Garça-real (Ardea cinerea). Foto: Pierre Dalous/Wiki Commons

SPEA acusa autoridades de nada fazerem para impedir morte de aves nas aquaculturas

Aves estão a morrer presas em redes permitidas pelo ICNF usadas em explorações de aquacultura, acusa a SPEA. De acordo com responsável do Rias, há outro tipo de redes, já usadas na Ria Formosa, que são mais seguras.

 

Garças, águias e outras aves, incluindo espécies ameaçadas de extinção como a águia-de-bonelli, “passam horas em sofrimento e acabam por morrer” enredadas nas redes, afirma a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) em comunicado. Estes equipamentos são usados por cima dos tanques para evitar que as aves comam os peixes ali criados.

De acordo com a organização não governamental (ONG) portuguesa, os empresários do sector “mostram-se dispostos a procurar soluções”, mas o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas “tem ignorado o problema”, num processo “que se arrasta há meses”.

Numa visita recente a aquaculturas do estuário do Mondego, por exemplo, técnicos da SPEA depararam-se com uma realidade “chocante”. “Em apenas cinco tanques, encontrámos 17 aves mortas: pernilongo, garças-brancas-pequenas, corvo-marinho, gaivotas…” diz Domingos Leitão, director-geral da ONG, citado do comunicado. “O problema existe, é urgente implementar soluções.”

 

Ave presa em rede numa exploração de aquacultura do estuário do Mondego. Foto: Joaquim Teodósio/SPEA

 

O problema destas redes feitas de fio de pesca é o facto de serem finas e transparentes, com um fio “praticamente invisível para as aves, que continuam a ver os tanques como fonte de alimento até ser tarde demais”. “Umas ficam com cortes profundos no corpo e nas asas, chegando a morrer afogadas. Outras ficam enrodilhadas nesta armadilha e passam horas a tentar soltar-se, acabando por sucumbir à exaustão, fome e desidratação.”

 

Redes no rio Mondego. Foto: Joaquim Teodósio/SPEA

 

Para usar as redes, o aquacultor precisa da autorização do ICNF, que ao emitir a licença abre uma excepção à lei europeia da Directiva Aves, explica a ONG. Esta excepção só deveria acontecer todavia “em condições muito específicas”: o Estado português tem de provar que as aves prejudicam gravemente as aquaculturas, monitorizar os efeitos e provar que não há outra solução.

Para cumprir a legislação europeia, “teria ainda a obrigação de fiscalizar o procedimento para garantir que não sejam afectadas espécies protegidas e assegurar uma avaliação das medidas e da necessidade de as manter.” No entanto, segundo a SPEA, as autoridades portuguesas não entregam à União Europeia relatórios sobre a necessidade das redes e o impacto nas aves desde 2014. 

 

Grupo de trabalho parado desde Fevereiro

Já em Fevereiro passado, tinha sido publicamente denunciada a morte de várias aves, incluindo uma águia-de-Bonelli, uma espécie protegida, numa piscicultura da Figueira da Foz.

Estas e outras queixas, tanto de cidadãos como de associações ambientais, levaram na altura à formação de um grupo de trabalho. A 18 de Fevereiro, representantes da SPEA, da associação Milvoz, da Associação Portuguesa de Aquacultores, da Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM) e da delegação do ICNF da região Centro reuniram em Coimbra para debater o problema, mostrarando “vontade de testar e implementar soluções que permitam salvaguardar as aquaculturas sem dizimar aves”, recorda a ONG.

“No entanto, desde essa data nada mais aconteceu, e a sede do ICNF (em Lisboa), que emite as licenças, não respondeu a nenhum dos múltiplos pedidos de reunião por parte da SPEA.”

 

Outra das aves encontradas mortas por técnicos da SPEA. Foto: Joaquim Teodósio/SPEA

 

Segundo a associação, a solução pode passar pelo uso de redes pretas, que as aves conseguem ver e assim evitar, e também com malhas mais apertadas para evitar que fiquem presas. Outra medida útil é o uso de fitas coloridas ou réplicas de predadores. “Estas e outras soluções deveriam ser testadas”, consideram.

 “Os aquacultores estão dispostos a colaborar, existem soluções… e as aves continuam a morrer. É inacreditável – e inaceitável – continuarmos neste impasse”, sublinha Domingos Leitão.

 

Redes mais seguras usadas na Ria Formosa 

Mas já há quem aposte no uso de redes diferentes e seguras para as aves. De acordo com Thijs Valkenburg, do Rias – Centro de Recuperação e Investigação de Animais Selvagens, na zona do Parque Natural da Ria Formosa, é o caso da Estação Piloto de Piscicultura de Olhão. Esta unidade, onde se realizam acções de investigação, ocupa cerca de sete hectares do parque natural algarvio e é tutelada pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera.

Aqui, “mudaram as redes há oito ou nove anos” e como resultado, desde há muito que no Rias não recebem aves feridas ou debilitadas por terem ficado presas pelas redes desta piscicultura. Thijs explica que em vez de usarem redes de linhas de pesca, “mudaram para uma rede de nylon ultra-resistente ao sal”, um material que é usado por exemplo em zoos, em viveiros de galinhas e nalguns espaços do Rias.

“É uma rede mais cara e mais pesada”, concede, mas tem uma malha mais larga – 10 por 10 centímetros – e “é uma rede preta, mais escura e mais fácil de as aves a verem”. Além do mais, tem uma longa duração, adianta o mesmo responsável. “Herdámos algumas redes de um zoo que já existiu em Monchique, que já devem ter 20 ou 30 anos, e continuam em excelentes condições.”

Thijs acredita que a necessidade de maior investimento compensa, até porque hoje em dia “há muitos apoios para estações de piscicultura”. “O ideal era o ICNF, quando aprova a operação das pisciculturas, recomendar logo o uso destas redes”, acredita.

 

 

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.