britango a voar
Abutre-do-Egipto. Foto: Artemy Voikhansky/Wiki Commons

Life Rupis: Como é trabalhar para o abutre-do-Egipto e a águia-perdigueira no Douro Internacional

Início

Ao longo de mais de cinco anos, o Life Rupis, projecto luso-espanhol cofinanciado por fundos europeus, trabalhou para recuperar estas duas aves ameaçadas, reunindo populações e entidades locais dos dois lados da fronteira. A Wilder entrevistou Joaquim Teodósio, coordenador deste projecto e do Departamento de Conservação Terrestre da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), que sublinha que nesta região é fundamental combater o despovoamento humano para travar o declínio do abutre e da águia.

WILDER: O Life Rupis traduziu-se em quase cinco anos e meio de projecto, de Junho de 2014 a Novembro de 2020. Em que territórios trabalharam?

Joaquim Teodósio: Na parte transfronteiriça do rio Douro, que inclui o Parque Natural do Douro Internacional, do lado português, e o Parque Natural de Arribas del Duero, do lado espanhol. O impacto directo no terreno abrangeu esses dois territórios: a parte de Zamora e Salamanca do lado espanhol e os municípios de Miranda do Douro, Mogadouro, Freixo de Espada à Cinta e Figueira de Castelo Rodrigo do lado português. Mas o trabalho abrangeu mais do que os parques, pois teve muitas acções com impacto nacional.

W: Envolveram também muitas entidades, de um lado e do outro. Como é que foi trabalhar com uma equipa tão grande?

Joaquim Teodósio: Foi, sem dúvida, um dos maiores desafios. Este foi um projecto muito complexo e com uma grande quantidade de acções dedicadas a duas espécies diferentes. Primeiro, a águia-perdigueira ou águia-de-bonelli, que é uma águia que preda e tem necessidades ecológicas bem definidas. E depois o britango ou abutre-do-Egipto, que é o abutre mais pequeno da Europa e é uma ave que se alimenta de animais mortos e, por isso, com características completamente diferentes.

águia-perdigueira, de frente
Águia-de-bonelli, também conhecida como águia-perdigueira. Foto: Paco Gómez/Wiki Commons

Procurámos implementar uma grande diversidade de acções para estas duas espécies, algumas para ambas e outras específicas. E para isso, foi fundamental ter um conjunto de parceiros bastante abrangente: desde empresas como a EDP, às entidades públicas responsáveis pelos dois parques naturais – quer o Instituto para a Conservação da Natureza e das Florestas quer a Junta de Castela e Leão, passando pelo SEPNA / GNR com toda a parte de investigação e prevenção do crime ambiental, como o veneno, a Fundación Naturaleza y Patrimonio, e depois as organizações não governamentais que tiveram um papel fundamental no trabalho que desenvolveram no território (SPEA, Associação Transumância e Natureza e Palombar). Tivemos ainda uma componente mais internacional para conservação dos abutres, com o papel relevante da VCF – Fundação para a Conservação dos Abutres. Fora depois outros parceiros e entidades que se foram juntando em acções específicas.

troço das arribas do Douro
Paisagem do Parque Natural do Douro Internacional. Foto: SPEA

W: No que respeita à águia-perdigueira e ao abutre-do-Egipto, qual era o vosso principal objectivo? Aumentar as populações dessas espécies?

Joaquim Teodósio: As duas espécies estavam em declínio acentuado, com reduções de cerca de 30% nos últimos 20 a 30 anos, e um dos nossos objectivos foi avaliar quais eram as ameaças para ambas. Já havia dados sobre os problemas da perturbação, das linhas eléctricas e do uso ilegal de venenos. Tentámos avaliar esses impactos e implementar acções que permitissem reduzir a mortalidade das aves adultas que acontece por origem humana. Também tentámos melhorar as condições em termos de habitat e de recursos alimentares. São aves que vivem facilmente mais do que duas dezenas de anos e por isso a sobrevivência dos adultos é fundamental.

Águia-perdigueira com cria no ninho. Foto: Leonardo Fernández Lázaro / Wiki Comuns

W: E como é que se trabalha para isso?

Joaquim Teodósio: É muito importante assegurar que os territórios [tradicionais] se mantêm ou que se recuperam as condições daqueles que foram abandonados recentemente. Muitas das acções estiveram relacionadas com este tipo de questões. Também procurámos reduzir a perturbação em zonas mais sensíveis e os factores de ameaça identificados, como alguns postes de electricidade que tinham causado a mortalidade de aves por electrocussão. Tivemos ainda de lidar com a questão da disponibilidade de alimentos, que para os abutres está muito relacionada com a agricultura e o pastoreio. Para as águias, está mais relacionada com as presas: os coelhos, as perdizes e outras aves de que se alimentam. E tudo isto tem muito a ver com as dinâmicas territoriais e com o abandono rural. São zonas muito remotas quer para Portugal quer para Espanha.

