Mosca-grua Tipula repanda. Foto: Rui Andrade

Já se conhecem mais de 100 espécies de moscas-grua em Portugal

Estudos científicos recentes permitiram descobrir em território nacional mais 33 espécies deste grupo, muitas vezes confundido com mosquitos gigantes.

Conhecem-se hoje em Portugal 149 espécies de moscas-gruas, também conhecidas por pernilongos-gigantes ou melgas. Devido às longas patas, por vezes são confundidas com insectos picadores, mas são receios infundados: “Não picam e não nos fazem mal”, garante um comunicado divulgado pelo CIBIO-InBIO.

Além do registo das 33 espécies em Portugal, uma equipa internacional em que participaram cientistas deste laboratório de investigação ligado à Universidade do Porto gerou também dados de distribuição de 102 espécies de moscas-grua em território português, que passam a estar agora publicamente disponíveis no portal GBIF (aqui e aqui).

Estas moscas-grua pertencem ao grande grupo dos dípteros (moscas) e são conhecidas como Tipuloidea. Este é um dos grupos mais numerosos, com mais de 15.630 espécies no mundo. As Tipuloidea, por sua vez, dividem-se em quatro famílias, mas apenas três estão já registadas em Portugal.

Mosca-grua Phylidorea ferruginea. Foto: Rui Andrade

“Na Peninsula Ibérica são conhecidas mais de 370 espécies de moscas-grua, pelo que se suspeita que ainda haverá muitas a registar na fauna de Portugal que têm passado despercebidas aos cientistas”, descreve Sónia Ferreira, investigadora do CIBIO-InBIO que faz parte da equipa de investigadores.

Todavia, tanto para os morcegos como para as aves, estas moscas-grua não passam despercebidas, umas vez que para esses animais são um alimento frequente. “Foi precisamente a necessidade de identificar os códigos de barras de ADN de espécies deste grupo, contidas na dieta de aves e morcegos, que motivou o trabalho agora publicado e que resultou na adição de 27 espécies de moscas-grua à fauna nacional em 2020“, explicou Sónia Ferreira à Wilder.

Já em Julho deste ano, os investigadores juntaram mais sete espécies ao inventário nacional de moscas-grua, num artigo científico que se focou sobre a fauna europeia deste grupo. Em causa esteve o estudo de 412 exemplares recolhidos em várias regiões de Portugal, incluindo Madeira e Açores.

Padrões vibrantes de amarelo e preto

As diferentes moscas-grua são muito parecidas entre si e na maioria têm cores acastanhadas, mas “existem espécies muito bonitas que apresentam padrões vibrantes de amarelo e preto”, nota Sónia Ferreira. “A identificação da maioria das espécies implica a captura do animal e a sua identificação à lupa, onde se observam estruturas de reduzidas dimensões.”

Mosca-grua Nephrotoma luteata. Foto: Rui Andrade

Já se alguém tiver um encontro inesperado com uma mosca-grua – quando se aproximam da luz em noites mais quentes, por exemplo – pode surgir algum pânico: muitas pessoas ficam nervosas, pois “podem assemelhar-se à primeira vista a mosquitos gigantes”.

Quando ainda estão na fase de larva, a grande maioria das espécies de moscas-grua são encontradas em habitats aquáticos. Quase todas as restantes estão em áreas com elevada humidade, como é o caso da manta morta.

A dieta nessa fase larvar é muito variada, desde material em decomposição a algas, musgos e plantas hepáticas, mas várias espécies são predadoras. Algumas podem causar prejuízos significativos na agricultura, pois quando nascem em grande número as larvas alimentam-se de raízes. Na fase adulta, estas moscas são todas terrestres e na maioria dos casos não se alimentam, podendo ingerir água para compensar as perdas. 

Uma colecção de códigos de barras de ADN

Este trabalho científico foi desenvolvido no âmbito do projeto PORBIOTA e EnvMetaGen, financiado pelo programa Horizonte 2020 da Comissão Europeia, que tem como objetivo central fomentar a investigação em metagenómica ambiental em Portugal. Os vários estudos promovidos no âmbito deste projeto incluem a iniciativa InBIO Barcoding Initiative, que consiste na construção de uma biblioteca de códigos de barras de ADN de Invertebrados.

Em biologia, “códigos de barras” são segmentos curtos de ADN que podem ser analisados para distinguir as diferentes espécies existentes. Esta técnica é particularmente importante em situações em que a análise somente das características morfológicas não é conclusiva. A identificação de um organismo através deste método baseia-se na comparação dos “códigos de barras” com uma base de dados na qual diferentes espécies estão catalogadas.

Mosca grua Symplecta stictica. Foto: Rui Andrade

Segundo o CIBIO-InBIO, “durante os trabalhos deste projeto foram já descobertas quatro espécies de borboletas novas para a ciência e adicionadas diversas espécies de invertebrados à fauna de Portugal de borboletas, moscas, percevejos, cigarrinhas e até de uma sanguessuga”.

O objectivo é que “esta coleção de referência do InBIO se torne uma ferramenta fundamental para a monitorização da biodiversidade a longo prazo e em larga escala na Península Ibérica”, permitindo a identificação de mais espécies ainda desconhecidas da ciência.


Saiba mais.

E já conhece as moscas-pernilongas? Muitas moscas desse grupo são lindíssimas.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.