Pescadoras locais durante o mapeamento das pradarias. Foto: Gustavo Figueiredo
/

As pradarias marinhas do Sado estão à procura de empresas guardiãs

A Ocean Alive está a lançar um programa que convida as empresas a contribuirem para a protecção de 14 das pradarias já mapeadas no estuário deste rio português. Em breve, qualquer pessoa poderá também ajudar.

Açoreira, Adufas, Costado de Manteiga, Catita, Ilha do Cavalo ou Ponte Pêra. Estas são algumas das 14 pradarias do estuário do Sado que fazem parte de um novo projecto lançado pela Ocean Alive para conservar estes importantes habitats para a vida marinha.

A identificação destas e de outras pradarias só foi possível graças ao trabalho conjunto entre a Ocean Alive, uma organização não governamental para o desenvolvimento (ONG), e cinco pescadoras que assumiram o papel de “Guardiãs do Mar”. Estas são “mulheres da comunidade piscatória que a partir da sua sabedoria geram conhecimento sobre a localização e estado de conservação das pradarias” do estuário, explica a ONG portuguesa em comunicado.

O novo programa “Guardiões das Pradarias do Estuário do Sado”, lançado por ocasião do sexto aniversário da Ocean Alive, convida cada empresa a investir anualmente 2500 euros para patrocinar o mapeamento de cada uma entre 14 pradarias.

Em causa estão 72 hectares, num total de 122 hectares de pradarias que a Ocean Alive começou a mapear em 2019, em colaboração com uma equipa de cientistas do CCMAR – Centro de Ciências do Mar, ligado à Universidade do Algarve.

Mapa de parte das pradarias do Sado. Imagem: Ocean Alive

“Não podemos proteger o que não conhecemos. Ao manter a monitorização das pradarias, asseguramos que não sejam mais ignoradas”, sublinha Raquel Gaspar, co-fundadora da ONG. Para breve, está também previsto um ‘crowdfunding’ dirigido a cidadãos.

Chocos, cavalos-marinhos e roazes

Além da enorme importância que estes habitats têm para a reciclagem de nutrientes, tratamento de resíduos e a captura de carbono, são uma importante maternidade para várias espécies marinhas.

No estuário do Sado, por exemplo, “são um habitat berçário que suporta espécies emblemáticas: o local de reprodução do choco, a floresta onde vivem os cavalos-marinhos, onde crescem ou se reproduzem as presas da população residente de golfinhos-roazes, e um viveiro de pequenos animais (bivalves, búzios, anelídeos, crustáceos) que são alimento das muitas aves marinhas que pousam no estuário durante as suas migrações ou que lá vivem”, descreve Raquel Gaspar à Wilder.

Golfinho roaz. Foto: Cloudette_90/WikiCommons

Mas ao longo das últimas décadas, os cientistas acreditam que estes habitats têm sofrido diminuições graves. No Reino Unido, um estudo recente concluiu que se podem ter perdido 92% das pradarias marinhas locais. E em Portugal, segundo um estudo científico divulgado em 2013, houve igualmente “uma perda dramática”, adianta a mesma responsável.

Contar a história das pradarias

No que respeita ao estuário do Sado, a equipa da Ocean Alive está em busca do que terá acontecido ao longo das últimas décadas. Primeiro, com recurso a testemunhos da comunidade de pescadores locais, “para mapear a sua memória da localização das pradarias”, o que dará origem a “um mapa mais antigo”. Em segundo lugar, “com base no espólio de dados de outras equipas de investigadores” – no qual se baseará um mapa mais recente, mas também “mais credível” em termos científicos.

“Se conseguíssemos visualizar o mapeamento histórico das pradarias no estuário, poderíamos assim ter uma estimativa da perda dessas pradarias.”

De acordo com os testemunhos das pescadoras Guardiãs do Mar, recorda Raquel Gaspar, as pradarias começaram a desaparecer com as dragagens necessárias para a construção do estaleiro naval da Setenave – Estaleiros Navais de Setúbal (agora Lisnave), nos primeiros anos da década de 1970.

“O estuário era um mar de sebas (pradarias), com tanta abundância de vida marinha…”, cita esta bióloga. “Após estas dragagens, a grande maioria das pradarias desapareceu, assim como algumas espécies. O que temos hoje é muito pouco e o estuário está vazio de vida marinha. Mais tarde, a pesca destrutiva, com artes de arrasto, foi outra das causas de destruição identificada pelas pescadoras.”

plantas de folhas compridas na água
Zostera marina, uma das espécies de plantas das pradarias marinhas. Foto: Wiki Commons

E não se pense que isso são coisas do passado. Ainda em Janeiro de 2020, alerta a associação, perdeu-se uma pradaria marinha localizada na praia da Eurominas, que ocupava uma área de 4.200 metros quadrados – pouco menos que meio campo de futebol.

Ainda assim, há esperança, pois existem medidas que é possível tomar para o restauro de pradarias. No entanto, “não se pode plantar uma árvore sem limpar as causas que a vão matar. Existe evidência científica que o sucesso do restauro das pradarias é muito maior quando se eliminam as ameaças”, nota a mesma responsável. E sssa recuperação é apontada como essencial “para a recuperação do papel do oceano no combate à perda da biodiversidade e das alterações climáticas”.

Os próximos passos, para os quais é essencial continuar a fazer-se o mapeamento com a ajuda das pescadoras locais, passa por “remover os factores que estão a destruir as pradarias”. Exemplos? O impacto da navegação e dos ancoradouros e a melhoria da qualidade da água, explica a bióloga.

 

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.