W: Qual é o papel destas aves no ecossistema daquela região?

Joaquim Teodósio: Por exemplo, as águias alimentam-se de diversas presas, mas normalmente capturam animais mais frágeis ou menos saudáveis, o que contribui para que haja populações mais saudáveis dessas espécies. No caso dos abutres, sempre tiveram um papel muito importante dos cadáveres de animais que ficam nos campos, seja animais domésticos seja selvagens, incluindo no controlo de focos infecciosos. São espécies que, num bom estado de equilíbrio, não são ameaça nenhuma às populações humanas nem às actividades desenvolvidas no território, pelo contrário. E também têm um papel interessante do ponto de vista turístico, porque há muita gente que gosta de as observar.  

britango frente a um buraco numa arriba
Abutre-do-Egipto nas arribas do Douro. Foto: LIFE Rupis

W: O abandono humano desses territórios tem influência nas duas espécies?

Joaquim Teodósio: Sim, sim. Uma das vantagens deste tipo de ecossistemas está relacionada com a diversidade da paisagem e o mosaico que existia, o que tem muito a ver com a parte agrícola e a utilização do território. Com o abandono rural, relacionado com as migrações e o envelhecimento, foram-se perdendo áreas agrícolas que eram um misto de áreas abertas e de áreas com arvoredo mais denso. Foram sendo cada vez mais substituídas por zonas de arvoredo denso, com menos clareiras, o que para as águias e para as suas presas não é tão bom. No que respeita aos abutres, temos as questões ligadas às políticas agrícolas aplicadas depois da doença das vacas loucas [encefalopatia espongiforme bovina].

W: A questão da proibição de abandono de animais mortos nos campos…

Joaquim Teodósio: Apesar da legislação ser igual para toda a Europa, a aplicação da lei foi variando. Em Portugal, tornou-se obrigatório retirar todos os animais que morriam, mesmo em zonas muito afastadas e onde há abutres numa quantidade muito grande, que teriam permitido a remoção de forma natural destes cadáveres. Isso reduziu muito o alimento para os abutres. Do lado espanhol foram-se encontrando alternativas menos rigorosas.

Para já, o Life Rupis e outros projectos têm gerido estações de alimentação para os abutres. No caso do Life Rupis, as estações geridas – e que irão continuar a sê-lo – aplicam desde o início uma estratégia pensada para beneficiar o abutre-do-Egipto, que é uma das espécies alvo. E realmente os dados mostraram que essa é a espécie que beneficia mais, apesar do grifo e do abutre-preto utilizarem também as estações. Mas estas são sempre acções de emergência, em especial para a época de reprodução. Não estão pensadas para o longo prazo.

W: As coisas mudaram durante o projecto?

Joaquim Teodósio: Sim, porque uma das coisas boas foi o envolvimento da Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), que juntamente com o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas é responsável por estas estações de alimentação para aves necrófagas. A DGAV acompanhou o trabalho feito, no sentido de se encontrar um equilíbrio entre estações fixas onde se colocam restos de animais, construídas de propósito para zonas onde as populações de abutres são mais sensíveis, e a possibilidade de se abandonarem os animais domésticos no terreno. Ao longo do tempo, fomos testando soluções nas próprias quintas, para que as pessoas possam fazer essa gestão sem terem de gastar dinheiro a remover os animais mortos e sem causar problemas sanitários, porque os abutres conseguem fazer essa limpeza.

W: E isso está a funcionar?

Joaquim Teodósio: Sim, tem sido uma evolução, porque houve alterações legislativas durante o projecto, e temos estado a procurar junto de parceiros privados testar essas alternativas. Essas soluções poderão depois ter uma replicação por todo o país e contribuir para que haja progressivamente mais recursos para os abutres, mas ao mesmo tempo retirar benefícios dos serviços que estes fazem ao limparem os campos de animais mortos que podem causar doenças nas pessoas.

W: Houve outros grandes desafios?

