Todos os 29 linces de Silves estão bem e a caminho de Espanha

Os 29 animais que estavam no Centro Nacional de Reprodução do Lince-ibérico (CNRLI) conseguiram ser retirados ontem do local pouco antes da chegada das chamas. Hoje estão bem e a ser levados para três centros em Espanha.

 

A operação de evacuação começou na terça-feira, quando as chamas ainda estavam a vários quilómetros do CNRLI. Segundo um comunicado do Ministério do Ambiente português, esta foi uma medida preventiva já prevista no Plano de Contingência, ativado desde domingo, 5 de Agosto.

A maioria dos animais, 23, foram levados dos cercados no exterior do CNRLI e postos em local mais seguro na terça-feira; os restantes seis foram recolhidos na quarta-feira, explicou hoje à TSF Rogério Rodrigues, presidente do ICNF (Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas).

“O incêndio veio atingir o centro precisamente na tarde de ontem (quarta-feira), quando já tínhamos todos os animais capturados”, acrescentou àquela rádio.

Os linces passaram esta noite no pavilhão da escola E.B. 2/3 de Lagos, em caixas individuais, tapados para não serem perturbados. Os animais estiveram “em total tranquilidade, fora do foco e atenção que pudesse prejudicá-los”, garantiu.

 

CNRLI em Silves. Foto: Joana Bourgard/Wilder

 

Hoje estão a ser transferidos para três centros espanhóis. Ao início da tarde ainda se estava a “coordenar a transferência e o numero de animais que irá para cada centro espanhol”, disse à agência espanhola EFE Miguel Ángel Simón, coordenador do projecto Iberlince, que junta a conservação desta espécie Em Perigo de extinção em Portugal e Espanha. O número de linces que cada centro irá receber “dependerá da capacidade e das condições de cada um deles”, acrescentou.

Os animais serão transportados em jaulas e caixas de transporte até Espanha, onde vão ficar até ser feita uma “avaliação dos danos” e os incêndios estarem controlados no Algarve. O fogo, que deflagrou a 3 de Agosto, já queimou mais de 20.000 hectares.

Segundo Rogério Rodrigues, as chamas destruíram grande parte das instalações exteriores do CNRLI, nomeadamente os cercados, as redes e todos os equipamentos externos de apoio.

 

Lince numa caixa de transporte, antes da sua libertação em Maio de 2017. Foto: Helena Geraldes/Wilder/arquivo

 

O transporte dos linces para Espanha é coordenado por um biólogo, um veterinário e um técnico.

De acordo com a agência EFE, citando um comunicado do Ministério espanhol para a Transição Ecológica (Miteco), 12 linces serão levados para o centro La Olivilla (Jaén), com capacidade para 23 animais, nove vão para o centro de Zarza de Granadilla, em Cáceres, com capacidade para 16 animais, e oito para o centro de El Acebuche, no Parque Nacional de Doñana (Huelva) e que tem capacidade para 18 linces.

O ministério espanhol acrescentou que colaboram nesta operação para ajudar os linces de Silves técnicos e veículos da Junta da Andaluzia, da Junta da Extremadura espanhola, do Organismo Autónomo Parques Nacionales (OAPN), agentes de segurança do Estado e técnicos da CITES (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora Silvestre).

“Neste momento temos uma importantíssima missão pela frente: em dois ou três meses refazermos os parques, para que os nossos 29 linces voltem para o nosso centro e possamos reiniciar todo o processo de reprodução de uma espécie selvagem”, acrescentou Rogério Rodrigues à TSF.

 

O CNRLI

Este é o único centro português que integra a rede ibérica de reprodução deste felino Em Perigo de extinção.

O CNRLI, na Herdade das Santinhas, foi inaugurado a 22 de Maio de 2009, como medida de compensação pela construção da barragem de Odelouca. Para trás ficaram cinco anos de preparação.

A equipa técnica instalou-se no centro a 1 de Junho de 2009 – depois de meses de formação em Espanha – e o primeiro lince, a fêmea Azahar, chegou a 26 de Outubro de 2009, vinda do Zoo de Jerez.

Lá trabalha uma equipa de 13 pessoas que garante o seu funcionamento e que é coordenada por Rodrigo Serra, veterinário e director técnico. Há 16 cercados, cada um com 1.000 metros quadrados e câmaras de video-vigilância, e com capacidade máxima para 32 linces.

O grande objectivo do CNRLI, que não é visitável, é conseguir crias saudáveis, treiná-las para a liberdade e, meses depois, soltá-las na natureza, para que novas populações de linces voltem aos territórios de onde se extinguiram há décadas.

A primeira temporada reprodutora, que aconteceu em 2009/2010, resultou em três crias que não conseguiram sobreviver. Em oito anos, 74 de 103 crias conseguiram sobreviver. Dessas 74, 11 continuam no programa ibérico de reprodução em cativeiro, distribuídas pelos cinco centros de Portugal e Espanha. As outras 63 foram reintroduzidas na natureza, como reforço das populações selvagens, quase uma média de 11 por ano.

O lince-ibérico tem tido uma história atribulada. No século XIX a população mundial da espécie estava estimada em cerca de 100.000 animais, distribuídos por Portugal e Espanha. Mas no início do século XXI restavam menos de 100. Então, os dois países juntaram-se para recuperar habitats e reproduzir animais. O programa Ex-Situ de reprodução em cativeiro é uma das peças deste quebra-cabeças conservacionista que ainda hoje não está resolvido.

Hoje, esta é uma espécie classificada desde 22 de Junho de 2015 como Em Perigo de extinção, depois de anos na categoria mais elevada atribuída pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), Criticamente em Perigo.

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

Leia a nossa série “Como nasce um lince-ibérico” e conheça os veterinários, video-vigilantes, tratadores e restante equipa do CNRLI em Silves.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.