Cagarra. Foto: Martin Loftus

SPEA lança campanha de donativos para noites mais amigas das aves marinhas

A Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) lançou uma iniciativa de ‘crowdfunding’ destinada a financiar diversas acções do LIFE Natura @night na Madeira e Açores, relacionadas com cagarras e outras espécies.

A campanha de financiamento “Faça o seu donativo por uma noite com vida”, iniciada a 16 de Dezembro, tinha juntado 3.232 euros até esta sexta-feira, 27 de Janeiro. Ainda com um longo caminho pela frente: até ao final do próximo mês, quando terminar, a meta deste projecto é reunir um total de 10.000 euros.

“Os donativos irão ajudar a financiar todo o nosso trabalho em torno da problemática da poluição luminosa na Madeira e Açores, no projeto LIFE Natura@night: desde salvar cagarras até trabalhar com empresas e municípios para desenvolver e implementar melhores soluções de iluminação”, explicou Cátia Gouveia, coordenadora da SPEA Madeira e deste projecto LIFE, contactada pela Wilder.

Em causa estão por exemplo as operações de salvamento que se realizam todos os anos, na altura em que as cagarras juvenis começam a deixar os ninhos, quando dezenas de voluntários – coordenados e depois de receberem formação – percorrem as ruas para “recolher, tratar (se necessário) e libertar centenas de cagarras e outras aves marinhas que ficam encandeadas” com os candeeiros de iluminação pública. As aves juvenis e ainda inexperientes desorientam-se com essas luzes, perdem-se e caem, e muitas ficam feridas ou acabam por morrer.

Foto: SPEA

Entre Outubro e Novembro, no espaço de um mês, os voluntários conseguiram no ano passado salvar 110 cagarras, que foram colocadas em pequenas caixas de cartão e libertadas na praia, junto ao mar, para onde voaram então em segurança. Estima-se que todos os anos, cerca de 1100 aves marinhas morrem na Madeira, Açores e Canárias devido à poluição luminosa.

Estudos científicos

O dinheiro reunido vai ser também aproveitado para a realização de estudos científicos sobre o impacto deste problema nas áreas protegidas tanto da Madeira como dos Açores, incluindo os morcegos e insectos – grupos que incluem espécies endémicas que só existem nestes dois arquipélagos.

“Será também aplicado no trabalho que fazemos com os municípios para implementar iluminação pública mais eficiente, mais adequada e mais bem direccionada”, indicou Cátia Gouveia, chamando a atenção para a necessidade de se produzir “legislação a nível regional” e também de criar e aplicar, para cada município, um Plano Director de Iluminação Pública que ajude a uma gestão mais eficiente e a uma maior eficiência energética.

“Além de recolher a informação técnica necessária para fundamentar essas decisões, estas mudanças requerem um grande esforço de sensibilização dos próprios decisores políticos e autoridades relevantes; são precisas muitas horas de reuniões e explicações para demonstrar a importância da poluição luminosa e trazer o tema para a ordem do dia, pois ainda não é uma problemática com a qual muita gente esteja familiarizada – embora todos soframos com ela.” E para esse trabalho, é necessário pagar recursos humanos, notou.

Por cada 10 euros, um candeeiro apagado

No âmbito da campanha, está previsto também que por cada 10 euros, seja apagado um candeeiro pelos municípios parceiros do projecto: Santa Cruz da Graciosa, nos Açores, e Santana, Machico, Santa Cruz, Funchal e Câmara de Lobos, na Madeira. Fazendo as contas aos 3232 euros até agora angariados, haverá pelo menos cerca de 300 candeeiros com “um apagão simbólico de uma noite, para mostrar como a Madeira é todas as noites inundada por luz artificial em excesso”, adiantou a coordenadora do LIFE Natura@night.

“Por uma noite, os madeirenses poderão ver a via láctea, e dormir melhor — não só por saberem que as aves marinhas estão seguras, mas também porque os ritmos biológicos dos humanos não terão de enfrentar a poluição luminosa”, defendeu a mesma responsável. “É também uma forma de mostrar aos decisores políticos o quanto a poluição luminosa preocupa os cidadãos, e que é urgente implementar iluminação pública mais eficiente: quanto mais pessoas contribuírem, maior será a dimensão deste apagão.”

Quanto ao longo prazo, o objectivo é investir numa iluminação pública “mais eficiente e direccionada”, para que deixem de estar em funcionamento candeeiros que libertam inutilmente metade da luz para o céu. “Propomos ainda eliminar luzes desnecessárias, e apagar algumas luzes nos locais, dias e horários mais críticos para as aves”.

Como escolher candeeiros

Mas como são escolhidos os candeeiros a desligar? “Em primeiro lugar temos de ter a certeza que as alterações na iluminação pública, quer sejam definitivas, quer sejam em apagões pontuais, não acarretam dificuldades à população”, sublinhou Cátia Gouveia.

Depois, a partir da informação recolhida nas acções de resgate das cagarras, e também devido aos dados obtidos por pequenos aparelhos GPS colocados nalgumas aves, identificam-se “áreas sensíveis”, que “tendem a ser problemáticas para as aves marinhas”.

“Áreas com muita luz e perto de colónias são as áreas com maiores números de aves resgatadas por voluntários e serão sempre a nossas áreas prioritárias para as intervenções”, explicou a mesma responsável, adiantando que o objectivo é com esses apagões criar “corredores seguros” para que as aves juvenis possam voar em direcção ao mar.

“Isto é algo que já temos vindo a conseguir nalguns locais nos últimos anos, e em que acreditamos que a Madeira e os Açores podem tornar-se exemplos a seguir”, salientou. “Realizando apagões nos locais, dias e horários mais cruciais, podemos criar uma espécie de ‘via verde’ segura em direcção ao mar, para que as aves marinhas jovens possam sair dos ninhos sem ficarem encandeadas”.

Além disso, completou a responsável da SPEA Madeira, com os planos directores e regulamentos, a ideia é alcançar “soluções mais duradouras e compatíveis com as atividades humana e a proteção da biodiversidade.”


Saiba mais.

Conheça melhor o projecto LIFE Natura@night, aqui.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.