Luís Ceríaco com um exemplar de serpente-castanha-de-Bocage no MHNC-UP. Foto: MHNC-UP

Luís Ceríaco: “A maioria das espécies que existem ainda estão por descobrir”

Início

Luís Ceríaco, investigador do Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto, ganhou uma bolsa de explorador da National Geographic Society para fazer o levantamento exaustivo das espécies de um hotspot de biodiversidade em Angola.

Os exploradores da National Geographic Society são “cientistas, conservacionistas, educadores e contadores de histórias. Cada um é infinitamente curioso sobre o nosso planeta e apaixonado em ajudá-lo a melhorar”, escreve aquela Sociedade, criada há 130 anos.

Jane Goodall e Jean-Jacques Cousteau estão entre os mais famosos dos cerca de 3.000 exploradores que já receberam o título e a bolsa.

Agora, Luís Ceríaco é um deles.

Este biólogo e curador-chefe do Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto soube em Novembro de 2020 que a sua candidatura à bolsa tinha sido aceite. “É uma honra poder fazer parte de um grupo tão fantástico de pessoas como são os bolseiros e exploradores da National Geographic Society”, contou hoje à Wilder.

O objectivo desta bolsa será descobrir novas espécies na Serra da Neve, o segundo pico mais alto de Angola, com 2.489 metros de altitude, e uma das áreas menos estudadas no país a nível de biodiversidade.

“É um mundo por descobrir e ainda muito bem preservado. Já descrevemos três novas espécies de lá, pelo que esperamos que haja ainda muito por descobrir”, comentou o biólogo, que também é o especialista que identifica as espécies de répteis enviados pelos leitores da Wilder para o “Que Espécie é Esta”.

A Serra da Neve, na província do Namibe, Sudoeste de Angola, não é, pois, terreno desconhecido para Luís Ceríaco. Em 2016 e em 2019 este investigador e a sua equipa estiveram naquela região em duas incursões exploratórias que duraram cerca de um mês cada uma. Dessas expedições resultaram várias descobertas, como a espécie lagarto-espinhoso-de-N’Dolondolo (Cordylus phonolithos) e uma osga-anã (género Lygodactylus).

Luís Ceríaco em conversa com a população durante uma expedição realizada à Serra da Neve, em 2019. (Foto: DR)

Este inselberg ou “ilha-montanha” é um habitat único, diferente de todo o habitat encontrado nas planícies circundantes, a cerca de 600 metros de altitude. É um ecossistema independente “com um importante papel na diversificação e estrutura de populações de fauna e flora, suportando uma vasta gama de diferentes microhabitats”, escreveu, em 2019, a equipa responsável pela descoberta.

Agora, graças a esta bolsa de explorador da National Geographic Society, Luís Ceríaco vai regressar à Serra da Neve. Desta vez com uma equipa multidisciplinar de 10 peritos. “Serão investigadores angolanos, portugueses, norte-americanos e alemães. Iremos ter especialistas em aves, mamíferos, anfíbios e répteis, insectos e plantas”, explicou o biólogo.

“Contamos ficar cerca de um mês na região, de modo a fazer um levantamento exaustivo da fauna e da flora local.”

A expedição ainda não tem data marcada mas Luís Ceríaco acredita que aconteça “ainda este ano”.

Serra da Neve. Foto: D.R.

O objetivo é documentar toda a biodiversidade desconhecida, entender as relações entre as espécies e o ambiente e, claro, potencialmente, descobrir novas espécies. Luís Ceríaco acredita que todo o trabalho de compilação de dados, convertido em “inventário geral da biodiversidade da Serra”, possa suportar a criação, por parte das autoridades angolanas, de uma área de conservação da Serra da Neve, segundo um comunicado da Universidade do Porto.

No final da expedição está prevista uma exposição fotográfica que será apresentada no Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto e em museus angolanos. Além disso, os resultados do trabalho serão publicados em revistas da especialidade.

E sempre que a “conexão de Internet por satélite o permita”, salvaguarda o investigador, esta “aventura” por terras africanas, será registada através de um diário virtual. Ao documentar a preparação da expedição científica, as pequenas vitórias e fracassos no terreno e o conhecimento científico que daqui resulta estará também a alertar-se a opinião pública para a necessidade destas expedições com vista ao estudo da História Natural e da Ciência.

A descoberta de espécies para a Ciência, ou seja, a Taxonomia, está a mudar. “A taxonomia está a renovar-se e cada vez é mais falada e reconhecida, quer no meio académico, quer na sociedade”, contou Luís Ceríaco à Wilder.

“Há cada vez mais jovens estudantes a quererem fazer taxonomia, pois entendem que afinal isto não é uma ciência do passado, mas sim algo altamente relevante no atual cenário de perda de biodiversidade. Dito isto, há ainda poucas oportunidades a nível de financiamento, embora isso também esteja a mudar. Por exemplo, a bolsa da National Geographic Society a que concorri e acabei por ganhar era mesmo focada na descoberta de novas espécies – ou seja – taxonomia.”

Luís Ceríaco com um exemplar de serpente-castanha-de-Bocage no MHNC-UP. Foto: MHNC-UP

Até ao momento, este biólogo com 33 anos já descreveu 27 novas espécies para a Ciência, nomeadamente répteis. Este número não o surpreende. “É sabido que conhecemos, na melhor das perspectivas, apenas um quarto da biodiversidade do planeta, pelo que a maioria das espécies que existem ainda estão por descobrir. Surpreende-me é como durante tantas décadas a taxonomia foi arrumada a um canto e dezenas ou mesmo centenas de biólogos passaram ao lado destas espécies e nunca se dedicaram à sua descrição.”

“Na atual crise da Biodiversidade, a descoberta de novas espécies é fundamental. Se não soubermos que elas existem, que são diferentes e únicas, não as conseguimos proteger. É difícil chegar a um decisor e dizer-lhe que ali há linhagens únicas de determinado grupo taxonómico. Temos de lhes dizer há ali ESPÉCIES, temos de lhe dar um nome. Sem nomes, não há conservação.”

Luís Ceríaco está a dar o seu contributo e não conta parar tão cedo. Para os próximos dois anos tem em preparação a descrição de mais 20 novas espécies.


Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.