Assunção Loureiro. Foto: SeaTheFuture

Assunção Loureiro: “São urgentes mais iniciativas de impacto” para conservar o oceano

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Assunção Loureiro, managing director da SeaTheFuture, um spin-off do Oceanário de Lisboa criado para acelerar a conservação dos oceanos, sublinha a importância de ligar quem quer ajudar mas não sabe como aos projectos no terreno.

WILDER: Como surgiu a ideia da SeaTheFuture e quais as maiores inspirações?

Assunção Loureiro: O SeaThefuture nasce da inspiração do Oceano per si e de três vetores fundamentais: 1) a aproximação das pessoas e sociedade global à importância da conservação do Oceano de uma forma transversal, 2) ilustrar projetos de conservação de impacto que se fazem no mundo e 3) trazer uma solução que acelere a restauração dos ecossistemas, através de maior transparência e, consequentemente, confiança a quem doa, independentemente do montante. 

A aproximação das pessoas é fundamental pois muitos de nós ainda desconhece a importância do Oceano na sustentabilidade do Planeta. Através de conteúdos de vanguarda, com base em evidências técnicas e científicas, acreditamos que através da plataforma e formatos de divulgação com base social – as redes – podemos apoiar o despertar de muitos para o Oceano. Se as costas é algo que começa a acordar nas pessoas – fruto do que vemos nas praias e da poluição que impacta a beira-mar, a SeaTheFuture promete uma viagem ao fundo do Oceano, algo poucos têm acesso. 

Os projetos são também o nosso principal ativo e a nossa inspiração, na verdade. A SeaTheFuture surge também da constatação de que, por um lado, há inúmeros projetos de conservação em todo o mundo, fundamentais para um Oceano saudável e cheio de vida que se debatem com frequentes constrangimentos sendo, o maior de todos, a falta de financiamento. Por outro, há muitas pessoas com vontade e com recursos para serem parte da solução, mas que não conseguem agir e pôr essa vontade em prática de uma forma intuitiva e relevante, pois todos eles surgem na internet de forma pulverizada, por vezes até com desafios de comunicação, que ensombram a sua causa maior. A nossa equipa, já com oito pessoas, apoia também estes projetos na sua própria comunicação e amplificação, para chegarem com maior força às pessoas, através de vídeo e imagem que, sim, vale muito mais do que uma mera sinopse. 

Por fim, mas não menos importante, a SeaTheFuture nasce porque acreditamos que se conseguirmos criar uma plataforma agregadora, financeiramente sustentável, transparente e credível, seremos também capazes de apoiar cada vez mais projetos de conservação de qualidade e de gerar exponencialmente mais impacto, tendo sempre a confiança como denominador comum. Na atualidade, as narrativas em torno da sustentabilidade multiplicam-se e torna-se muito difícil uma escolha informada e de confiança, com uma efetiva reastreabilidade.  A SeaTheFuture quer inverter esta tendência e fazer parte de uma solução urgente a questões como a perda da biodiversidade em Terra e no Mar, o aumento da frequência e dos locais dos eventos climáticos extremos, como furacões e tempestades tropicais, aumento da temperatura na Terra, acidificação do Oceano, entre outras. 

W: Porquê a conservação marinha? 

Assunção Loureiro: O Oceano é o nosso maior aliado na guerra contra as alterações climáticas. Enquanto maior sequestrador de carbono da atmosfera, o Oceano tem um papel fundamental na “regulação” de vários fatores, entre eles o clima e a concentração de Oxigénio, determinantes para a vida na Terra tal como a conhecemos. E também porque, apesar disso, a conservação do Oceano e da sua biodiversidade (ODS 14) é uma das causas com menor apoio financeiro. Sentimos que é uma área onde são urgentes mais iniciativas de impacto e acreditamos que a nossa pode realmente fazer a diferença.

O SeaTheFuture acaba por ser, por isso, um local onde converge o Conhecimento, a Conservação e as Comunidades que querem fazer a diferença pelos Oceanos, deixar um impacto positivo e um legado sustentável, fazendo do SeaTheFuture a primeira plataforma de crowdsaving do mundo. 