Joaquim Teodósio: Por exemplo, a questão das linhas eléctricas. Os abutres têm menos capacidade de manobra para se desviarem de linhas ou utilizam os postes como poisos e o risco de electrocussão é muito elevado. Devido às barragens, o Douro é um dos grandes produtores de energia em Portugal, o que significa que existem muitas linhas eléctricas naquele território. Algumas são bastante antigas e foram instaladas quando ainda não se ligava muito à questão do impacto nos ecossistemas. Por isso, uma das acções grandes foi a correcção de postes eléctricos para evitar a electrocussão, e nalgumas situações a remoção de linhas que já eram utilizadas ou a sinalização para diminuir o risco de colisão. Fizeram-se protocolos com a EDP Distribuição, do lado português, e a Iberdrola do lado espanhol. Foi estabelecida uma prioridade de linhas em função do seu perigo, mas nos próximos anos irão sendo trabalhadas outras que foram sendo identificadas. É mais uma acção que continua e que está a ser desenvolvida no terreno.

W: No âmbito do Life Rupis foram também colocados emissores GPS em vários abutres-do-Egipto. Isso permitiu-vos aprender mais sobre a espécie?

Joaquim Teodósio: O abutre-do-Egipto é uma espécie migradora que na altura da reprodução está na Península ibérica. Os dados recolhidos ajudam-nos a saber quais são as rotas de migração que utilizam, as áreas onde passam o Inverno em África e ainda possíveis ameaças que possam enfrentar. Uma das situações que não desejamos, mas em que estes emissores podem ser úteis, é que se morrer uma ave é possível identificar rapidamente o sítio onde está e tentar avaliar o que levou à sua morte. 

Abutre-do-Egipto. Foto: T. R. Shankar Raman

Os dados que obtivemos permitiram-nos saber um pouco melhor a utilização que estes abutres fazem da área do projecto e identificar zonas que usam para se alimentar, nomeadamente zonas de pastoreio do lado espanhol – inclusivé fora dos parques naturais, o que tornou importante conseguir-se estabelecer uma ligação junto dos proprietários e criadores que permita identificar eventuais ameaças ou problemas de conflito, e actuar rapidamente para que não sejam um problema em termos de conservação. Esta ligação com os criadores de gado, do lado espanhol, é muito importante, porque há uma grande diferença entre o lado português e espanhol e isso é um factor de desafio. 

W: Não em termos geográficos mas humanos?

Joaquim Teodósio: Do lado espanhol, a utilização do território faz-se com grandes propriedades onde a criação de gado é mesmo muito forte. Do lado português, temos pequenos proprietários e o minifúndio, e o pastoreio de percurso está quase a desaparecer. Os pastores já são poucos, tal como os rebanhos que andam nos campos. Como as propriedades são pequenas e não há sítio para andar com o gado, este acaba por ficar nos estábulos ou as pessoas acabam mesmo por abandonar a actividade. E por isso muitas vezes os abutres, mesmo que nidifiquem no lado português, acabam por alimentar-se do lado espanhol, onde encontram as placentas, onde os animais morrem e ainda ficam no terreno se os proprietários tiverem as condições sanitárias para isso. É a tal experiência que estamos a tentar replicar do lado português, embora a questão da propriedade aqui faça muita diferença. 

Foto: Joaquim Teodósio

W: O tamanho das propriedades é importante?

Joaquim Teodósio: Uma propriedade muito grande consegue ter zonas definidas onde o gado pode ficar sem problemas sanitários e os abutres vão lá limpar. Do lado português, muitas vezes os proprietários têm parcelas pequenas, muitas não são parcelas contínuas, e para poder ter todas as condições sanitárias é mais complicado. E isso tem sido um desafio grande, mas esperamos que vá sendo ultrapassado.

Outro ponte forte importante do projecto foi a ligação com as comunidades locais, com os agricultores, os pastores, os produtores. Sendo um território com excelentes produtos de origem agrícola – o queijo, o vinho, a carne – muitas vezes estes produtos com uso mais sustentável do território não são valorizados. E isso cria problemas de nível económico, com o abandono da actividade e o envelhecimento da população.

W: Porque os produtos não são valorizados?

Joaquim Teodósio: Não tanto quanto se deveria. E isso também foi uma das apostas, identificar atividades feitas de uma forma mais sustentável e trabalhar com estes produtores e proprietários para ajudar a promover e valorizar este tipo de produtos e actividades que são essenciais.

Isto está muito ligado com a questão dos fogos, por exemplo. Em termos de incêndios, 2017 foi um ano terrível, foram afectadas áreas do projecto. Nessa altura ainda só havia um ninho de abutre-preto que ardeu e perdeu-se a cria. E como sabemos, a tendência é que em Portugal a situação vá piorando. Manter actividades de uma forma sustentável contribui para a redução desta ameaça e para que o fogo não atinja proporções tão graves como aconteceu em 2017. Isso é essencial e os produtores que são bons gestores do território devem ser também reconhecidos por isso. Muitas das actividades que fomos fazendo – incluindo as clareiras, as sementeiras e a questão de se ter um mosaico na paisagem – também contribuem para estas questões mais ligadas ao fogo, às alterações climáticas.

