas as espécies de vertebrados na Terra, segundo este novo relatório. É uma “variedade extraordinária”.

Guarda-rios (Alcedo atthis) a pescar um pequeno peixe em Balatonfuzfo, Hungria. Foto:  Laszlo Novak/WWF

A pesca em água doce é a principal fonte de proteína para 200 milhões de pessoas na Ásia, África e na América do Sul, bem como empregos e meios de subsistência para 60 milhões de pessoas.

As populações saudáveis de peixes de água doce também sustentam duas enormes indústrias globais: a pesca recreativa gera mais de 100 mil milhões de dólares anuais, enquanto os peixes de aquário são os animais de estimação mais populares do mundo e impulsionam um comércio global estimado em até 30 mil milhões de dólares.

Os peixes de água doce são extremamente importantes para comunidades locais em todo o mundo. Mas apesar disso, estas espécies “são invariavelmente esquecidas e desconsideradas sempre que são tomadas decisões relativas a barragens hidroelétricas ou à utilização de água”, salientou Afonso do Ó.

A perda de biodiversidade de água doce é duas vezes superior à dos nossos oceanos ou florestas.

De facto, 80 espécies de peixes de água doce já foram declaradas Extintas pela Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), incluindo 16 só em 2020.

Esturjão-branco (Huso huso). Foto: Lubomir Hasek/WWF

As populações de peixes migradores de água doce diminuíram 76% desde 1970 e os grandes-peixes, uns catastróficos 94%.

Em Julho do ano passado, um relatório alertou que há cada vez menos peixes migradores nos rios do planeta. A abundância de peixes como a truta, o salmão ou o peixe-gato do Amazonas registou um declínio mundial de 76% nos últimos 50 anos.

O relatório identificou as principais ameaças aos peixes de água doce, e “às quais Portugal não escapa”: destruição de habitats, barragens e outras barreiras em rios de curso livre, captação de água para irrigação e poluição doméstica, agrícola e industrial.

Além disso, os peixes de água doce também estão em risco devido à pesca excessiva e às práticas de pesca destrutivas, à introdução de espécies não nativas invasoras e aos impactos das alterações climáticas, bem como à extração não sustentável de areia e crimes contra a vida selvagem. 

“Há uma longa lista de ameaças, mas há também soluções e 2021 oferece uma esperança real para que o mundo possa inverter a maré e começar a reverter décadas de declínio das populações de peixes de água doce”, escreve a ANP|WWF.

De acordo com esta organização, “o mundo deve aproveitar a oportunidade para assegurar um acordo global ambicioso sobre biodiversidade na conferência da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica em Kunming, China – um acordo que deve, pela primeira vez, prestar tanta atenção à proteção e restauração dos nossos sistemas de apoio à vida em água doce como à proteção de florestas e oceanos do mundo”.

Chrosomus tennesseensis. Foto: Freshwaters Illustrated

Para Afonso do Ó, “a boa notícia é que hoje sabemos o que é preciso fazer para salvar os peixes de água doce. Assegurar um Novo Acordo para os ecossistemas de água doce do mundo irá trazer vida de volta aos nossos rios, lagos e zonas húmidas em vias de extinção”.

Também “retirará espécies de peixes de água doce da ameaça de extinção – assegurando alimentos e empregos para centenas de milhões de pessoas, salvaguardando ícones culturais, aumentando a biodiversidade e melhorando a saúde dos ecossistemas de água doce que sustentam o nosso bem-estar e prosperidade”, acrescentou Afonso do Ó.

A organização pede aos Governos para se comprometerem com metas para a protecção e restauro dos ecossistemas de água doce.

“Precisamos também de ver parcerias e inovação através de ações coletivas envolvendo Governos, empresas, investidores, sociedade civil e comunidades, à semelhança do trabalho de parceria que a Rede Douro Vivo, à qual a ANP|WWF pertence, fez nos últimos anos na bacia hidrográfica do Douro”, disse Afonso do Ó.

Mas há outros exemplos do que se faz em Portugal. Como os sete troços dos rios Alcabrichel e Sizandro, no concelho de Torres Vedras, que foram melhorados para conservar o ruivaco-do-oeste (Achondrostoma ocidentale), um dos peixes de água doce mais ameaçados de Portugal.


Já que está aqui…

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Marco Nunes Correia é ilustrador científico, especializado no desenho de aves. Tem em mãos dois guias de aves selvagens e é professor de desenho e ilustração.

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Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.