W: Há projetos em Portugal? 

Assunção Loureiro: Temos o objetivo de incluir projetos por todo o mundo e, naturalmente, uma vontade especial de o fazer em Portugal, mas temos um processo que pauta a selecção das iniciativas que apoiamos, assegurando transparência e rigor. Na realidade, um dos três primeiros projetos a integrar a SeaTheFuture – Programa Tatô, em S. Tomé e Príncipe – é liderado por uma ONG nacional, apesar de atuar fora do país.

W: Qual a importância e relevância da SeaTheFuture para a conservação dos oceanos?

Assunção Loureiro: O grande contributo que acreditamos que o SeaTheFuture pode ter é o de ser catalisador da ação de muitos e, através da rigorosa seleção dos projetos que apoia, o de maximizar o impacto de cada euro angariado. No nosso entender, há cada vez mais pessoas com vontade de contribuir, pessoas que querem ser parte da solução. A partir do momento em que consigamos ganhar tração e chegar a muitas pessoas (só na Europa somos 740 milhões de pessoas aproximadamente), acreditamos que vamos ter a capacidade de gerar valores consideráveis através da soma de contribuições relativamente pequenas, assumíveis por muitas pessoas. Essas contribuições, uma vez bem canalizadas e eficientemente geridas, serão motor de mudança e de impacto positivo para inúmeros projetos espalhados pelo mundo. É o poder do colectivo que pode ser transformador, nas empresas, na sociedade e, que o SeaTheFuture enquanto movimento pretende potenciar.

W: Neste momento têm 165 contribuições. Quem são as pessoas que aceitam fazer donativos? Que feedback já têm tido? 

Assunção Loureiro: Algumas são pessoas próximas nossas, da equipa, que inevitavelmente forma contagiadas pela nossa energia, mas a maioria são pessoas que de alguma forma reconhecem a importância de termos um Oceano saudável e do contributo dos projetos que apoiamos para tal. Acreditamos também que são pessoas que querem conseguir rastrear e saber o que acontece com o seu contributo; que impacto têm realmente. Em termos geográficos, estamos a falar mais a nível europeu, onde focamos a nossa comunicação nesta fase inicial. 

O feedback tem sido muito positivo, mas sentimos que quando ganharmos mais escala, e conseguirmos apoiar concretamente mais iniciativas dos projetos, conseguiremos também contagiar mais doadores e, dessa forma, exponenciar o nosso impacto.

W: O projecto com mais contribuições é o “Plan Bee for Mangroves”, no Haiti. Na vossa opinião, porquê? 

Assunção Loureiro: Neste momento, o projeto com o valor mais alto angariado é o Programa Tatô (com mais de 21.000€ angariados), logo seguido do Sharkcam na Malasia (acima dos 9.000€) e dos Whale Sharks nas Galápagos e do Plan Bee no Haiti (com 8.500€ cada um sensivelmente). Ainda estamos numa fase muito inicial para conseguir explicar alguns comportamentos, seria prematuro. Tanto podem ser as espécies/projeto em causa como o perfil de quem doa que acaba por definir o volume e a rapidez com que atingimos os objetivos. 

W: Neste momento estão a avaliar novos projetos? 

Assunção Loureiro: Estamos continuamente em contacto com novos projetos, até porque temos um formulário na nossa plataforma em que as pessoas podem sugerir projetos ou as próprias iniciativas se podem candidatar.

A inserção de projetos na plataforma requer uma curadoria que contempla um exigente processo de seleção certificado e composto por oito critérios que vão desde a capacitação das comunidades locais, até à melhoria das políticas, viabilidade a longo prazo, entre outros. Isto garante que todos os projetos que figuram no SeaTheFuture cumprem normas rigorosas de eficácia e impacto, apoiando uma escolha informada por parte dos doadores e investidores na conservação do Oceano.  


Saiba mais aqui sobre a plataforma SeaTheFuture.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.