Coruja. Biodiversidade. Foto: KevinsPhoto/Pixabay

Perdemos até 11% da biodiversidade no século XX por causa de mudanças no uso dos solos

A biodiversidade global diminuiu entre 2% e 11% durante o século XX devido apenas às alterações registadas na utilização dos solos, de acordo com um estudo publicado agora na revista Science. Os investigadores acreditam que as alterações climáticas poderão tornar-se o principal fator de declínio da biodiversidade até meados do século XXI.

A análise às alterações da biodiversidade foi realizada por uma equipa internacional de mais de 50 investigadores liderada por Henrique Miguel Pereira, investigador do Centro Alemão de Investigação Integrativa da Biodiversidade (iDiv) da Universidade Martin Luther de Halle-Wittenberg e do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (BIOPOLIS-CIBIO) da Universidade do Porto.

O estudo analisou tendências até 2050 quanto às alterações à perda da biodiversidade e de serviços de ecossistemas e comparou-as com as alterações registadas de 1900 a 2015, combinando 13 modelos diferentes.

Os investigadores compararam esses modelos para avaliar o impacto das alterações do uso do solo e das alterações climáticas em quatro métricas de biodiversidade distintas, bem como em nove serviços dos ecossistemas.

A perda de habitat é a principal responsável pelas alterações da biodiversidade, de acordo com a Plataforma Intergovernamental sobre a Biodiversidade e os Serviços dos Ecossistemas (IPBES).

Campo de cereais gerido de forma intensiva na Alemanha. Foto: Guy Pe’er

No entanto, os cientistas estão divididos quanto ao grau de alteração da biodiversidade nas últimas décadas.

Para melhor responder a esta questão, os investigadores modelaram os impactos das alterações da utilização dos solos na biodiversidade ao longo do século XX. Descobriram então que a biodiversidade global pode ter diminuído entre 2% e 11% devido apenas à perda de habitat. Este intervalo abrange uma gama de quatro métricas de biodiversidade calculadas por sete modelos diferentes.

“Ao incluir todas as regiões do mundo no nosso modelo conseguimos colmatar muitas incertezas e dar resposta às críticas a outras abordagens que trabalham com dados fragmentados e potencialmente enviesados”, explicou, em comunicado, Henrique Miguel Pereira. “Todas as abordagens têm os seus pontos positivos e negativos. Acreditamos que a nossa abordagem de modelação oferece a estimativa mais rigorosa das alterações da biodiversidade a nível mundial.”

Tendências mistas para os serviços dos ecossistemas

Utilizando outro conjunto de cinco modelos, os investigadores calcularam também o impacto simultâneo das alterações do uso do solo nos serviços dos ecossistemas, ou seja, os benefícios que a natureza presta aos seres humanos.

No século passado houve um aumento maciço dos serviços dos ecossistemas de produção, como a produção de alimentos e de madeira. Em contrapartida, os serviços de regulação, como a polinização, a retenção de azoto ou o sequestro de carbono, diminuíram moderadamente.

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Foto: Wilder/Arquivo

Os investigadores analisaram também a forma como a biodiversidade e os serviços dos ecossistemas poderão evoluir no futuro. Para estas projeções, acrescentaram aos seus cálculos as alterações climáticas como um fator crescente de alteração da biodiversidade.

De acordo com as conclusões, as alterações climáticas poderão exercer uma pressão adicional sobre a biodiversidade e os serviços dos ecossistemas. Embora as alterações na utilização dos solos continuem a ser relevantes, as alterações climáticas poderão tornar-se o fator mais importante de perda de biodiversidade até meados do século.

Os investigadores avaliaram três cenários amplamente utilizados – desde um cenário de desenvolvimento sustentável até um cenário de emissões elevadas. Em todos os cenários, os impactos das alterações do uso do solo e das alterações climáticas combinados resultam numa perda de biodiversidade em todas as regiões do mundo.

Embora a tendência geral para a diminuição seja consistente, existem variações consideráveis entre regiões do mundo, modelos e cenários.

As projeções não são previsões

“O objetivo dos cenários de longo prazo não é prever o que vai acontecer”, afirma a coautora Inês Martins da Universidade de York. “Pelo contrário, é compreender as alternativas e, por conseguinte, evitar essas trajetórias, que podem ser menos desejáveis, e selecionar as que têm resultados positivos. As trajetórias dependem das políticas que escolhemos e estas decisões são tomadas dia após dia.” 

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Foto: Joana Bourgard

Os autores constataram também que mesmo o mais sustentável dos cenários avaliados não aplica todas as políticas que poderiam ser postas em prática para proteger a biodiversidade nas próximas décadas. Por exemplo, a expansão dos biocombustíveis, uma componente do cenário de sustentabilidade analisado, pode contribuir para atenuar as alterações climáticas, mas pode simultaneamente reduzir os habitats das espécies. Por outro lado, as medidas destinadas a aumentar a eficácia e a cobertura das áreas protegidas ou a renaturalização (rewilding) em grande escala não foram exploradas em nenhum dos cenários.

A avaliação dos impactos de diferentes políticas sobre a biodiversidade ajuda a identificar as políticas mais eficazes para salvaguardar e promover a biodiversidade e os serviços dos ecossistemas, segundo os investigadores.

“Os nossos resultados mostram, claramente, que as políticas atuais são insuficientes para atingir os objetivos internacionais em matéria de biodiversidade. Precisamos de esforços renovados para fazer progressos contra um dos maiores problemas do mundo, que são as alterações da biodiversidade causadas pela humanidade”, apelou Henrique Miguel Pereira.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.