Alburno. Foto: Carlos Carrapato

Alburno: Este invasor parece inofensivo, mas é um problema ambiental sério

Este pequeno peixe de água doce teve uma progressão “tristemente espectacular” e invadiu em menos de 10 anos quase todos os rios de Portugal.

No âmbito de uma série sobre espécies aquáticas invasoras, publicada em parceria com o projecto LIFE Invasaqua, o investigador Filipe Ribeiro, do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, explica-lhe o que se passa com o alburno:

Que espécie é esta?

O alburno (Alburnus alburnus) é um peixe de água doce de pequenas dimensões que normalmente mede entre 10 a 15 centímetros, mas pode chegar aos 25 a 30 centímetros, sobretudo em barragens. É prateado e tem uma forma muito semelhante a uma sardinha.

Alburno. Foto: Filipe Ribeiro / FRISK

É nativo de uma grande parte da Europa, desde os montes Urais até à vertente oriental dos Pirinéus (França), mas não existia naturalmente na maior parte dos países da Europa do Sul – nomeadamente nas penínsulas meridionais, como é o caso da Península Ibérica. 

Alimenta-se de zooplâncton (organismos que filtram as águas alimentando-se de microalgas), não vive mais do que cinco a seis anos e atinge a maturidade sexual logo nos primeiros anos de vida. 

Como chegou a Portugal?

A rota de invasão do alburno é em tudo semelhante às rotas de muitos outros peixes exóticos de água doce. Porém, a grande diferença é a rapidez com que invadiu quase toda a Península Ibérica. Foi inicialmente introduzido na zona espanhola da Catalunha, no início da década de 90, e introduzido noutros rios internacionais. Pouco depois, em 2000, surgiu em Portugal numa barragem do Guadiana (Caia em Campo Maior), no ano seguinte já ocorria numa barragem do Tejo (Póvoa e Meadas, Nisa) e em 2003-2004 no Sado (Barragem do Pêgo do Altar, Alcácer do Sal). Em menos de 10 anos, invadiu quase todos os rios de Portugal. 

Teve uma progressão tristemente espectacular, porque este peixe foi disperso ilegalmente por pescadores recreativos, por dois motivos. Primeiro, porque é um peixe de “forragem” para outros peixes predadores como o achigã ou o lucioperca. Segundo, é um peixe amplamente usado nas provas de pesca desportiva. Como motivou esse interesse por dois grandes grupos de pescadores, foi sendo rapidamente introduzido em quase todas as barragens, e daí invadiu os rios… 

Alburno. Foto: Carlos Carrapato

Em Portugal, aliás, este peixe tem uma enorme variedade de nomes comuns atribuídos pelos pescadores lúdicos: desde “alburno” e “ablete” – uma assimilação do nome comum em França – até “tablete” até “taliban”! Este último já pode indiciar alguma rejeição por alguns pescadores, devido às enormes abundâncias nalguns locais… 

E onde é que está presente?

Hoje em dia, existe em quase todos os rios e barragens de Portugal, desde o rio Cávado até ao Guadiana. Aparentemente não parece existir nos rios Minho, Lima, Mira e Arade, mas é possível que já tenha sido introduzido nesses locais. 

Mas qual é o problema com este pequeno peixe?

O alburno tem impactos em diferentes dimensões, desde os serviços dos ecossistemas à biodiversidade. Desde logo, por ser uma espécie planctonívora, alimentando-se de zooplâncton, diminui a densidade desses animais nas albufeiras e a capacidade depuradora que têm. O resultado é uma diminuição da qualidade da água, efeito mais sentido em barragens que já têm problemas nesse domínio e em situações de stress hidrológico.

A nível do impacto dos ecossistemas, verificamos que esta espécie hibrida frequentemente com peixes nativos – alguns deles ameaçados, como é o caso do bordalo (Squalius alburnoides), do escalo-do-sul (Squalius pyrenaicus) ou do escalo-do-norte (Squalius carolitertii). Estes episódios de hibridação já foram descritos cientificamente e ocorrem em quase todas as bacias hidrográficas do país, podendo levar à perda destas espécies nativas.

