macho de sisão no meio da vegetação
Macho de sisão. Foto: Pierre Dalous/Wiki Commons

Rede Natura 2000 não está a conseguir proteger o sisão

Investigadores lançaram um alerta para a situação do sisão, ave emblemática das estepes cerealíferas do Alentejo, que perdeu quase metade da população portuguesa nos últimos 10 anos. O estatuto de conservação da espécie vai ser revisto.

 

As populações desta ave prioritária na União Europeia estão em declínio desde há mais de 20 anos, em Portugal. Todavia, as 13 zonas de protecção especial (ZPE) designadas entre 1994 e 2008 para a conservação de aves como o sisão, ligadas aos sistemas agrícolas, estão longe de ser eficazes.

Segundo um estudo publicado no final de Janeiro na revista científica PeerJ, coordenado por investigadores do CIBIO-InBIO, esta ave que faz lembrar uma pequena abetarda perdeu 49% da população portuguesa entre os censos realizados em 2003-2006 e em 2016.

“Os resultados mostram um declínio generalizado de sisões nidificantes em quase toda a área de distribuição. A população portuguesa estimada entre 2003 e 2006 era de 17.418 machos. Em 2016, estima-se que havia 8.900 machos, o que representa um declínio nacional de 48,9%”, informam os autores do estudo.

A equipa comparou as tendências populacionais através da contagem dos machos de sisão, uma vez que as fêmeas são mais difíceis de avistar. Os trabalhos realizaram-se em 51 áreas diferentes, todas no Alentejo, onde se concentra mais de 90 por cento da espécie em Portugal. Destas, 21 estavam dentro de 12 ZPE, áreas protegidas na Rede Natura 2000 onde há incentivos à manutenção de habitats e mais obstáculos a novas construções.

E se é verdade que houve uma maior descida fora das ZPE, “em números absolutos, os maiores decréscimos na densidade populacional registaram-se dentro” destas áreas protegidas, sublinham os cientistas. Isto, ressalvam, embora as áreas protegidas continuem a ter mais aves desta espécie e também com maior densidade.

 

macho de sisão no meio da vegetação
Macho de sisão. Foto: Pierre Dalous/Wiki Commons

 

Um dos resultados deste declínio populacional deverá ser a alteração do estatuto de conservação da espécie. Classificado em Portugal como Vulnerável, desde 2010, é possível que o sisão passe em breve a ser considerado Criticamente em Perigo, disse à Wilder João Paulo Silva, investigador principal deste estudo, apoiado pela Cátedra REN para a Biodiversidade CIBIO-InBIO.

 

Por que há menos sisões?

A intensificação agrícola é a principal culpada: está a afectar fortemente a espécie em Portugal mas também noutros países da Europa Ocidental onde ocorre, como Espanha e França. “O Alentejo tem sido alvo de uma alteração significativa nos últimos anos”, lembra o mesmo responsável.

Os terrenos em pousio ligados à cultura tradicional de cereais de sequeiro, tal como as pastagens mais tradicionais, são sítios vitais para o sisão. Fora das ZPE esse habitat tem vindo a perder-se, convertido em olivais intensivos, vinhas, ou ocupado por estradas e habitações. Continua a manter-se dentro das áreas protegidas, mas “está a perder qualidade”.

Em causa está, por exemplo, a transformação de muitas pastagens tradicionais em pastagens intensivas, tal como o número cada vez maior de vacas que ali pastam. Resultado? Há menos vegetação e esta fica demasiado curta. “A vegetação tem de ter altura suficiente, por exemplo, para esconder os ninhos que as fêmeas constroem nos solos. E quando há pouca vegetação, os sisões ficam completamente expostos aos predadores, como as aves de rapina.”

 

fêmea de sisão, acastanhada
Fêmea de sisão. Foto: Joan Galisteo/Wiki Commons

 

Por outro lado, há também menos insectos disponíveis para alimentar as crias, que são essenciais nas primeiras três semanas após o nascimento. Depois, passam a  alimentar-se de rebentos, folhas e flores, para o que é importante a diversidade de culturas.

 

Incentivos “muito burocráticos”

O problema é que as medidas agro-ambientais criadas para ajudar na conservação desta e de outras aves estepárias, dentro das ZPE, quase não têm adesão, aponta o investigador. Estas medidas oferecem dinheiro aos agricultores para manterem a cultura de cereais de sequeiro, com rotação das parcelas, e para limitarem a quantidade de gado nas pastagens.

“Os agricultores no Alentejo queixam-se de que as medidas são muito complicadas e de que têm muitas obrigações”, sublinha.

Castro Verde e o Vale do Guadiana, no Sul do Alentejo, são as únicas regiões do país onde agricultores aderem aos incentivos, e isso porque “têm dos solos menos produtivos do país, são solos esqueléticos.” Nestas áreas onde ainda se faz a rotação de culturas e as pastagens ficam em pousio, durante a época reprodutiva dos sisões, o número de aves ficou estável ou até aumentou.

 

 sisão, acastanhado, no meio da vegetação
Foto: Francesco Veronesi/Wiki Commons

 

“A delimitação de ZPE, por si só, não é suficiente para a conservação desta espécie”, concluíram os cientistas. Mais importante é “a criação de mecanismos agro-ambientais nas áreas agrícolas que sejam eficazes, economicamente competitivos para os produtores e que sejam simples de aplicar”, frisa João Paulo Silva.

Entretanto, a importância mundial da Península Ibérica para a população da espécie está a perder-se, lamenta. Há 10 anos, considerava-se que Portugal e Espanha concentravam mais de metade dos sisões, em todo o mundo. Agora, no Sudeste Europeu (Rússia e Cazaquistão), onde há também um núcleo populacional, o número destas aves está a crescer e a região já é apontada como a mais importante.

Tanto em Espanha como Portugal, além da perda e degradação do habitat, o sisão é também muito afectado pela colisão com linhas eléctricas e pelos caçadores furtivos, indica ainda o investigador, que refere um estudo publicado em 2017. Neste, analisaram-se dados obtidos em seguimento à distância, recolhidos ao longo de 12 anos na Península Ibérica.

 

[divider type=”thin”]Saiba mais.

Conheça as razões pelas quais o sisão foi eleito como a Ave do Ano para Espanha, em 2017.E sabia que os fins-de-semana são stressantes para estas aves?

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.