lobo ibérico
Lobo ibérico conservado no Museu de História Natural, Lisboa. Foto: Joana Bourgard

Miguel Dantas da Gama: “Há que investir em animais, plantas e habitats, não em passadiços, baloiços e outras modas”

O que pode 2021 trazer para a Biodiversidade e para a Conservação da Natureza? Com o ano que começa, a Wilder lança cinco perguntas a especialistas e responsáveis portugueses que trabalham para conhecer ou proteger o mundo natural.

Miguel Dantas da Gama é membro do Conselho Estratégico do Parque Nacional da Peneda-Gerês em representação nacional da CPADA, cronista residente da WILDER e embaixador da INDAGATIO, “um projecto motivado por uma ideia inspiradora que transmite paixão pela natureza e que promove o seu respeito”.

WILDER: O que espera de 2021 para a Conservação da Natureza em Portugal e no mundo? 

Miguel Dantas da Gama: O “impossível”. Um efetivo reconhecimento por parte do Homem de que sem natureza conservada e preservada (não são a mesma coisa) não temos futuro. E que rapidamente reconheçamos que o tempo que temos para arrepiar caminho extingue-se a cada dia que passa. Quem o diz são aqueles que cientificamente acompanham o desastre que estamos a provocar e insistentemente nos alertam para o abismo de que nos aproximamos.

W: No seu entender, quais devem ser as prioridades para este ano em prol da natureza em Portugal? E mais concretamente, para a presidência portuguesa da União Europeia? 

Miguel Dantas da Gama: Um momento mais favorável, porventura uma grande oportunidade para sensibilizar e solicitar à União Europeia (UE) que nos ajude a arrancar com um grande projecto nacional, necessariamente longo, que pressupõe “uma grande travessia do deserto”, no sentido de recuperar o nosso coberto vegetal, a nossa floresta, livrando-a da eucaliptação e de outras monoculturas e infestações que estão na base de múltiplos e muito nefastos danos com que o nosso país seriamente se confronta. O restauro da floresta portuguesa é uma questão central num plano estratégico que Portugal reclama, não a pensar nos ciclos eleitorais mas num futuro a longo prazo e que trará benefício para a natureza e, também por esta razão, para a qualidade de vida de todos os cidadãos que vivem no território português. Nas parcelas do território definidas como prioritárias para a conservação da natureza, que esta seja realmente a prioridade. Nas verbas destinadas para este fim, há que investir em animais, plantas e habitats, não em passadiços, baloiços e outras modas que em muitos casos aceleram a destruição da natureza.

W: Quais as espécies ameaçadas que, na sua opinião, precisam de ajuda premente em 2021? 

Miguel Dantas da Gama: Todas as que não sabem e não conseguem conviver com o mundo que o Homem egoisticamente foi construindo à sua medida. À cabeça, as espécies mais especialistas, dependentes de habitats reduzidos, ou as que mais sofrem com as alterações climáticas. Todas as que já hoje não têm para onde fugir, sequestradas que estão em mundos que o Homem teima em aniquilar. São plantas e são animais, vão das minúsculas até às de maior dimensão. Lutar por elas, impõe lutar pelo meio de que dependem. Mais do que defender esta ou aquela espécie, impõe-se lutar pelos espaços em que, aliadas porque dependentes umas das outras, sobrevivem.

W: Se coubesse a si decidir, qual seria a principal medida que tomaria este ano para tentar travar a extinção das espécies? 

Miguel Dantas da Gama: Informar os cidadãos dos bens de consumo que não são produzidos de uma forma sustentada, aqueles que mais danos causam ao ambiente. Levar os cidadãos a fazer escolhas, a ser coerentes, praticando no dia-a-dia aquilo que verbalizam sobre a proteção da natureza. Não basta legislar no mundo dito desenvolvido em que nos situamos, para descarbonizar, para penalizar quem polui, não basta separarmos lixos, criarmos corredores verdes para bicicletas, etc, etc, se a maior parte do que no mundo “civilizado” consumimos provém de paragens onde os bens são processados de uma forma devastadora para o ambiente e para as comunidades que os produzem. Não faz sentido berrarmos contra políticos e empresários de grandes multinacionais clamando mudanças, se não estivermos, todos nós, dispostos a mudar de vida. Nos produtos, bens e serviços que consumimos temos de procurar saber e até de sermos informados de como podemos estar a matar a biodiversidade do planeta e que num efeito de boomerang, mais cedo que tarde, vão-nos aniquilar também. Temos que caminhar para abolição de práticas egocêntricas como a caça desportiva. 

W: Qual, ou quais, os projectos na área da Biodiversidade em que estará a trabalhar em 2021 que mais o entusiasmam? 

Miguel Dantas da Gama: Ultimo mais uma edição sobre o Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG) com uma mensagem conservacionista, em defesa do seu património natural, tendo como principal objectivo a sua valorização, tentando desta forma contribuir para colmatar uma falta da informação que melhor o defenda. É um projecto iniciado em 2014, após conclusão de anteriores e cuja data de lançamento e apresentação, este ano, estão condicionados pela evolução da pandemia. Para me associar ao 50º aniversário do PNPG que em 2021 se comemora, trabalho noutras iniciativas a divulgar oportunamente.

 


Recorde as respostas de Helena Freitas, de Ângela Morgado e de Ricardo Rocha.


Já que está aqui…

Apoie o projecto de jornalismo de natureza da Wilder com o calendário para 2021 dedicado às aves selvagens dos nossos jardins.

Com a ajuda das ilustrações de Marco Nunes Correia, poderá identificar as aves mais comuns nos jardins portugueses. O calendário Wilder de 2021 tem assinalados os dias mais importantes para a natureza e biodiversidade, em Portugal e no mundo. É impresso na vila da Benedita, no centro do país, em papel reciclado.

Marco Nunes Correia é ilustrador científico, especializado no desenho de aves. Tem em mãos dois guias de aves selvagens e é professor de desenho e ilustração.

O calendário pode ser encomendado aqui.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.