Melro (Turdus merula). Foto: Brenkee/Pixabay
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Guia para o Dawn Chorus: o que é, que espécies pode ouvir e os melhores locais

Na madrugada deste domingo celebra-se o Dia Internacional do canto das aves ao amanhecer (Dawn Chorus International Day), um dos maiores momentos da natureza na Primavera. É quando o canto das aves atinge o seu pico. Magnus Robb ajuda-nos a saber mais sobre este fenómeno.

O que é o Dawn Chorus (canto das aves ao amanhecer)?

É na Primavera que muitas espécies de aves não têm mãos a medir e andam numa azáfama. Há muito a fazer. É preciso marcar novos territórios todas as manhãs e afinar as melodias para atrair as fêmeas. Esta é a época da reprodução, dos ninhos, dos ovos e das crias.

Muito deste trabalho é feito a cantar.

Melro (Turdus merula). Foto: Brenkee/Pixabay

Em Portugal, o canto das aves ao amanhecer acontece durante “um período bastante prolongado”, explica à Wilder Magnus Robb, ornitólogo britânico especializado na gravação do canto de aves e um dos três criadores do projecto The Sound Approach. Esta é uma colecção que, desde 2000, conseguiu reunir mais de 75.000 registos de mais de 1.000 espécies de aves e é um dos maiores arquivos privados de sons de aves do mundo. O seu objectivo é “popularizar o canto das aves” e ajudar a utilizar os sons na identificação das espécies.

“Eu diria que se atinge o pico entre Março e Maio. Mas talvez a variedade seja maior em Abril e no início de Maio”, especifica Magnus Robb, a viver em Portugal há vários anos. “Há espécies que quase não precisam de cantar mais. A reprodução já anda na fase de alimentar crias. E há outras, como o papa-moscas-cinzento, que ainda estão a chegar.”

Toutinegra-de-barrete-preto. Foto: TheOtherKev/Pixabay

A melhor altura do dia para apreciar esta sinfonia do mundo natural é ao amanhecer, pouco antes do nascer do Sol. Mas porque cantam mais as aves ao amanhecer do que ao entardecer, por exemplo?

“Ao amanhecer é importante marcar de novo o território, para ficar claro que o inquilino não foi predado durante a noite, e talvez para comunicar que ainda não tem uma fêmea”, esclarece o especialista. Além disso, as aves “costumam ter as melhores condições atmosféricas para espalhar o canto nessa hora do dia. Mais tarde, o calor do dia e a maior probabilidade de vento podem estragar essas condições. No fim do dia há um coro menos desenvolvido, mas é no início do dia que a presença precisa mais de ser marcada.”

Na maior parte das espécies, só os machos cantam. Mas há excepções. “Por exemplo, as fêmeas de Prunella modulares (ferreirinha-comum) e particularmente Prunella collaris (ferreirinha-alpina) podem cantar. E a fêmea de Erithacus rubecula (pisco-de-peito-ruivo) canta muito, mas creio que só fora da época de reprodução.”


Que espécies poderei ouvir no Dawn Chorus em Portugal?

A cacofonia de cantos pode ser intimidante para quem tenta identificar as diferentes espécies que está a ouvir.

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Carriça. Foto: Père Igor/Wiki Commons

“Entre as espécies que a maior parte dos portugueses pode ouvir este domingo são o melro (Turdus merula), a toutinegra-de-barrete-preto (Sylvia atricapilla) e a toutinegra-de-cabeça-preta (Sylvia melanocephala)”, ajuda Magnus Robb.

“Em certos sítios há espécies que chegaram recentamente e que cantam relatórios das suas viagens para África. O rabirruivo-de-testa-branca (Phoenicurus phoenicurus), a felosa-poliglota (Hippolais polyglotta) e o picanço-barreteiro (Lanius senator) podem imitar espécies que ouviram no Senegal, no Gana ou mais além. O picanço-de-dorso-ruivo (Lanius collurio), no norte, até pode ter visitado o Quénia e ter passado pela Arábia na viagem para cá, antes de atravessar a Europa de Leste para Oeste. Assim pode imitar as espécies do Médio Oriente.”

Nem todas as aves cantam com a mesma intensidade. Há umas que cantam mais alto.

Segundo Magnus Robb, entre os passeriformes aquele que canta mais alto será o rouxinol-bravo (Cettia cetti). Em noites silenciosas, este “pode ouvir-se a 500 metros de distância, julgo eu”. “E não podemos esquecer a poderosa carriça. Não sei dizer a distância que pode ser ouvido o seu canto mas sem dúvida é muito mais do que se espera de uma ave tão minúscula.”

Rouxinol-bravo. Foto: Mark S Jobling/WikiCommons

Fora dos passeriformes, “sei que há bufos e corujas que se podem ouvir a mais de um quilómetro. Mas creio que nenhuma coruja bate o recorde do abetouro que, em certas condições, dá para ouvir a uma distância de cinco quilómetros!”

Onde posso ouvir o Dawn Chorus?

Magnus Robb aconselha “florestas, particularmente perto de ribeiras e de zonas húmidas, para a maior variedade de espécies no Dawn Chorus. Mas também vale a pena visitar um vale nas montanhas, para a maior nitidez de som. Adoro gravar nas montanhas por esse motivo.”

O ideal é ser um sítio sossegado, com pouco ruído ambiente, nomeadamente o causado por motores ou veículos.

E quando estiver no local, por que não gravar o Dawn Chorus? Pode fazê-lo com um gravador ou mesmo com o seu telemóvel.

Magnus Robb deixa ainda uma sugestão. “Uma boa dica é de arranjar um gravador com uma bateria de maior capacidade para gravar toda a noite em algum sítio estratégico. Assim pode-se captar toda a sequência desde os mochos até às aves mais diurnas como chapims e afins. Recomendo ir vivienciar o canto em pessoa também, mas assim não se perde nada quando o sono exige mais de nós do que queriamos…”


Saiba mais.

Ouça aqui uma selecção de cantos de aves ao amanhecer seleccionados pelo projecto The Sound Approach. Um deles foi captado em Alares, Idanha-a-Nova, a 2 de Maio de 2015.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.