Catananche caerulea. Foto: Miguel Porto/Flora-On
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Passeios botânicos: Descubra as plantas fantásticas das encostas de Arruda dos Pisões, em Rio Maior

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Na semana do Dia Internacional do Fascínio das Plantas, assinalado na última quarta-feira, Miguel Porto, presidente da Sociedade Portuguesa de Botânica, leva-nos em passeio por um dos seus lugares preferidos.

Miguel Porto, da Sociedade Portuguesa de Botânica, sublinha que há inúmeros lugares em Portugal que merecem ser destacados para um passeio botânico, mas face à pergunta directa admite a sua “parcialidade e preferência pessoal”: a escolha recai nas “prodigiosas encostas de Arruda dos Pisões”.

“São umas vertentes duras, cobertas de matos e pinhais em solos calcários margosos, que se desenvolvem ali na região de Rio Maior, mais concretamente em frente a Arruda dos Pisões, e durante alguns quilómetros para Este”, descreve o botânico português, que trabalha também como investigador no centro de investigação CIBIO-InBIO, da Universidade do Porto. 

Mas porquê esta escolha? Para quem chega a estas encostas, “é outro mundo”, rejubila. “É como se de repente estivéssemos noutro país, porque começam a aparecer espécies de plantas – selvagens, naturalmente – que não aparecem em mais sítio nenhum de Portugal, e todas ao mesmo tempo, mas sem que haja uma mudança óbvia no tipo de solo ou nas condições ecológicas do local.”

Por ali aliás, tal como por toda a região, “dominam os solos de origem calcária”. E mesmo sabendo que tipos diferentes de calcários dão origem a solos e floras diferentes, Miguel Porto não encontra diferenças que justifiquem esta “anomalia florística”.

“É demasiado flagrante, demasiado fora de série. Não é normal, alguma coisa estranha se passou aqui; algum episódio extraordinário da história da flora de Portugal, que trouxe até nós um conjunto de plantas bizarro e único, circunscrito a estas vertentes.”

Mas de que plantas falamos?

“São demasiadas”, nota o responsável da SPBotânica, que destaca algumas das espécies que o visitante poderá encontrar:

Catananche caerulea, “uma flor de uma beleza invulgar, que em Portugal só cresce nestas encostas. Não é difícil de encontrar, pode até ser vista em alguns taludes de estrada, com as suas belas flores azuis”.

Catananche caerulea. Foto: Miguel Porto/Flora-On

Globularia vulgaris, “também de flores azuis, mas muito mais rasteira; em Portugal esta planta  atarracada só existe aqui e no Douro internacional”.

Globularia vulgaris. Foto: Paulo Ventura Araújo/Flora-On

Outros exemplos de espécies “bem mais discretas, que exigem uma pesquisa mais demorada”:

Knautia subscaposa, “uma planta discreta de flor rosa, que ocorre em apenas três sítios em Portugal, e é aqui muito pontual”.

Knautia subscaposa. Foto: Miguel Porto/Flora-On

Euphorbia flavicoma, “um pequeno arbusto frágil e difuso que apenas se torna evidente quando em floração. Esta planta só foi descoberta em Portugal em 2018!”, destaca Miguel Porto. “Este continua a ser o único local de ocorrência conhecido em Portugal, estando esta população distante de 360 quilómetros da sua população mais próxima em Espanha! Extraordinário.”

Euphorbia flavicoma. Foto: bathyporeia/Biodiversity4All

Linum narbonense subsp. narbonense, “um autêntico ‘arame’ que se apoia debilmente nos tojos e que mal se vê, excepto quando mostra as suas magníficas flores de um azul intenso, surpreendentes”, descreve. “Também este é o único local em Portugal onde esta planta existe, e similarmente, dista 200 quilómetros da sua população mais próxima em Espanha”.

Linum narbonense subsp. narbonense. Foto: Miguel Porto/Flora-On

Passeando por este local o visitante pode encontrar outras “plantas fantásticas”, com destaque para “a ocorrência da nossa única alfazema nativa, Lavandula latifolia“. “Aparece apenas nalguns pontos dispersos nestas encostas, sempre com poucos indivíduos, com mais alguma pequena população na região de Coimbra. Estamos habituados a ver pelos nossos campos os rosmaninhos, que são espécies também do género Lavandula, mas esta aqui não, esta é mesmo uma alfazema”, sublinha.

Alfazema Lavandula latifolia. Foto: Gemma_Miq/Biodiversity4All

A melhor altura para visitar…

Se já está a pensar em visitar as encostas de Arruda dos Pisões, o melhor é reservar várias datas, se for possível. É que para conhecer toda a beleza deste local, tem de lá ir “em mais do que uma altura”, incluindo “pelo menos Abril e Maio, ou mesmo Junho”, aconselha o botânico. “A floração das várias espécies mais interessantes vai-se sucedendo e não queremos perder nenhuma.”

Mas há cuidados importantes a ter. Desde logo, todo o cuidado é pouco para “não danificar qualquer das espécies referidas” – e outras que Miguel Porto omitiu – “pois são todas muito raras em Portugal”.

Um exemplo: por estas encostas, situa-se o único local de ocorrência em Portugal de Linum narbonense subsp. narbonense, que “ocorre somente em poucas dezenas de metros quadrados, muito concentrada, numa população com apenas algumas dezenas de plantas”, explica o botânico.

Linum narbonense subsp. narbonense. Foto: Miguel Porto/Flora-On

“Para agravar, é uma planta bastante frágil, que facilmente se parte. Todos os indivíduos contam para assegurar a sobrevivência da espécie em Portugal, e por isso é preciso um cuidado redobrado para não danificar esta população tão pequena.”

… e uma curiosidade

Há um mistério por desvendar neste local rico em espécies raras, que muito intriga o presidente da SPBotânica: “Este conjunto de plantas fora do normal que aqui aparecem são quase todas plantas cuja área de distribuição se restringe praticamente à metade oriental de Espanha, aparecendo aqui distantes e isoladas dessa região”, descreve. “Certamente não é por acaso, e certamente, diria eu, ainda há mais descobertas formidáveis à espera de o serem.”


Ao longo desta semana, esteja atento às sugestões que a Wilder vai publicar sobre locais de interesse botânico em Portugal. Para já, conheça a Serra do Gerês, a Duna de Montalvo, na zona entre Alcácer do Sal e a Comporta, e a Serra da Arrábida.

Se quiser descobrir ainda mais sobre as encostas de Arruda dos Pisões, consulte o Volume I da obra “Sítios de Interesse Botânico de Portugal Continental”, da Sociedade Portuguesa de Botânica. Tanto neste livro como no Volume II (ambos disponíveis de forma gratuita através da editora Imprensa Nacional) pode conhecer uma série de locais com plantas fascinantes em Portugal. E aproveite e conheça toda a Coleção Botânica em Português, de acesso gratuito.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.