Lobo-ibérico na região de Castelo Branco. Foto: João Esteves

Encontradas provas da presença de lobo na região de Castelo Branco

Tudo indica que esta espécie emblemática estará de regresso a uma zona de onde desapareceu há muitas décadas, incentivada agora pela baixa densidade demográfica e pelo aumento de presas como o corço.

Foi no final do ano passado que surgiu a primeira prova de que o lobo pode estar de volta à região de Castelo Branco, na Beira Interior Sul. Esta observação directa aconteceu completamente por acaso, durante o dia, contou Samuel Infante, da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza, à Wilder.

“Um estudante de Secundário que já tem colaborado connosco em várias acções, João Esteves, viu umas ovelhas feridas à beira da estrada, pediu ao pai para parar o carro e decidiu fotografar o que via. Quando chegou a casa e observou as fotos é que percebeu que tinha fotografado um lobo”, descreveu Samuel Infante, que é também coordenador do CERAS – Centro de Estudos e Recuperação de Animais Selvagens de Castelo Branco.

Lobo-ibérico na região de Castelo Branco. Foto: João Esteves

Alertada por João Esteves, a equipa da Quercus em Castelo Branco instalou várias câmaras de fotoarmadilhagem que poucos dias depois confirmaram esse primeiro registo. Entretanto, num trabalho que envolveu “desde a primeira hora” técnicos do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas e especialistas nesta espécie, tem-se procurado-se saber mais. Por exemplo, “se se tratará de um macho solitário, de vários lobos ou até mesmo de uma alcateia.”

Para já, além dos registos fotográficos, têm sido também avistadas pegadas e recolhidos dejectos que vão ser analisados pelo laboratório de genética da Universidade de Aveiro. O objectivo é também “compreender se estamos a falar de lobos provenientes de alcateias a sul do Douro ou então de alcateias do outro lado da fronteira, em Espanha”, explica o mesmo responsável.

“Estamos a falar de uma zona muito desertificada e com uma baixa densidade demográfica. É por isso que estas espécies estão a voltar. Desde que haja comida e não sejam perseguidos os lobos adaptam-se.”

Imagem captada com recurso a fotoarmadilhagem, na zona de Castelo Branco. Foto: Quercus A.N.C.N.

Quanto à comida disponível, as perspectivas parecem ser boas, uma vez que nestas terras abundam presas importantes como o veado, o javali e o corço. Este último foi aliás, há poucos anos, alvo de um projecto de reintrodução na Serra da Gardunha, “para disponibilizar alimento no caso de um regresso do lobo”, lembra Samuel Infante, acrescentando que o corço “tem tido um crescimento significativo” nesta região.

Já no que respeita às ameaças, o lobo-ibérico é muitas vezes vítima de atropelamentos, perseguição directa e tentativas de envenenamento. Prova desses perigos deu o último exemplar de lobo encontrado na zona. Este “único caso episódico depois de dezenas de anos sem registos concretos”, em 2004, foi um macho encontrado morto vítima de envenenamento, mas que também apresentava sinais de fractura, coincidentes com um atropelamento no passado, e vestígios de ter sido atingido a tiro.

Para evitar que situações destas se repitam, nos últimos anos têm sido desenvolvidos projectos de sensibilização junto de criadores de pecuária, de zonas de caça e das populações locais, a preparar um eventual regresso deste super-predador, nota o mesmo responsável. Um destes projectos, neste momento em curso, é o LIFE WolFlux.

No entanto, apesar do esforço que tem sido feito, Samuel Infante sublinha que “é fundamental continuar este trabalho de sensibilização”, numa região onde “há muitos ataques de cães assilvestrados a rebanhos” e os mecanismos de compensação por danos “ainda precisam de ser oleados” para funcionarem melhor, tanto na recolha de provas como no pagamento das indemnizações.

A importância de um super-predador

Apesar dos preconceitos que poderão surgir contra o eventual regresso deste super-predador à Beira Interior Sul, o coordenador do CERAS chama a atenção para o papel importante dos lobos no controlo das espécies que predam. E além disso, para ajudarem a debelar um “problema gravíssimo” de saúde pública: a tuberculose do veado e do javali. Isto porque ao caçarem e comerem os animais doentes – mais frágeis e fáceis de apanhar – vão impedir que esta doença que afecta várias pecuárias na região se espalhe ainda mais.

“Esperamos que este seja o regresso do lobo à Beira Interior Sul”, salienta Samuel Infante, que nota que este é “um sinal da resiliência dos ecossistemas”. Espécies como o abutre-preto, a águia-imperial, o grifo e agora talvez o lobo marcam cada vez mais presença na região. “Durante séculos explorámos ao máximo os recursos, mas entretanto com o abandono de milhares de hectares, vemos muitos carvalhais e galerias ripícolas a regenerarem-se autonomamente e muitas espécies de topo a voltar.”


Saiba mais.

Recorde os resultados de um estudo sobre como é visto o lobo-ibérico a sul do Douro. E saiba mais sobre as populações de lobo em Portugal e na Península Ibérica, aqui.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.