Hoje sabemos mais sobre a conquista do meio terrestre graças a este peixe

Foram precisas várias adaptações para os vertebrados conquistarem o meio terrestre há centenas de milhões de anos. Agora a sequenciação do genoma de um peixe trouxe novas informações sobre esse grande feito.

Uma equipa internacional de investigadores conseguiu sequenciar o genoma do peixe-pulmonado-australiano (Neoceratodus forsteri), revelado num artigo científico publicado hoje na revista Nature.

Neoceratodus forsteri no Zoo e Aquário Nacional em Canberra, Austrália. Foto: Mitch Ames/WikiCommons

Este peixe tem o maior genoma sequenciado até agora, sendo cerca de 14 vezes maior do que o dos humanos.

Os investigadores – liderados pela Universidade de Konstanz, na Alemanha – confirmaram que estes peixes pulmonados são os parentes mais próximos dos tetrápodes, grupo onde se incluem anfíbios, répteis, aves e mamíferos. Isto traz uma maior compreensão sobre as inovações que permitiram a estas espécies conquistarem o meio terrestre e sobre a origem dos próprios tetrápodes.

“O nosso estudo confirma que o peixe-pulmonado-australiano, Neoceratodus forsteri, e não o celacanto como se pensava anteriormente, é o parente aquático mais próximo do ser humano”, explica, em comunicado, Iker Irisarri, investigador do Museu Nacional espanhol de Ciências Naturais (MNCN-CSIC) à altura da investigação e agora na Universidade alemã de Göttingen.

“Esta espécie é considerada um ‘fóssil vivo’, já que é muito parecida aos fósseis dos primeiros peixes pulmonares”, acrescentou.

O peixe-pulmonado-australiano é uma das seis espécies de peixes-pulmonados que vivem hoje no planeta. Quatro outras vivem em África e uma na América do Sul.

Segundo o investigador, este grupo de peixes tem várias características que revelam a sua proximidade evolutiva aos tetrápodes em relação ao resto dos peixes. Entre elas estão “a presença de pulmões, as barbatanas carnudas mais parecidas às extremidades dos vertebrados terrestres, incluindo dos humanos, assim como a forma de se movimentar que faz lembrar a das salamandras”.

“Estas características serão, com grande probabilidade, semelhantes às que tiveram o antepassado comum dos tetrápodes e dos peixes pulmonados, que conquistou o meio terrestre há 420 milhões de anos.”

Irisarii sublinha que o estudo veio confirmar a hipótese acerca da posição evolutiva crucial do peixe-pulmonado-australiano e que a análise do seu genoma trouxe “pistas importantes sobre como foi a conquista do meio terrestre”.

Isso aconteceu graças a “várias adaptações na respiração, olfacto, movimento e reprodução”, continua Irisarri.

Por exemplo, o estudo mostra “processos similares nas barbatanas e mãos de peixes-pulmonados e de humanos, respectivamente, e nos pulmões de ambas as espécies, o que indica uma origem evolutiva comum”.

Além disso, os investigadores descobriram que, durante a transição do meio aquático para o terrestre, as espécies tinham um maior número de genes implicados no olfacto e um menor número de receptores de odores que se transmitem através da água.

Mas chegar a estas conclusões não foi nada fácil, dada a complexidade de sequenciar um dos maiores genomas do mundo animal. Alguns dos cromossomas dos peixes-pulmonados são tão grandes como o genoma completo de um ser humano. Graças às mais recentes tecnologias de sequenciação de ADN e à colaboração entre várias instituições, os investigadores conseguiram decifrar, pela primeira vez, os mais de 43 milhões de nucleótidos, moléculas que formam o ADN, do genoma desta espécie, o maior sequenciado até agora.


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Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.