Híbrido de alburno. Foto: Paulo Pinheiro
Escalo-do-sul. Foto: Filipe Ribeiro
Bordalo. Foto: Filipe Ribeiro

Igualmente preocupante é o impacto que pode ter nas populações de saramugo (Anaecypris hispanica), perturbando o seu comportamento e reduzindo a sua capacidade de se alimentar. Num estudo recentemente realizado no âmbito do projeto LIFE Saramugo, com ambas as espécies em cativeiro, os saramugos ficaram sempre abrigados e não se alimentavam na presença do alburno. Por último, tem havido vários registos de mortalidades de alburnos em albufeiras com imensos parasitas agarrados, o que poderá sugerir que a espécie é um vector de parasitas para peixes nativos. 

E como é que pode ser detectado?

É um peixe que facilmente se observa a nadar à superfície da água nas barragens. É muito afilado, comprido e rápido. Ao nadar tem um percurso muito “errante” em que muda de direção constantemente, e se por um lado parece ser muito assustadiço, logo de seguida é curioso e aproxima-se de nós.  

Ainda se consegue controlar ou erradicar o alburno?

Neste momento, o melhor é tentar impedir que a espécie se disperse mais para os rios. E talvez tentar controlar populacionalmente esta espécie nalgumas barragens. Mas é uma tarefa muito muito difícil… 

E que cuidados devemos ter para que o problema não piore?

É importante que os pescadores reconheçam que esta espécie é um problema e que percebam que não devem introduzir mais espécies nem dispersar aquelas que já existem cá por iniciativa própria.

Isso até pode ser bom para a Pesca, mas a Pesca não é a única dimensão dos rios e das barragens, e este peixe pode causar impactos irreversíveis e custos económicos. Sobretudo, acresce mais custos no tratamento de água para beber!

É um pouco como o conto do Frankenstein… Alguém, bem intencionado, tenta fazer algo que acredita que é benéfico e bom, por iniciativa própria e não olhando a meios. Mas depois, acaba por criar um problema enorme trazendo uma espécie invasora impossível de controlar, com impactos irreversíveis para a biodiversidade e custos nos serviços dos ecossistemas.

Qual é a situação noutros sítios do mundo?

Em Espanha, os alburnos também hibridam com outros peixes nativos (do género Squalius). Sabe-se também que terão contribuído para a perda de qualidade de água em barragens que abastecem Barcelona. 


Saiba mais.

Filipe Ribeiro dá-lhe também algumas pistas para ajudar a distinguir entre os híbridos, as espécies nativas e o alburno:

A barbatana anal nos alburnos tem mais de 15 raios, enquanto nas espécies nativas tem menos de 9 raios (inclusive). Por sua vez, todos os híbridos variam entre esses dois números. 

Há também um gradiente entre os padrões de coloração dos bordalos e dos escalos (com escamas com pigmento e bandas de cor) e os alburnos, que são tipicamente prateados, sem pigmentação nas escamas.”


Série Espécies Aquáticas Invasoras

Ao longo dos próximos meses, em parceria com o projecto LIFE Invasaqua, a Wilder vai dar-lhe a conhecer algumas das principais espécies aquáticas invasoras em Portugal. O LIFE Invasaqua é um projecto ibérico co-financiado por fundos comunitários que divulga informação acerca da ocorrência e combate a espécies invasoras.

Recorde o que se passa em Portugal com o siluro, com o mexilhão-zebra e com a rã-de-unhas-africana.


Já que está aqui…

Apoie o projecto de jornalismo de natureza da Wilder com o calendário para 2021 dedicado às aves selvagens dos nossos jardins.

Com a ajuda das ilustrações de Marco Nunes Correia, poderá identificar as aves mais comuns nos jardins portugueses. O calendário Wilder de 2021 tem assinalados os dias mais importantes para a natureza e biodiversidade, em Portugal e no mundo. É impresso na vila da Benedita, no centro do país, em papel reciclado.

Marco Nunes Correia é ilustrador científico, especializado no desenho de aves. Tem em mãos dois guias de aves selvagens e é professor de desenho e ilustração.

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Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.