Grifo-africano (Gyps africanus). Foto: Bernard Dupont/WikiCommons

Peritos espanhóis seguiram com GPS pela primeira vez um grifo-africano na Europa

Peritos espanhóis da Fundación Migres colocaram um dispositivo GPS num imaturo de grifo-africano (Gyps africanus) para tentar perceber o potencial para um “processo progressivo de colonização” de uma nova espécie para a Península Ibérica, vinda de África.

As quatro espécies autóctones ibéricas são o grifo (Gyps fulvus), o abutre-preto (Aegypius monachus), o abutre-do-egipto (Neophron percnopterus) e o quebra-ossos (Gypaetus barbatus).

Mas a observação de espécies africanas de abutres – Grifo-de-rüppell (Gyps rueppelli) e Grifo-africano (Gyps africanus) – na Península Ibérica tem aumento nos últimos anos, lembram os autores de um estudo científico publicado no final de Março na revista Journal of Ornithology. Também tem sido registado o abutre-de-capuz (Necrosyrtes monachus), ainda que mais raramente.

Segundo estes investigadores, poderemos estar prestes a presenciar um “processo progressivo de colonização”.

Por isso, defendem, é fundamental analisar o movimento dessas espécies usando, por exemplo, dispositivos GPS.

Nesse estudo, os investigadores revelam por onde andou o primeiro grifo-africano, um imaturo, marcado na Europa.

Esta espécie começou a ser observada na Península Ibérica em 2008. Peritos da Fundación Migres colocaram um dispositivo GPS numa ave imatura, o que lhes permitiu seguirem este grifo entre Dezembro de 2021 e Maio de 2023.

“Durante esse período, este indivíduo viajou por toda a metade ocidental da Península Ibérica”, escrevem os peritos da Fundación Migres. Os valores foram mais baixos durante o Outono e o Inverno e mais altos durante a Primavera e o Verão, quando estas aves fazem as dispersões.

Segundo o estudo, este grifo-africano passou a maior parte do tempo (68,6%) à procura de alimento.

Quanto aos padrões de cruzamento do Estreito de Gibraltar, a Fundación Migres tem registo de sete grifos-africanos no período de 1997 a 2023: um em 2020 e dois em 2021, 2022 e 2023.

Os especialistas acreditam que as interacções com outros abutres podem ser uma das razões por detrás destes fluxos, pequenos mas constantes, de abutres entre África e a Península Ibérica. Isto porque alguns indivíduos podem seguir os grifos (Gyps fulvus) durante a sua migração trans-saariana desde o Sahel, porque a maioria são juvenis ou imaturos.

“É possível que os abutres africanos que chegam à Ibéria não mostrem filopatria (espécies que voltam em anos consecutivos ao mesmo local de procriação ou território) e nunca regressem à sua zona natal, o que abre novos cenários para a reprodução da espécie na Península”.

Em Portugal, por exemplo, em Agosto de 2014 foi visto um grifo-africano na Estação Biológica do Garducho, perto de Mourão, num do campos de alimentação de abutres. Este registo foi o segundo para Portugal e o quinto para a Europa.

Grifo-de-rüppell

Os mesmos peritos acreditam também ser “provável que o grifo-de-rüppell se converta, em breve, numa nova espécie entre os abutres europeus”.

Escrevem que o grifo-de-rüppell, anteriormente limitado a uma distribuição estritamente africana, foi classificado recentemente como espécie Criticamente Em Perigo a nível mundial.

Ainda assim, nas últimas décadas, têm aumentado as observações desta espécie na Europa, em especial no Sul de Espanha.

No estudo foi feito um diagnóstico da situação desta espécie no Sul da Europa, através da análise do Índice de Precipitações do Sahel e da migração outonal do grifo para identificar possível motores destas alterações e tendências demográficas.

As análises demonstraram que a passagem outonal de grifos pelo Estreito de Gibraltar, juntamente com as anomalias de precipitação no Sahel no ano anterior, são os melhores indícios do número de grifos–de-rüppell durante as passagens outonais pelo mesmo estreito, explicando 68,7% da variação.

A proporção de grifos no Sahel aumentou consideravelmente à medida que as populações de outros abutres diminuíram. “Nestas circunstâncias, parece mais do que provável que os grifos-de-rüppell sejam propensos a mudar-se para a Europa, seguindo os grifos”, escrevem os peritos. Este efeito também foi favorecido com o aumento do número de dias de chuva no Sahel, por causa das alterações climáticas. Tal pode provocar fugas de grifos-de-rüppell para fora das suas áreas de distribuição habituais.

Segundo o último relatório do Comité Português de Raridades, há registo de sete grifos-de-rüppell (vistos em Miranda do Douro, Carrazeda de Ansiães, Mértola, Aljezur e Vila do Bispo) entre 2007 e 2020.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.