Loureiro (Laurus nobilis). Foto: Paula Corte-Real

Porque há árvores com folhas no Outono e Inverno?

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Rosa Pinho, curadora do Herbário (Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro), explica as razões para que estas árvores não sejam já dominantes nos bosques portugueses. 

Estamos naquela altura do ano em que as folhas rodopiam no ar, em tons dourados, castanhos ou avermelhados. Os ramos vão ficando despidos e as folhas acumulam-se debaixo dos nossos pés.

Choupos (Populus canescens). Foto: Paula Corte-Real

“A queda das folhas no outono é uma estratégia das plantas para se protegerem do frio, reduzindo ao máximo o seu gasto de energia”, explica Rosa Pinho. “Com menos luz solar, a primeira alteração é parar de produzir clorofila. Com a diminuição da clorofila, outros pigmentos já existentes tornam-se visíveis e as folhas ficam amareladas ou avermelhadas, acabando por cair.” 

Mas nem todas as árvores perdem as suas folhas nesta estação do ano. Por exemplo, três quartos das árvores no Jardim Gulbenkian mantêm as suas folhas, como por exemplo, o sobreiro e a azinheira, o loureiro, o medronheiro, o azevinho e ainda o buxo, o azereiro e o pinheiro-manso, para falar apenas de algumas. Segundo Rosa Pinho, a explicação para que haja árvores que conservam sempre as suas folhas está na genética de cada espécie. “Essas árvores crescem o ano inteiro, ainda que no inverno esse crescimento seja muito lento.” 

Azinheira (Quercus ilex). Foto: Paula Corte-Real
Azevinho (Alex aquifolium). Foto: Paula Corte-Real
Pinheiro-manso (Pinus pinea). Foto: Paula Corte-Real

E não é pelo facto de ter folhas caducas ou persistentes que uma planta é mais ou menos resistente. “Por exemplo, em condições ótimas, um azevinho (folha persistente) pode atingir os 300 anos e o carvalho-alvarinho (folha caduca) pode atingir os 1500 anos”, sublinha a investigadora. No entanto, as folhas podem ter características diferentes. “As dos carvalhos caducifólios são mais finas e maiores, como é o caso do carvalho-alvarinho, do que as folhas dos carvalhos de folha persistente, que são mais coriáceas, como é o caso do sobreiro e da azinheira, devido ao desenvolvimento do esclerênquima que, neste caso, assegura a proteção destas espécies em condições de temperaturas elevadas no verão.” 

Carvalho-alvarinho (Quercus faginea). Foto: Paula Corte-Real

Já o tempo de vida das folhas nas árvores de folha persistente é muito variável. “Varia com as espécies e dentro da própria espécie. Por exemplo, nos pinheiros as agulhas adultas podem durar de 18 meses a 40 anos, dependendo das espécies.” 

Da Laurissilva ao eucalipto  

Em Portugal, a maioria das árvores nos bosques autóctones das regiões norte e centro litoral são de folha caduca, devido à influência Atlântica. No sul do país, onde há uma forte influência mediterrânica, predominam as espécies de folha persistente. Mas nem sempre foi assim. “Antes da última glaciação, que ocorreu no Quaternário, a floresta que existia em Portugal era designada de sempre-verde, isto é, árvores com folhas persistentes onde dominava a Família Lauraceae (Família do loureiro – Laurus nobilis), daí o nome da Floresta: Laurissilva”, explica Rosa Pinho.  

Nessa altura, o clima do nosso país era subtropical húmido; mas com os gelos glaciares, a maioria das espécies da Laurissilva desapareceu no continente. Hoje, restam apenas algumas relíquias, como o loureiro, o medronheiro, o folhado e o azereiro. “Nas ilhas (Madeira e Açores) a Laurissilva resistiu porque a água que as circunda é um termo-regulador e o frio glaciar não se fez sentir da mesma forma.”

Loureiro (Laurus nobilis). Foto: Paula Corte-Real
Azereiro (Prunus lusitanica). Foto: Paula Corte-Real

“Ao longo do tempo, o clima passou a temperado e a floresta que passou a dominar foi a Fagosilva – floresta das Fagaceae (Família dos carvalhos – Quercus). O clima ficou mais frio e muitas das espécies que se tornaram dominantes estavam adaptadas devido à estratégia de caducidade das suas folhas.” Isto explica a distribuição das árvores de folha persistente e caduca por Portugal. 

Rosa Pinho explica ainda que “A sul, onde o clima é mais quente, temos os carvalhos de folha persistente, como é o caso da azinheira (Quercus rotundifolia) e do sobreiro (Quercus suber) e a norte temos os carvalhos de folha caduca como é o caso do carvalho-alvarinho (Quercus robur).” Hoje, a floresta já não é sempre-verde mas mista, com espécies de folha caduca e espécies de folha persistente, grande parte delas relíquias da Laurissilva.  

Ao contrário das florestas húmidas tropicais, que não têm uma estação seca pronunciada e onde a temperatura não é um factor limitante, as florestas temperadas caducas ocorrem em regiões com as quatro estações bem marcadas. “Este tipo de floresta tem, na generalidade, um hábito caduco (implica uma fraca atividade metabólica), decorrendo da baixa disponibilidade hídrica durante o inverno, isto porque a temperatura do solo se encontra abaixo do ponto de congelação”, acrescenta Rosa Pinho.  

No Hemisfério Norte, estas florestas ocorrem em toda a Europa, “sob a forma de fragmentos dispersos, porque a ação humana as transformou em campos e prados”. Em Portugal, o que resta da Fagosilva são bosques de folhosas fragmentados. A floresta atual deriva, na maior parte dos casos, de florestação com monoculturas com uma função económica, relacionada com a produção de bens para a indústria. Os três sistemas florestais dominantes são o montado de sobro e azinho, o pinhal e o eucaliptal.  

A área ocupada por espécies exóticas invasoras também tem vindo a aumentar, nomeadamente com espécies do género Acacia, potenciadas pelo abandono dos terrenos e pelos incêndios. 


Série Um Naturalista no Jardim Gulbenkian

Ao longo do ano, a cada mês, a revista Wilder desvenda-lhe alguns dos fenómenos que estão a acontecer no Jardim Gulbenkian e no mundo natural.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.