W: Como é que trabalharam a questão da paisagem?

Joaquim Teodósio: Grande parte das acções foram realizadas em áreas identificadas dentro dos territórios que considerávamos mais prioritários, mas também houve um grande envolvimento de associações de agricultores locais e de associações de caça, que replicaram as acções que íamos fazendo. O objectivo foi ter uma gestão total mais coerente e mais abrangente.

W: As áreas intervencionadas eram de proprietários privados ou de outras entidades?

Joaquim Teodósio: Tínhamos um misto, porque através da Palombar e da Associação Transumância e Natureza o Life Rupis também adquiriu terrenos em áreas relevantes e com boas características, que ficam para o futuro em termos de conservação da natureza. É sempre uma mais valia a longo prazo.

Mas também fizemos acordos com outros proprietários que nos permitiram ter mais de 400 hectares, quer do lado português quer do lado espanhol, com intervenções a este nível: gestão da biomassa, sementeiras mais simples para o coelho e para as perdizes e também algumas experiências de pastos para o gado com sementeiras biodiversas. Estas são sementeiras que permitem uma maior longevidade: podem demorar cinco anos porque se vão replicando a elas próprias com as sementes que vão produzindo. Em termos de custos de intervenção, como duram mais tempo, trazem mais benefícios. E têm menos mobilização do solo, com vantagens muito relevantes para os agricultores e a nível do ambiente.

Os pombais foram outra acção muito interessante. São um elemento muito marcante da paisagem do Douro, mas foram sendo abandonados porque as  pessoas já não tinham interesse ou condições para os manter.

Pombal tradicional. Foto: Palombar

W: Qual era o objectivo?

Joaquim Teodósio: Eram usados para a criação de pombos, mas também porque se usava o estrume [dos pombos] para hortas e afins. Com o projecto, a Palombar recuperou mais pombais do que se esperava: cerca de 40. As pessoas iam vendo que era giro, que o vizinho tinha recuperado, e também pediam para recuperar. E os pombais têm uso agrícola, mas são também úteis para as espécies que se alimentam de pombos.

W: Como a águia-perdigueira?

Joaquim Teodósio: Sim, é mais um recurso que se aproveita. O objectivo foi utilizar uma variedade de pombos mais selvagem. Estes pombos acabam muitas vezes por fugir dos pombais e juntam-se em bandos selvagens ou semi-selvagens, e aí nem há problema para estas aves, que vão fazendo a sua vida. E também vão beneficiando das sementeiras que o projecto fez. Muitas vezes, estas acções estavam todas um bocado interligadas. É uma medida muito interessante no que respeita a recuperar uma actividade histórica e tradicional naquela região, manter um elemento da paisagem humano mas muito forte, que se estava a perder, e contribuir também a nível de ecossistema e da conservação da natureza.

W: Mas como é que asseguram que acções como esta se mantenham no futuro?

Joaquim Teodósio: Algumas das acções consideradas mais prioritárias estão já incluídas no plano de acção para o britango, na zona transfronteiriça do Douro, que agora vai ser implementado pelos dois parques naturais. Há também um plano pós Life, do próprio projecto, que tem por base este plano do britango e algumas acções ligadas à águia perdigueira, que vai permitir alguma continuidade.

Por outro lado, algumas acções já ganharam uma dinâmica própria e esperamos que com um mínimo de esforço se mantenham, como as questões das linhas eléctricas e do veneno, em que se foram criando protocolos de actuação e uma dinâmica entre as entidades que já estão no terreno. A educação e sensibilização ambiental foram outro aspecto muito forte, com todas as escolas do lado português e do lado espanhol a trabalharem, milhares de alunos e professores envolvidos. Já estão eles próprios a desenvolver acções nas escolas relacionadas com estas espécies, o que vai sem dúvida deixar frutos para o futuro.

Foto: Joaquim Teodósio

Temos também a questão da promoção do Douro Internacional como uma zona de referência para a natureza e para um território mais sustentável, em que o festival ObservArribas foi um marco. Infelizmente a quarta edição foi adiada, mas acreditamos que a situação actual da pandemia vai melhorar e esperamos já em 2021 começar a trabalhar para a próxima. Existe da parte dos municípios um interesse grande em manter o festival. Há aquela ideia de que Trás-os-Montes é muito longe, mas já se percebeu que existe ali muito potencial que deve ser aproveitado com benefícios para a natureza e para as populações locais.

