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Foto: Joana Bourgard

Pressão cresce para que todos os mercados de animais selvagens sejam banidos

A responsável máxima da ONU para a área da biodiversidade apelou esta semana para que os mercados de animais selvagens sejam banidos por todo o mundo, num apelo partilhado com a WWF.

 

“A mensagem que estamos a receber é de que se não tomarmos conta da natureza, ela vai tomar conta de nós”, disse ao The Guardian a directora-geral interina da Convenção das Nações Unidas para a Diversidade Biológica, Elizabeth Maruma Mrema.

A responsável da ONU defendeu que os países devem prevenir o surgimento de novas epidemias com a proibição dos chamados ‘wet markets’, onde são vendidos tanto animais mortos como vivos para consumo humano, mas pediu também que haja cuidado com os efeitos dessa medida.

Já a WWF (World Wildlife Fund) apresentou esta segunda-feira, juntamente com a empresa GlobeScan, os resultados de um estudo de opinião realizado em cinco países e territórios do sudeste asiático. “Mais de 90% dos entrevistados ​​apoiam o encerramento de mercados ilegais e não regulamentados de vida selvagem, fazendo a ligação entre os mesmos e a actual ou potenciais pandemias”, informou a ONG, em comunicado.

Realizado em Março a 1000 entrevistados de Hong Kong, Japão, Mianmar, Tailândia e Vietname, o estudo agora divulgado mostrou que “82% dos entrevistados estão extremamente ou muito preocupados com o surto, com 93% dos entrevistados no Sudeste Asiático e Hong Kong a apoiar ações dos seus governos para eliminar mercados ilegais e não regulados.”

 

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O pangolim é um dos animais comercializados em mercados de animais selvagens. Foto: Alfred Weidinger / Wiki Commons

 

Desde o final de Fevereiro, está em curso uma proibição temporária destes mercados de vida selvagem na China. Nestes espaços, animais selvagens enjaulados como civetas e pangolins são amontoados em jaulas, umas por cima de outras, em stress e em condições de pouca higiene, num ambiente propício para contraírem doenças e as passarem aos humanos.

“A China tomou já grandes medidas proibindo a caça, o comércio, o transporte e a alimentação de animais selvagens, e o Vietname está a trabalhar em directrizes semelhantes”, afirmou Ângela Morgado, directora-executiva da ANP/WWF, ligada à organização internacional.

“Todos os países do mundo deverão juntar-se às vozes destas populações que estão a pedir aos governos asiáticos para encerrar mercados ilegais ou não regulados de animais selvagens de uma vez por todas para salvar vidas e ajudar a evitar a repetição da perturbação social e económica que enfrentamos hoje em todo o mundo”, defendeu a Ângela Morgado, citada no comunicado.

 

Banir, mas com cuidados

Por sua vez, a responsável da ONU para a biodiversidade, Elizabeth Maruma Mrema, ressalvou também que devem ser aplicadas alternativas destinadas às populações que dependem desse comércio para sobreviver.

“Seria bom banirmos os mercados de animais vivos como fizeram a China e alguns outros países”, indicou. “Mas também nos devemos lembrar de que há comunidades, em especial nas zonas rurais de baixos rendimentos, particularmente em África, que estão dependentes de animais selvagens para sustentar as vidas de milhões de pessoas.”

Para a directora-geral, se não forem criadas alternativas, isso poderá aumentar o comércio ilegal de espécies selvagens, que já hoje está a conduzir algumas espécies à beira da extinção.

A responsável das Nações Unidas mostrou-se também confiante de que os líderes mundiais darão mais atenção aos efeitos da destruição do mundo natural, quando voltarem a reunir-se para negociar o futuro acordo internacional para a biodiversidade.

Em Fevereiro passado, representantes de 140 países tinham-se reunido para redigir em Roma um primeiro esboço de um acordo para travar a perda de biodiversidade. Estava previsto para Outubro um novo encontro em Kunming, na China, mas está para já adiado devido à pandemia.

 

Fogos florestais e vírus do Nilo

“Preservar ecossistemas intactos e a biodiversidade vai ajudar-nos a reduzir a prevalência de algumas destas doenças. Por isso a forma como cultivamos, como usamos os solos, a forma como protegemos os ecossistemas costeiros e como tratamos as nossas florestas vão ou destruir o futuro ou ajudar-nos a viver por mais tempo”, disse em entrevista ao jornal britânico.

Maruma Mrema lembrou ainda como o vírus do Nilo, uma epidemia que teve lugar no final dos anos 1990, terá sido o resultado de fogos florestais, desflorestação e seca. Esses factores levaram os morcegos-da-fruta, hospedeiros naturais do vírus, a mudarem-se das florestas para quintas de turfas. Aí infectaram os agricultores, que contagiaram outras pessoas, levando ao espalhar da doença.

“A perda de biodiversidade está a tornar-se uma das grandes causas no surgimento de alguns destes vírus”, sublinhou. “A desflorestação em larga escala, a degradação e fragmentação de habitats, a intensificação agrícola, o nosso sistema alimentar, o comércio de espécies e planas, as alterações climáticas antropogénicas. Tudo isto conduz à perda de biodiversidade e conduz também a novas doenças. Dois terços das novas infecções e doenças vêm agora da vida selvagem.”

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.