Cinco espectáculos da natureza para ver no final do Verão

Aqui ficam cinco sugestões de vida selvagem que pode admirar e aproveitar no final do Verão, compilados pela Wilder com a ajuda de três naturalistas e investigadores.

Cardumes de peixes em praias rochosas:

Cardume de salemas (Sarpa salpa). Foto: Diego Delso/WikiCommons

Mergulhe nas águas das praias rochosas de Portugal e procure cardumes de peixes. Esta é, para o biólogo Paulo Catry, a melhor opção para ver natureza nesta época do ano. “É fácil encontrar peixes comuns mas muito bonitos: sargos, safias, salemas (lindíssimas!!!), judias (estas sobretudo no Algarve), bodiões de várias espécies, bogas, tainhas, cabozes muito diversos… Por vezes chocos ou polvos, para além de muitos outros belos invertebrados”, enumerou à Wilder. Nos Açores e na Madeira também procure cardumes de peixe-verde ou rainhas (Thalassoma), acrescentou. Praticando snorkelling, pode assistir a “um espetáculo de luz, cor e formas verdadeiramente cativante”, disse Paulo Catry, investigador que defendeu mais reservas marinhas junto às praias. “Os peixes são animais selvagens maravilhosos, não são só o ‘peixinho’ que ‘só’ serve para comer.”

Dicas de locais: Paulo Catry sugere as praias viradas a sul, como as do litoral da Arrábida / Sesimbra ou as do Algarve porque são mais abrigadas no Verão e muitas vezes têm água mais transparente. As praias do Parque Natural da Arrábida, como Alpertuche ou a praia dos Coelhos, têm a vantagem de estarem dentro de uma área protegida onde, apesar de tudo, a pesca tem menor impacto (atenção à corrente que por vezes se faz sentir – não é aconselhável snorkelling noturno na praia dos Coelhos), salienta. As praias do Barlavento algarvio (entre Lagos e Sagres) são interessantes pela transparência da água e pela riqueza das formações rochosas e da vida a elas associada.

A vida das flores e dos insectos nas dunas:

Cordeirinhos-da-praia (Otanthus maritimus). Foto: Ana Júlia Pereira/FloraOn

Descobrir as dunas nesta época do ano é a sugestão de Maria Amélia Martins-Loução, presidente da Sociedade Portuguesa de Ecologia (SPECO). “As dunas agora estão lindas”, comenta à Wilder. Tenha atenção à “floração das plantas das dunas” e “ao vaivém dos pequenos insectos que fazem um barulho muito consistente e suave abafado pelo canto das cigarras”. “Nesta altura está tudo em flor a começar ou já em fase de polinização.”

Pancratium maritimum. Foto: Maria Amélia Martins-Loução
 Lotus arenarius. Foto: Maria Amélia Martins-Loução

Papa-moscas, a ave migradora que está de passagem:

Papa-moscas-preto (Ficedula hypoleuca). Foto: Achim Christoph/WikiCommons

O papa-moscas-preto (Ficedula hypoleuca), um pequeno passeriforme, é um dos nossos mais comuns “migradores de passagem”. Isto “significa que nem inverna nem passa o verão no nosso território, mas podemos vê-lo durante os períodos de migração, principalmente na migração outonal”, explica Milene Matos, bióloga da Fundação para a Conservação dos Abutres (VCF). Entre Agosto e Novembro, mas com o pico em Setembro, podemos ver muitos indivíduos no nosso país, na passagem migratória desde o norte do Paleártico em direção a África.

“Não costuma ser tímido nem discreto e as suas vocalizações monossilábicas denunciam-no facilmente. Observa-se bem em zonas arborizadas, com destaque para os pinhais costeiros, como os de Ovar, Mira ou Vagos. O Algarve é também um excelente local de observação.”

Para Milene Matos, “uma escuta dedicada num pinhal costeiro, ouvindo o mar, o vento a roçar nas carumas e dezenas de papa-moscas a chilrear em volta é efetivamente uma experiência de ‘espetáculo da natureza’”.

Dicas de locais: Milene Matos sugere uma visita aos pinhais de Ovar e Vagos e à Mata de Vilar em Lousada, em especial em Setembro.

Noites de salamandra-lusitânica:

Salamandra-lusitânica (Chioglossa lusitanica). Foto: Benny Trapp/WikiCommons

Para Milene Matos, “a salamandra-lusitânica (Chioglossa lusitanica) é um espetáculo da natureza por si só”. “Sem pulmões funcionais, respira pela pele, mantendo-se em ambientes húmidos, frescos e não contaminados. Cauda propulsora enorme, que lhe aumenta a superfície respiratória, e pele negra coberta de milhares de estrelinhas, ou, no dorso, dois longos caminhos de ouro magnético. Sendo endémica do noroeste da Península Ibérica, e sendo tão vulnerável, cada observação é um privilégio.” Segundo esta bióloga, “as primeiras chuvas de outono trazem uma bênção naturalista. Com as temperaturas ainda amenas e uma humidade fecunda, nalgumas zonas de ocorrência deste esplêndido anfíbio ocorre um verdadeiro festival da salamandra. Nessas noites podemos observá-las facilmente, obviamente sem as perturbar ou perseguir, já que sozinhas se arriscam a procurar alimento um pouco mais longe dos seus ribeirinhos-berço. Isto pode suceder nos locais mais bem preservados da sua área de ocorrência.

Dica de local: um local de eleição é a Mata Nacional do Bussaco, cujas musguentas linhas de água foram mesmo descritas como o habitat-tipo para esta espécie.

A eclosão de cobras-rateiras:

Cobra-rateira (Malpolon monspessulanus). Foto: Diego Delso/WikiCommons

“Já se sabe que apreciar serpentes não é um deleite consensual, mas as construções antropológicas de beleza e fealdade não devem impedir-nos de nos deixarmos maravilhar pelo quão espetaculares algumas visões do mundo natural podem ser”, escreveu Milene Matos à Wilder. Segundo esta bióloga, “a cobra-rateira (Malpolon monspessulanus) ocorre genericamente por todo o nosso território continental, com preferência para matos rasteiros, orlas florestais ou zonas rurais com abundante abrigo em afloramentos rochosos, pedras, buracos, tocas ou estruturas tradicionais em pedra, como muros”.

“Se uma cobra-rateira adulta nos pode impressionar, com os seus potenciais dois metros de comprimento e olhar ‘zangado’, as crias têm um ar terno, quase de desenho animado. Sensivelmente durante o mês de agosto podemos, por vezes, ser brindados não só com uma cobra-rateira adulta esticada ao sol, ou pela deteção de uma majestosa pele inteira, mas também pela caricata visão de três ou quatro cabecitas a espreitar de um buraco. São as crias recém-eclodidas, nas suas primeiras observações do mundo “lá fora”. O buraco entre as pedras de verão mantém-nas quentinhas, mas timidamente vão espreitando, numa curiosidade que é mútua, entre nós e elas. Ante tal privilégio, não devemos nunca perturbar. Mantenhamo-nos à distância, contemplando apenas a inocência e o ar curioso destas catraias escamosas, empilhadas umas sobre as outras, qual novelo explorador.”

Dicas de locais: um pouco por todo o lado, desde que haja muros de pedra tradicionais.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.