Nevões, chuvas e calor

W: No final do projecto, houve aumento das populações das espécies?

Joaquim Teodósio: Nestes projectos de conservação da natureza, uma das coisas mais complicadas é que entre o projecto começar, implementar as acções e ver depois os efeitos, dependendo das espécies, não se alcançam resultados de um ano para o outro. Ainda para mais em predadores de topo. Aquilo que se consegue fazer é lançar as bases para resultados a médio e a longo prazo. Neste caso algumas das acções tinham efeitos imediato, como a correcção de linhas eléctricas. É uma redução de uma ameaça que começa logo a ter efeitos e fica para o futuro. Já as questões ligadas com o habitat e com os recursos alimentares estão muito mais dependentes de outras variáveis e isso nem sempre é tão fácil de avaliar. 

Mas o Life Rupis contribuiu principalmente para três espécies: tínhamos o abutre-do-Egipto e a águia-perdigueira como objectivos principais, mas também esta colónia muito especial de abutre-preto, que acabou por ter uma dedicação grande a nível das acções e foi também uma das espécies que beneficiou.

Abutre-preto. Foto: Juan Lacruz/Wiki Commons

No caso do abutre-do-Egipto, depois de um declínio grande nas últimas décadas, parece que esse declínio foi travado e que há agora mais estabilidade. Houve também alguns anos melhores e outros piores em termos de reprodução, relacionados muitas vezes com as condições climáticas, que nem sempre são possíveis de controlar. Tivemos sempre em torno dos 120 casais. 

W: Qual foi o problema em termos climáticos?

Joaquim Teodósio: Por exemplo, houve anos em que tivemos nevões na altura quando muitos dos territórios estavam ocupados ou com posturas feitas. Ou chuvas intensas muito extremas que causaram também problemas. E depois, anos como 2017 em que o calor foi extremo, o que pode ter causado falta de alimento ao longo da época reprodutora.

Com a águia-perdigueira também temos boas notícias. Depois de muitos anos a perder casais reprodutores na região, no início estavam identificados 13 territórios desta espécie, e agora estão 15 – incluindo territórios que tinham sido abandonados e voltaram a ser ocupados. A águia-perdigueira é uma espécie bastante territorial, em que cada casal ocupa um território.

W: E quanto ao abutre-preto?

Joaquim Teodósio: Também foi muito interessante acompanhar esta colónia com características um pouco especiais. Da informação que vamos tendo da Europa, é a única colónia que se formou a uma distância tão grande de outras. Estamos a falar de uma colónia que se formou a quase 100 kms das mais próximas, o que não é normal nesta espécie. E durante muitos anos tínhamos apenas um casal reprodutor e agora temos dois casais a reproduzirem-se no Douro. Esperemos que nos próximos anos esta colónia também vá crescendo.

ninho feito com ramos e paus
Um dos ninhos artificiais para abutres-pretos no Douro Internacional. Foto: José Jambas/Oriolus

W: Neste momento, com o projecto terminado, quais são as prioridades?

Joaquim Teodósio: Um dos pontos fortes destes projectos Life é a capacidade de se conseguir um investimento grande em quatro a cinco anos que permite lidar com condições urgentes de conservação, criar capacidade nos parceiros e lançar bases para o futuro. Porque, tal como eu dizia, muitas vezes os resultados não se vêem ao longo de quatro a cinco anos, até tendo em conta que os primeiros dois são para preparar e começar a implementar. Uma árvore demora 10 anos a crescer e isso replica-se em muitas outras situações. Mudar mentalidades também demora muitos anos. Portanto, estes projectos são excelentes para criar capacidade e lançar bases para o futuro, o que no caso do Life Rupis é muito evidente. O projecto nestes últimos anos criou uma média de 18 empregos anuais a tempo inteiro. 

W: Em que áreas?

Joaquim Teodósio: Nas áreas de biologia, florestal, agrícola e turística, que são essenciais e permitem que a população vá assimilando cada vez mais estes projectos e considerando-os como seus. E isso é muito importante, que percebam que a manutenção de condições para estas espécies também são muito relevantes para a espécie humana, porque permite que muitas das acções se vão mantendo e comecem a ganhar uma dinâmica forte a nível económico e social. Isto em zonas onde isso não acontece facilmente, onde verificamos que o habitual é os jovens abandonarem estas regiões. E estes projectos permitem captar jovens e pessoas muito qualificadas para estes territórios.


Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.